Resumo da Questão 1 do Comentário às Sentenças, de Santo Tomás de Aquino (Trecho sobre Fruição e Uso)
Este trecho do Comentário às Sentenças de Santo Tomás de Aquino aborda a distinção entre fruição (frui) e uso (uti) no contexto teológico e filosófico. O objetivo central do texto é investigar a natureza dessas operações, suas relações com o intelecto e a vontade, e sua aplicação na vida humana e na relação com Deus.
1. Estrutura Geral do Trecho
O texto pode ser dividido em três partes principais:
1. Introdução e divisão do tratado: Explicação do escopo da obra e das divisões principais.
2. Questão 1 – Sobre o conceito de fruição e uso:
• Artigo 1: Se fruir é um ato do intelecto ou da vontade.
• Artigo 2: Se usar é um ato da razão ou da vontade.
3. Questões sobre os objetos da fruição e do uso:
• Questão 2: Se devemos fruir somente a Deus.
• Questão 3: Se devemos usar todas as coisas além de Deus.
• Questão 4: Quem pode fruir e usar?
2. A Diferença entre Fruição e Usou
Fruição (frui)
• Fruição significa desfrutar de algo como fim último, ou seja, aquilo que amamos por si mesmo e que nos dá felicidade plena.
• Para Santo Tomás, somente Deus pode ser objeto de fruição verdadeira, pois apenas Ele é o fim último da alma humana.
• A fruição é um ato da vontade, pois está ligada ao desejo e à realização plena.
Uso (uti)
• Uso significa empregar algo para alcançar um fim, ou seja, utilizar meios para atingir um objetivo maior.
• As coisas criadas (seres humanos, bens materiais, virtudes, etc.) são utens, ou seja, servem como instrumentos para a alma alcançar sua plenitude em Deus.
• O uso está ligado à razão e à vontade, pois a razão ordena os meios ao fim, e a vontade decide aplicá-los.
Santo Tomás segue a distinção de Santo Agostinho, que ensina que:
• Fruímos apenas de Deus (Deus solus fruendus).
• Usamos tudo o mais para chegar a Deus (Omnibus aliis utendum est).
3. Questão 1 – Se fruir é ato do intelecto ou da vontade
Santo Tomás discute qual faculdade humana é responsável pela fruição. Ele apresenta objeções e depois responde com sua própria conclusão:
1. Argumentos a favor de que fruir é ato do intelecto:
• O intelecto é a mais nobre potência humana, e fruir é o ato mais elevado da alma.
• A fruição suprema consiste na visão beatífica, que é um ato do intelecto.
2. Argumentos a favor de que fruir é ato da vontade:
• O objeto da fruição é o bem supremo, e o bem é próprio da vontade.
• Santo Agostinho define fruição como descansar naquilo que se ama por si mesmo, o que indica um ato voluntário.
Conclusão de Santo Tomás:
• A fruição não é um ato do intelecto isoladamente, mas da vontade orientada pelo intelecto.
• A beatitude suprema consiste na visão de Deus (ato do intelecto), mas acompanhada pelo amor e descanso (ato da vontade).
4. Questão 2 – Se devemos fruir apenas de Deus
Aqui Santo Tomás reafirma a doutrina agostiniana de que somente Deus pode ser fruído plenamente, pois Ele é o fim último. Ele faz distinções importantes:
1. Fruição como objeto final: Somente Deus pode ser fruído em si mesmo, pois Ele é a causa última da felicidade.
2. Fruição como hábito ou instrumento: Podemos falar de fruição em um sentido secundário ao se referir à graça, beatitude criada e caridade, pois são meios que nos unem a Deus.
3. Fruição imperfeita: Enquanto estamos nesta vida, só podemos fruir Deus de modo imperfeito, pois a visão beatífica plena só ocorre no Céu.
5. Questão 3 – Se devemos usar todas as coisas além de Deus
Santo Tomás responde que tudo o que existe pode ser usado para nos conduzir a Deus. Entretanto, ele faz algumas distinções:
• O pecado não deve ser usado, pois é um afastamento de Deus.
• O sofrimento e as provações podem ser usadas, pois podem purificar a alma e levá-la a Deus.
• As criaturas devem ser usadas de forma ordenada, sem que se tornem fins em si mesmas.
Ele enfatiza que o pecado ocorre quando usamos algo como fim último, desviando-nos de Deus.
6. Questão 4 – Quem pode fruir e usar?
1. Todas as criaturas podem fruir?
• Não. Apenas seres racionais (anjos e humanos) podem verdadeiramente fruir, pois a fruição exige conhecimento e vontade.
• Os animais podem ter prazer, mas não podem fruir no sentido teológico, pois não possuem intelecto capaz de buscar o fim último.
2. Todas as criaturas podem usar?
• Sim, mas de maneiras diferentes.
• Os anjos e os homens usam as coisas racionalmente, enquanto os animais e as criaturas irracionais as utilizam por instinto ou necessidade natural.
3. Os pecadores podem fruir Deus?
• Não de forma plena. Eles podem ter um conhecimento imperfeito de Deus, mas não alcançam a fruição verdadeira enquanto não se voltarem para Ele em caridade.
4. Os bem-aventurados no Céu ainda usam alguma coisa?
• Sim, mas de modo diferente:
• Eles não usam mais meios para alcançar Deus, pois já estão Nele.
• Contudo, ainda podem usar suas faculdades e dons para maior participação na glória divina.
Conclusão Geral
O trecho do Comentário às Sentenças de Santo Tomás oferece uma análise profunda da distinção entre fruição e uso:
1. Fruição refere-se ao gozo pleno de algo como fim último, e só Deus pode ser fruído verdadeiramente.
2. Uso refere-se a empregar algo como meio para alcançar um fim, e todas as coisas criadas devem ser usadas para chegar a Deus.
3. A fruição é um ato da vontade ordenado pelo intelecto, pois envolve desejar e repousar no bem supremo.
4. O pecado surge quando fruímos aquilo que deveríamos usar, desviando nosso fim último.
5. Os bem-aventurados no Céu fruem plenamente Deus, enquanto os homens nesta vida só podem fruí-Lo de maneira imperfeita.
Esse ensinamento de Santo Tomás tem implicações fundamentais para a ética cristã e a teologia moral, pois mostra como ordenar corretamente nossos desejos e ações na busca pela felicidade eterna.
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