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Mostrando postagens de fevereiro, 2025

A ciência pode provar que Deus existe?

A ciência empírica, por sua metodologia e natureza, não pode provar diretamente a existência de Deus, pois trabalha com fenômenos observáveis, mensuráveis e testáveis . A ciência procura explicar o natural pelo natural , e pelo seu método não entra na questão se existe algo para além do natural. Deus, por definição, é um ser transcendente, fora do espaço-tempo e não sujeito às leis físicas. Como a ciência se baseia na observação da natureza, ela não pode provar nem refutar diretamente a existência de Deus . No entanto, há três abordagens principais em que a ciência pode indiretamente apontar para a existência de Deus: 1. O Argumento Cosmológico e a Origem do Universo A cosmologia moderna sugere que o universo teve um começo finito, conforme descrito pelo modelo do Big Bang . Isso levanta a pergunta metafísica: o que causou o universo? Embora a ciência não possa afirmar um começo absoluto do universo, os dados atuais das pesquisas sugerem que o universo é essencialmente temporal, o que...

Wittgenstein e a questão de Deus

A questão de Deus em Wittgenstein é complexa, pois atravessa suas duas fases filosóficas ( Tractatus Logico-Philosophicus e Investigações Filosóficas ), e pode ser abordada a partir de três perspectivas principais:  1. Deus e o Inefável no Tractatus No Tractatus Logico-Philosophicus (1921), Wittgenstein estabelece que os limites da linguagem são os limites do mundo. A linguagem só pode expressar fatos do mundo, e tudo que ultrapassa isso pertence ao inefável. • Deus, a metafísica, a ética e a estética pertencem a esse “espaço do inefável”, pois não são fatos que podem ser descritos logicamente. • Ele afirma no famoso parágrafo 6.432: “Como o mundo é, é algo que é completamente indiferente para o que é superior. Deus não se revela no mundo.” • E, no fim do Tractatus , conclui: “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.” (7) Ou seja, Deus não pode ser expressado pela linguagem lógica, mas sua existência pode ser sugerida através do que não pode ser dito. Deus e o Místi...

A importância de Étienne Gilson para a Metafísica

Étienne Gilson (1884-1978) foi um dos mais importantes historiadores da filosofia medieval e um grande defensor do realismo tomista, especialmente na sua interpretação da metafísica de Santo Tomás de Aquino. Sua contribuição é notável por vários motivos: 1. Redescoberta da Metafísica Tomista No século XIX e início do século XX, o pensamento de Santo Tomás era muitas vezes reduzido a um essencialismo aristotélico ou a uma teologia sistemática, sem a devida ênfase em sua metafísica do ser ( esse ). Gilson foi um dos responsáveis por recuperar e enfatizar a originalidade de Tomás, destacando que: • A metafísica tomista não é apenas um estudo da essência das coisas, mas principalmente uma investigação sobre o ser como ato ( actus essendi ). • Tomás de Aquino supera Aristóteles, pois enquanto Aristóteles se concentrava no “ente enwuabro ente” ( ens qua ens ), Tomás identificava o “ser” ( esse ) como o princípio mais profundo da realidade. Essa interpretação levou Gilson a cunhar a e...

A beleza, o bem e a mística: vias práticas para Deus

Resumo do Artigo: “Las Vías Prácticas de Acceso a Dios en Jacques Maritain” Autor: Juan J. Álvarez O artigo explora as vías práticas de acesso a Deus em Jacques Maritain, diferenciando-as das vias tradicionais de demonstração racional da existência divina. O autor argumenta que Maritain, além de modernizar as Cinco Vias de Tomás de Aquino, propôs um sexto caminho que não é uma prova lógica, mas uma aproximação existencial e prefilosófica de Deus. 1. O Conhecimento por Connaturalidade Maritain distingue entre o conhecimento teórico e o conhecimento por connaturalidade, que ocorre por uma inclinação natural do espírito humano. Essa forma de conhecimento se manifesta em três vias principais: 1. A experiência estética e poética → O encontro com a beleza e a criatividade artística abre a alma para a transcendência. A beleza reflete a ordem divina e leva o ser humano intuitivamente a Deus. 2. A experiência moral → No primeiro ato de liberdade moral, ao escolher o bem pelo bem, a pess...

