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Mostrando postagens de dezembro, 2020

A técnica como fim e o problema da transcedência

  INTRODUÇÃO  Este breve artigo é fruto da Aula Magna que ministrei em agosto de 2019 por ocasião da abertura do 2º semestre do Curso de Teologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF) e do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio (ITASA), de Juiz de Fora. Visa a lançar elementos de reflexão sobre o atual momento da história, caracterizado pela intensa presença da técnica, que, sem dúvida, contribui positivamente com a existência do homem no mundo, mas que tende a absorver todas as energias humanas, pretendendo tornar-se o fim supremo de nossas atividades. O homem poderia existir para a técnica? Dependemos fundamentalmente, para essa reflexão, dos textos em geral do filósofo italiano Emanuele Severino [1] . O TERROR DO DEVIR E O SABER QUE SALVA  A civilização ocidental alcançou ser a primeira civilização planetária da história. Ela exportou a todos os recantos da Terra, não tanto valores metafísicos ou éticos, mas a metodologia e os resultados das ciências e a

A descoberta do ser

Segundo Santo Tomás, os filósofos, passo a passo, foram-se aproximando da verdade.  Os primeiros (pré-socráticos) estavam tão ligados ao sensível que pensavam existir apenas coisas materiais . Postulavam um ou mais substratos (água, ar, terra, fogo...) eternos e indestrutíveis. O devir era visto como mudança acidental de uma mesma substância material originária.  Depois, vieram os filósofos que entenderam que a forma é ente, e é mais ente do que a matéria . A matéria passou a ser vista como potência, e o devir foi explicado como a passagem da potência para o ato, este último dado pela forma. Nesse sentido, o devir não foi visto necessariamente como simples acidente, mas sobretudo como mudança substancial, perda ou recebimento de uma forma. Esse estágio representa a vitória do inteligível sobre o simples sensível. A filosofia elevou-se da matéria à forma ou à substância (dada pela forma).  Em ambos esses estágios, o devir ocupa a ribalta, na medida em que sempre se pressupunha um nível

São João da Cruz, místico e doutor da Igreja

Memória: 14 de dezembro Viveu no século XVI. Com Santa Teresa de Jesus, empenhou-se pela reforma do Carmelo. Por isso foi incompreendido, perseguido e até encarcerado.  O que nele se destaca é a busca inquieta por Deus. Mas não se trata de uma busca qualquer. Muitos querem Deus, mas querem um Deus que transforme suas vidas em existências mais fáceis, com mais sucesso e mais reconhecimento. João da Cruz, não. Ele queria Deus mesmo, não os favores temporais de Deus. E estava consciente de que, ganhar a Deus, num mundo de pecado e com a natureza humana caída, não era coisa para preguiçosos. Desse modo, teria revelado a Jesus, numa aparição, o seu desejo: Patiar pro te - "Que eu saiba sofrer por ti!" Baseado na tradição da Igreja (soube assimilar também elementos vindos de fora) e na própria experiência, elaborou sua versão da ascensão mística:  Há duas noites na escalada da montanha da união com Deus: a noite ativa e a noite passiva. Noite é a metáfora escolhida para falar da a

Metafísica em pauta

A metafísica é ciência do ente enquanto tal e no seu todo. Enquanto as diversas ciências estudam o ente enquanto isto ou aquilo (o ente particularizado), a metafísica estuda o ente na sua dimensão mais universal, isto é, o ente enquanto tem ser, independente se ele seja isto ou aquilo.  O ser é que dá vida ao ente. A palavra ente , aliás, significa aquilo que é  ou aquilo que está sendo . O que faz com que o ente seja ou esteja sendo é o ser.  Depois de estabelecer o sentido do ser e tudo aquilo que lhe diz respeito, a metafísica se pergunta pela causa do ser. O ser que a metafísica considera é o ser do complexo humano- mundano — o ser dos entes do universo que conhecemos. Este ser terá uma causa? A reflexão metafísica dirá que sim . A causa do ser dos entes é o Ser subsistente , cujos atributos coincidem com os daquele que chamamos de Deus. Deus, assim, entra na metafísica, não como seu objeto, mas como causa do ser dos entes ( esse commune ), este, sim, objeto próprio da metafísica

Deus é o próprio Ser

"Ele é sem dúvida substância ou, se for melhor esta designação, essência, a que os gregos chamam ousía . [...] Com efeito, o que muda não conserva o próprio ser, e o que pode mudar, ainda que não mude, pode não ser o que fora e, por isso, só aquilo que não muda, mas também não pode mudar de maneira nenhuma, é o que se pode dizer, com toda verdade, ser" (S. Agostinho, De Trinitate , IV-3.4). ______ Nesse texto, Agostinho diz que, propriamente falando, só Deus merece o nome "substância", "essência", em suma, "ser". A razão disso é que Deus é estável, não muda. Ele não deixa de ser, é sempre o que é. Assim Agostinho interpreta as célebres palavras do Êxodo: "Ego sum qui sum" - "Eu sou aquele que sou" (Ex 3,14). Deus é o único que é em sentido forte porque é o único que permanece sempre o mesmo . Vemos que Agostinho liga-se a Platão, que considerava verdadeiramente ser  somente as ideias imutáveis de seu mundo inteligível. Ser =