Resumo da dissertação “As condições de possibilidade da metafísica segundo Padre Vaz”, de Elílio de Faria Matos Júnior. |
Objetivo da Dissertação
A dissertação busca demonstrar que a metafísica, entendida como ciência do ser e da transcendência, é possível segundo o pensamento do filósofo brasileiro Henrique Cláudio de Lima Vaz (Padre Vaz). Para isso, o autor analisa as condições de possibilidade da metafísica a partir de três vias principais:
1. A rememoração histórica da metafísica
2. A antropologia filosófica
3. A afirmação judicativa
A investigação parte da premissa de que a crise contemporânea de sentido e ética está diretamente relacionada ao abandono da metafísica na modernidade e que, ao recuperá-la, podemos encontrar respostas fundamentais para a condição humana e a realidade.
Capítulo I – A Via da Rememoração Histórica
1. A metafísica do esse e seus traços histórico-doutrinais
A primeira via de fundamentação da metafísica passa pela reconstrução histórica do pensamento metafísico ocidental, com ênfase na importância da metafísica tomista do esse (ato de existir). A tese central de Padre Vaz é que a metafísica clássica atingiu seu auge com Tomás de Aquino, cuja concepção do ser como ato de existir (esse) representou o nível mais profundo de inteligibilidade da realidade.
• A metafísica aristotélica enfatizava a substância (ousia) como a principal categoria do ser.
• Tomás de Aquino, influenciado pela tradição cristã e pela noção de criação, vai além e compreende o ser como ato (actus essendi), estabelecendo a distinção fundamental entre essência e existência nos entes finitos.
• A originalidade tomista, segundo Vaz, reside no fato de que o esse não é uma característica secundária do ente, mas o princípio radical de toda realidade.
2. A modernidade e a crise da metafísica
A modernidade filosófica, segundo Vaz, herdou a tarefa de pensar a existência, mas tomou um rumo oposto ao da metafísica tomista, transferindo o centro de inteligibilidade do ser para o sujeito finito. Esse movimento gerou consequências problemáticas:
• Duns Scot inaugura um entendimento unívoco do ente que terá consequências à revelia do próprio Scot. Deus entrará no horizonte do pensamento, submetido à noção de ente elaborada univocamente pela inteligência humana. Este passo é decisivo para o eclipse da transcendência. Para Tomás de Aquino, diferentemente, a noção de ente, análoga, não comportava Deus, mas Deus era visto como que de esguio como o Ser, causa do ente e da sua noção no espírito humano.
• Descartes inaugura uma nova perspectiva filosófica centrada no sujeito (cogito), onde o pensamento se torna o critério da realidade.
• Kant nega a possibilidade de um conhecimento metafísico objetivo, limitando o entendimento humano ao campo dos fenômenos.
• O idealismo alemão, com Hegel, busca uma síntese do absoluto, mas sua visão dialética não resgata plenamente a transcendência real do ser.
• A filosofia contemporânea, especialmente com Nietzsche e o niilismo, leva ao colapso da metafísica tradicional, substituindo-a por um mundo sem fundamentos transcendentes.
3. O juízo de Padre Vaz sobre a modernidade
Padre Vaz emite um juízo crítico sobre a modernidade, apontando que sua crise de sentido e sua crise ética derivam do eclipse da transcendência e da absolutização do sujeito finito. No entanto, ele não propõe um retorno ingênuo à metafísica tradicional, mas sim um diálogo renovado com a modernidade. Seu diagnóstico é que a metafísica precisa ser retomada para restaurar o horizonte da verdade e do bem, superando os limites do pensamento moderno.
Capítulo II – A Via da Antropologia Filosófica
A segunda via de fundamentação da metafísica é a análise do ser humano. Padre Vaz argumenta que a própria natureza humana exige a metafísica, pois o homem não pode ser compreendido apenas em termos biológicos, psicológicos ou sociológicos. Ele é um ser metafísico por excelência, cuja estrutura espiritual o orienta para a transcendência.
1. Espírito e transcendência
Vaz distingue dois níveis na realidade humana:
• Dimensão psicossomática: refere-se ao corpo e às interações naturais do homem com o mundo sensível e com os outros homens.
• Dimensão espiritual: manifesta-se no pensamento do ser, na liberdade e na busca pelo absoluto.
O ser humano não se esgota em suas relações com a natureza e com a sociedade. Sua identidade mais profunda está no fato de ser um ser-para-a-transcendência. Ele sempre busca um sentido maior que ultrapassa sua finitude.
2. O homem como animal metaphysicum
A metafísica não é uma construção artificial da filosofia, mas sim uma necessidade da própria razão humana. O homem se distingue dos outros seres vivos porque:
• Ele não apenas percebe a realidade, mas busca entender seu fundamento.
• Ele não apenas age, mas reflete sobre o sentido de suas ações.
• Ele não apenas vive no tempo, mas tem consciência de sua finitude e de sua abertura para o infinito.
Assim, segundo Vaz, negar a metafísica é um empobrecimento da própria compreensão do ser humano.
Capítulo III – A Via da Afirmação Judicativa
A terceira via de fundamentação da metafísica se dá pela análise do ato de juízo, ou seja, pela estrutura do próprio conhecimento humano.
1. A impossibilidade do ceticismo radical
Vaz argumenta que toda afirmação (aliquid est – algo é) já pressupõe a ordenação estrutural da inteligência para o ser. Isso refuta qualquer forma radical de ceticismo ou niilismo, pois:
• O pensamento humano não pode escapar da afirmação do ser.
• Mesmo a dúvida cética já pressupõe um mínimo de certeza (dubito, ergo sum).
• O juízo revela que o intelecto humano está essencialmente ordenado ao ser e à verdade.
2. A relação entre juízo e transcendência
Todo juízo verdadeiro, segundo Vaz, implica a abertura da inteligência para o ser em sua totalidade, e é uma antecipação do ser absoluto no ente conhecido. Isso significa que, ao conhecer qualquer realidade, o homem se refere, mesmo que implicitamente, ao absoluto do ser.
• O ser finito remete ao Ser absoluto: Todo ente que existe possui um ato de ser (actus essendi), mas não é o próprio Ser.
• A dialética entre ser como forma e ser como ato: Vaz articula elementos da metafísica tomista e da dialética hegeliana para mostrar que a inteligência humana atua sob a forma do ser absoluto, o que a remete ao ser como ato — da forma ao ato.
Esse caminho leva à conclusão de que o Absoluto (Ipsum Esse Subsistens, Deus) se torna o horizonte último da inteligência humana.
Conclusão
A dissertação conclui que a metafísica não apenas é possível, mas necessária para superar a crise contemporânea de sentido e ética. Vaz defende que o pensamento moderno, ao rejeitar a metafísica, perdeu sua capacidade de fundamentar valores objetivos e uma visão integrada da realidade. No entanto, ele não propõe um retorno ingênuo ao passado, mas uma renovação da metafísica em diálogo com a modernidade.
Principais contribuições da tese
1. A metafísica do esse de Tomás de Aquino deve ser resgatada como o nível mais profundo de inteligibilidade da realidade.
2. O homem é constitutivamente um ser metafísico e sua estrutura espiritual exige uma relação com a transcendência.
3. A afirmação judicativa do ser refuta o ceticismo e abre o caminho para a metafísica como ciência do absoluto.
4. A crise da modernidade resulta da negação da metafísica e só pode ser superada pelo retorno ao ser como fundamento último da inteligência e da existência.
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