O Amor segundo Platão, Freud e Bento XVI

O amor é um dos temas centrais da filosofia, da psicanálise e da teologia, sendo interpretado de formas distintas ao longo da história. Vamos explorar como Platão, Freud e Bento XVI entendem o amor, destacando suas semelhanças e diferenças. 1. O Amor Segundo Platão: O Desejo pela Beleza e pelo Bem Supremo Platão aborda o amor principalmente no Banquete (Simposion) e no Fedro, onde ele o concebe como um movimento da alma em direção ao Bem e à Beleza. 1.1. Eros como Desejo de Ascensão Para Platão, o amor (eros) é uma força dinâmica que move a alma em direção ao divino. Ele não é apenas desejo físico, mas um caminho de elevação espiritual. Esse processo é descrito na famosa Escada do Amor, apresentada por Diotima no Banquete : 1. Amor pelo corpo individual → A primeira forma de amor nasce da atração pelo belo físico. 2. Amor por todos os corpos belos → A mente percebe que a beleza não é exclusiva de um só corpo. 3. Amor pelas almas → O amante percebe que a beleza interior (vir...

Fenomenologia do ethos segundo Lima Vaz

1. Preliminares Semânticos A reflexão inicia-se com uma reflexão sobre os conceitos de physis (natureza) e ethos (costume, caráter), destacando que o ethos representa a transcrição da physis na praxis humana e nas estruturas histórico-sociais. O ethos manifesta a razão da physis ao se orientar para o bem, mas ao mesmo tempo rompe a ordem da necessidade natural ao abrir um espaço de liberdade na ação humana. Lima Vaz distingue dois significados do termo ethos na tradição grega: • Ethos com êta inicial: Refere-se à morada do homem, seu habitat e sua relação com o mundo. • Ethos com épsilon inicial: Relaciona-se com os hábitos adquiridos pela repetição de ações, o que Aristóteles chama de hexis (disposição estável para agir de certa forma). O ethos , portanto, não é apenas um costume passivo, mas a estruturação da ação humana em um sistema de normas e hábitos, que permite à prática moral estabelecer-se como uma ciência autônoma, como formulado por Aristóteles. 2. Ethos e T...

O desenvolvimento da doutrina cristã segundo John Henry Newman

São João H. Newman  John Henry Newman (1801–1890) foi um teólogo, cardeal e filósofo inglês que influenciou profundamente a compreensão do desenvolvimento da doutrina cristã. Sua obra mais importante sobre esse tema é An Essay on the Development of Christian Doctrine (1845), onde ele apresenta uma teoria sobre como as doutrinas cristãs se desenvolvem ao longo do tempo sem perder sua identidade essencial. 1. Contexto da Teoria de Newman Newman começou sua vida como um anglicano e, ao longo de seus estudos, percebeu que muitas doutrinas cristãs haviam passado por mudanças significativas desde os primeiros séculos da Igreja. Isso o levou a refletir sobre como uma doutrina pode se desenvolver sem se corromper. Sua investigação culminou na conversão ao catolicismo em 1845. Ele se opôs à ideia de que a Igreja primitiva já possuía uma teologia completamente sistematizada e imutável. Em vez disso, argumentou que as doutrinas crescem organicamente ao longo do tempo, como uma árvore a parti...

