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Mostrando postagens de novembro, 2009

Mente e corpo, espírito e matéria (parte I)

. Padre Elílio de Faria Matos Júnior Com o atual desenvolvimento da neurociência, a grande tentação que se apresenta aos estudiosos é a de diluir a alma humana (expressão clássica da filosofia e da teologia) no corpo ou a mente no cérebro ou ainda o espírito na matéria. As atos reconhecidos tradicionalmente como atividades espirituais da alma, como o raciocinar, o querer e o refletir, não seriam outra coisa senão o cérebro em funcionamento. Tal posição é reconhecida como fisicalismo , porque sustenta que todas as atividades da alma são, em última análise, a matéria em determinada configuração e atividade. O fisicalismo , na verdade, desdobra-se em várias correntes, a saber: a) o behaviorismo analítico , o eliminacionismo , a teoria da identidade , os funcionalismos . Todas essas correntes, com variações de perspectiva às vezes consideráveis, são unânimes em defender que não existe nada para além da matéria ou do cérebro. Algo como natureza espiritual da alma , irredutível à matéri

Noção de "criação" no Antigo Testamento

. Padre Elílio de Faria Matos Júnio r . I srael não atingiu a noção de criação, noção que acabou por revolucionar a própria filosofia, através de uma reflexão filosófica. Israel chegou à fé explícita na criação a partir da experiência da atuação de Iahweh na história como o Deus da aliança. Nesse sentido, "o primado teológico não diz respeito à criação, mas à aliança" [1] . A pedagogia mesma da Revelação divina ensina-nos, assim, que a noção de criação não deve ser entendida à parte da noção de salvação. Israel só chegou a perceber a criação porque antes experimentou a ação salvífica do Criador.  A criação, portanto, não se reduz ao átrio dos gentios , mas faz parte do plano geral da salvação como seu primeiro ato. O Deus Triúno, na verdade, cria para salvar. Os dois relatos bíblicos clássicos sobre as origens pertencem, não ao início da fé de Israel, mas a épocas relativamente tardias. O relato sacerdotal (Gn 1-2,4a) surge por volta do século V a.C., e o javista (Gn

Absoluto real versus pseudo-absolutos

. Padre Elílio de Faria Matos Júnior  "Como pensar o homem pós-metafísico em face da exigência racional do pensamento do Absoluto? A primeira e mais radical resposta a essa questão decisiva, sempre retomada e reinventada nas vicissitudes da modernidade, consiste em considerá-la sem sentido e em exorcisar o espectro do Absoluto de todos os horizontes da cultura. Mas essa solução exige um alto preço filosófico, pois a razão, cuja ordenação constitutiva ao Absoluto se manifesta já na primeira e inevitável afirmação do ser , se não se lança na busca do Absoluto real ou se se vê tolhida no seu exercício metafísico, passa a engendrar necessariamente essa procissão de pseudo-absolutos que povoam o horizonte do homem moderno" (LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de filosofia III. Filosofia e cultura. São Paulo: Loyola, 1997). Padre Vaz, acertadamente, exprime a insustentabilidade do projeto moderno, na medida em que a modernidade quer livrar-se do Absoluto real, fazendo refluir

Quem é Jesus?

. Padre Elílio de Faria Matos Júnior . “Jesus não era Espártaco, que era um guerreiro em luta por uma libertação política, como Barrabás ou Bar-Kochba. Aquilo que Jesus – ele mesmo morto na cruz – tinha trazido era algo totalmente distinto: o encontro com o Senhor dos senhores, o encontro com o Deus vivo [.. .]” (Bento XVI, Encíclica Spe Salvi , n.4). Desde o século XVIII, a crítica não tem dado descanso à imagem de Jesus. Afinal, quem foi Jesus? Pergunta, na verdade, importantíssima. Aos olhos de muitos, a imagem tradicional de Jesus, do Jesus Filho de Deus encarnado e Redentor do gênero humano, tal como a fé da Igreja a concebe, já não deveria ser levada em conta. Seria uma invenção da Igreja. No lugar do Cristo segundo a fé da Igreja, colocaram “desde o revolucionário anti-romano, que trabalha pela queda dos poderes constituídos e fracassa, até o manso moralista, que tudo aprova e que assim, de um modo inconcebível, acaba ele mesmo por moralmente se afundar” (RATZINGER, Jose

Orientação da oração na liturgia (Parte I)