A “sexta via” de J. Maritain para demonstrar a existência de Deus

  Jacques Maritain, um dos maiores tomistas do século XX   Jacques Maritain considera em sua obra as “cinco vias” de S. Tomás de Aquino para provar a existência de Deus. Além delas, ele propõe uma outra via — a “sexta” —, elaborada por seu próprio gênio. Vejamo-la:  1. O Ponto de Partida: A Experiência da Inteligência A via começa com um momento de introspecção profunda, em que o indivíduo, ao pensar intensamente, se vê confrontado com uma questão paradoxal: "Como é possível que eu tenha nascido?" Esse questionamento surge não como uma dúvida sobre o nascimento biológico, mas como uma sensação de incompatibilidade entre dois fatos: - Eu nasci no tempo (tenho um início temporal). - Minha experiência intelectual, que alcança o universal e o eterno, sugere que sempre existi (parece inconcebível que o pensamento tenha surgido do nada, já que seu objeto mais nobre é o eterno). 2 . A Contradição Vivida: Temporalidade vs. Supratemporalidade O ser humano tem duas certezas conflit...

Kurt Gödel, a matemática, a filosofia e Deus

  O grande lógico e matemático Gödel ao lado de Einstein Kurt Gödel tinha um profundo interesse na relação entre Deus e a matemática, e sua visão sobre isso pode ser entendida em três aspectos principais: 1. Gödel e a matemática: o platonismo Gödel acreditava que a matemática não era apenas um conjunto de convenções humanas, mas sim a descoberta de uma realidade objetiva. Ele defendia uma visão platonista, segundo a qual os objetos matemáticos (números, conjuntos, funções, etc.) têm uma existência independente da mente humana. Ligação com Deus Se a matemática é uma realidade objetiva e imutável, a questão se torna: de onde vem essa realidade? Gödel acreditava que a existência dessa estrutura matemática indicava uma ordem racional no universo, o que, para ele, era um indício de um princípio divino. 2. O argumento ontológico de Gödel para a existência de Deus Além de sua visão matemática, Gödel elaborou uma versão formal do argumento ontológico para provar a existência de Deus. Esse ...

Tomismo transcendental, Ser e graça

Joseph Maréchal, iniciador do “tomismo transcendental” No tomismo transcendental, que é uma posição filosófica desenvolvida principalmente por Joseph Maréchal e outros pensadores que tentaram dialogar entre a metafísica tomista e a filosofia transcendental kantiana, temos:  1. A Estrutura do Espírito e a Abertura ao Ser No tomismo tradicional, seguindo Santo Tomás de Aquino, o intelecto humano é ordenado naturalmente para o ser, pois todo conhecimento começa na experiência dos entes sensíveis e se dirige ao ser enquanto tal. No entanto, o tomismo transcendental enfatiza que essa estrutura não é meramente empírica, mas uma exigência estrutural do próprio intelecto. Assim, cada ato de conhecimento já carrega uma abertura ao Ser em sentido absoluto. Em outras palavras, o nosso espírito é constitutivamente dirigido ao Ser, porque somente nele encontra sua realização última.   2. Conhecimento Implícito do Ser e Tendência ao Bem Como cada ente particular participa do Ser, cada conhe...

Usar e fruir. Resumo da Questão 1 do Comentário às Sentenças, de S. Tomás

Resumo da Questão 1 do Comentário às Sentenças,  de Santo Tomás de Aquino (Trecho sobre Fruição e Uso) Este trecho do Comentário às Sentenças de Santo Tomás de Aquino aborda a distinção entre fruição ( frui ) e uso ( uti ) no contexto teológico e filosófico. O objetivo central do texto é investigar a natureza dessas operações, suas relações com o intelecto e a vontade, e sua aplicação na vida humana e na relação com Deus. 1. Estrutura Geral do Trecho O texto pode ser dividido em três partes principais:  1. Introdução e divisão do tratado: Explicação do escopo da obra e das divisões principais.  2. Questão 1 – Sobre o conceito de fruição e uso:  • Artigo 1: Se fruir é um ato do intelecto ou da vontade.  • Artigo 2: Se usar é um ato da razão ou da vontade.  3. Questões sobre os objetos da fruição e do uso:  • Questão 2: Se devemos fruir somente a Deus.  • Questão 3: Se devemos usar todas as coisas além de Deus.  • Questão 4: Quem pode fruir e u...

Fundamentação última na filosofia

Meu pensamento sobre a condição de possibilidade da filosofia e da metafísica pode ser explicitado a partir de três pontos fundamentais: 1. A Filosofia como Saber sobre a Verdade 2. A Incontrovertibilidade da Existência da Verdade 3. A Verdade como Horizonte do Espírito 1. A Filosofia como Saber sobre a Verdade O ponto de partida do raciocínio é a distinção entre filosofia e as ciências particulares. O autor enfatiza que a filosofia não pode dispensar um compromisso explícito com a verdade, ao contrário das ciências, que: • Lidam com muitos detalhes e aspectos fragmentados da realidade. • Não pretendem chegar a grandes verdades sobre o ser e a totalidade do real. • Assumem pressupostos metodológicos sem necessariamente fundamentá-los. A filosofia, por outro lado, não pode ser dogmática em relação a seus próprios fundamentos. Isso significa que seu primeiro movimento crítico deve ser a busca pela condição de possibilidade do conhecimento verdadeiro, sem assumir c...

Lima Vaz e a metafísica

Resumo da dissertação “As condições de possibilidade da metafísica segundo Padre Vaz”, de Elílio de Faria Matos Júnior. Objetivo da Dissertação A dissertação busca demonstrar que a metafísica, entendida como ciência do ser e da transcendência, é possível segundo o pensamento do filósofo brasileiro Henrique Cláudio de Lima Vaz (Padre Vaz). Para isso, o autor analisa as condições de possibilidade da metafísica a partir de três vias principais: 1. A rememoração histórica da metafísica 2. A antropologia filosófica 3. A afirmação judicativa A investigação parte da premissa de que a crise contemporânea de sentido e ética está diretamente relacionada ao abandono da metafísica na modernidade e que, ao recuperá-la, podemos encontrar respostas fundamentais para a condição humana e a realidade. Capítulo I – A Via da Rememoração Histórica 1. A metafísica do esse e seus traços histórico-doutrinais A primeira via de fundamentação da metafísica passa pela reconstrução histórica do pensam...

Padre Vaz e as condições de possibilidade da metafísica

Pe. Elílio se dedica ao estudo do pensamento vaziano  Aqui está um resumo da dissertação “As condições de possibilidade da metafísica segundo Padre Vaz”, de Elílio de Faria Matos Júnior: Resumo A dissertação tem como objetivo demonstrar que, segundo o pensamento do filósofo brasileiro Henrique Cláudio de Lima Vaz (Padre Vaz), a metafísica — entendida como ciência do ser e da transcendência — é possível. Essa possibilidade se evidencia por três vias principais: a rememoração histórica, a antropologia filosófica e a afirmação judicativa.  1. Via da Rememoração Histórica A análise histórica da metafísica mostra que ela atingiu seu ápice com a metafísica do esse de Tomás de Aquino, que enfatiza o ato de existir como fundamento radical do ser. No entanto, a modernidade se afastou desse caminho, resultando na crise da metafísica e na perda de sentido e ética. Para Vaz, compreender essa trajetória histórica é essencial para restaurar a metafísica em nosso tempo.   2. Via da Antr...

Deus no início do Comentário de S. Tomás ao Evangelho de João

No início do comentário ao Evangelho de João, S. Tomás de Aquino apresenta uma densa meditação sobre a contemplação de João Evangelista e sua relação com a teologia cristã, especialmente no que diz respeito à existência e natureza de Deus. Resumo articulado do trecho sobre a existência de Deus A existência de Deus é apresentada com base em quatro vias contemplativas, cada uma delas refletindo um aspecto da divindade e inspirando-se em diferentes tradições filosóficas: 1. A via da autoridade e do governo divino • São Tomás argumenta que a ordem e a finalidade observáveis na natureza exigem um princípio diretor. Como os seres irracionais não podem se orientar por si mesmos para um fim, deve haver uma inteligência suprema que os governa. • Essa soberania divina é expressa no termo Dominus (Senhor), e o salmista afirma: “Tu dominaris potestati maris” (Sl 88,10), ressaltando que Deus conduz toda a criação. • João, ao escrever que “Veio para o que era seu” (Jo 1,11), confirma...