Padre Elílio de Faria Matos Júnior . Em seu livro Introdução ao espírito da liturgia , escrito em 1999, o então Cardeal Joseph Ratzinger, explica que, desde o início, os cristãos rezavam todos voltados para o Oriente – ad Orientem . A raiz desse significativo costume é uma tradição judaica. As sinagogas dos judeus, espalhadas pela diáspora, eram construídas de tal modo que a assembléia orante ficava voltada em direção ao Templo de Jerusalém. Uma vez, entretanto, que para a fé cristã Jesus substituiu o Templo, os cristãos passaram rezar voltados para o sol. Não se tratava, evidentemente, de um culto ao sol, mas de reconhecer que o cosmos fala de Cristo e que o sol é o símbolo privilegiado ao Senhor que ilumina a história. O Oriente substituiu, assim, o Templo de Jerusalém. Desse modo, Ratzinger explica que “na Igreja Antiga, a oração voltada para o Oriente sempre foi vista como uma tradição apostólica” [1] . As construções das igrejas antigas o testemunham, tendo colocado o altar, on

Santo Tomás, sabedoria, fé e razão

                                                                                                          Padre Elílio de Faria Matos Júnior Ser sábio é dito daqueles que, considerando o fim, tudo ordenam em conformidade com ele: "pertence ao sábio ordenar" [1] . As artes arquitetônicas ou principais dirigem as inferiores, assim como a arte médica ordena a arte farmacêutica, uma vez que o fim da farmácia é a medicina. Desse modo, são chamados sábios os artífices das artes arquitetônicas, pois que lhes compete ordenar para o devido fim as artes inferiores. Todavia, o sábio por excelência, o único propriamente digno desse nome, é o que considera o fim último de todas as coisas e, por isso, está em condições de tudo ordenar em conformidade com ele: "O nome sábio, porém, é simplesmente reservado só para quem se dedica à consideração do fim do universo, que é também o princípio". [2] O propósito fundamental de Santo Tomás é realizar o ofício de sábio, ou seja, consider

Pensamento do dia

Baseado na Encíclica Spe Salvi, de Sua Santidade o Papa Bento XVI A prioridade de toda ação pastoral da Igreja deve consistir, menos em elaborar estratégias, projetos e planos, mais em proporcionar ao homem de nosso tempo um encontro autêntico com Jesus Cristo, o revelador, sem o qual andamos “sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2,12). A Igreja não acontece tanto ali onde se organiza ou se planeja, mas, antes, onde a aventura da fé, que gera em nós a esperança maior, é vivida em toda sua intensidade.

Liturgia deve ser mistagogia

Padre Elílio de Faria Matos Júnior Uma das constantes preocupações do Santo Padre Bento XVI diz respeito à liturgia. Ultimamente, ou desde a Reforma litúrgica de Paulo VI, como todos sabem, a Liturgia Romana tem sofrido duros golpes por parte de quem não lhe reconhece a dignidade devida. Muitos padres e comunidades acham que podem “fazer” sua própria liturgia, pois que acrescentam e tiram aqui e ali, tendo como único conselheiro e guia o próprio alvedrio ou o gosto pessoal, de modo a descaracterizar o que recebemos da Igreja e, em última análise, dos Apóstolos e do próprio Senhor. Quem poderá negar que uma onda de atitudes e gestos estranhos invadiram a Liturgia Romana nos últimos anos? É o barulho ensurdecedor dos cantos e instrumentos musicais, as letras dos cantos que nada tem a ver com o senso litúrgico, o padre que se faz de showman, os “bom-dias” despropositados do padre e seu linguajar, muitas vezes, nada apropriado ao culto divino, a “bateção” de palmas do início ao fim da

Crise de sentido e crise ética

Padre Elílio de Faria Matos Júnior Vejamos, pois, como a crise de sentido e a crise ética, que parecem condensar a crise vivida pela modernidade, referem-se, em última análise à crise metafísica ou à rejeição do Fundamento transcendente, cuja irradiante luz brilhou inconfundível na metafísica tomásica do esse . Assim, pretendemos mostrar que, segundo Padre Vaz, em se tratando de identificar a grande causa da crise da modernidade, é preciso, antes do mais, descer “às raízes metafísicas do problema”. [1] Crise de sentido e crise ética, na verdade, estão intimamente relacionadas. O “sentido”, tal como aqui o consideramos, tem um caráter existencial , e refere-se ao “sentido da vida” ou “sentido da existência”. Ora, a existência do sujeito é “essencialmente orientada para os fins que ele se propõe ou para os quais é naturalmente movido”. [2] A Ética é a ciência do ethos [3] enquanto este, como a face axiológica da cultura, propõe-se a fornecer os valores e traçar as finalidades da vida