Pular para o conteúdo principal

O Amor segundo Platão, Freud e Bento XVI

O amor é um dos temas centrais da filosofia, da psicanálise e da teologia, sendo interpretado de formas distintas ao longo da história. Vamos explorar como Platão, Freud e Bento XVI entendem o amor, destacando suas semelhanças e diferenças.


1. O Amor Segundo Platão: O Desejo pela Beleza e pelo Bem Supremo

Platão aborda o amor principalmente no Banquete (Simposion) e no Fedro, onde ele o concebe como um movimento da alma em direção ao Bem e à Beleza.

1.1. Eros como Desejo de Ascensão

Para Platão, o amor (eros) é uma força dinâmica que move a alma em direção ao divino. Ele não é apenas desejo físico, mas um caminho de elevação espiritual.

Esse processo é descrito na famosa Escada do Amor, apresentada por Diotima no Banquete:

1. Amor pelo corpo individual → A primeira forma de amor nasce da atração pelo belo físico.

2. Amor por todos os corpos belos → A mente percebe que a beleza não é exclusiva de um só corpo.

3. Amor pelas almas → O amante percebe que a beleza interior (virtude, sabedoria) é superior à beleza física.

4. Amor pelas leis e pela sabedoria → O desejo se transfere para ideias e princípios mais elevados.

5. Amor pelo Belo em si → No ápice, o amor se torna contemplação do Bem Supremo, transcendendo o desejo físico e humano.

1.2. O Amor como Falta e Plenitude

Para Platão, amar é desejar aquilo que nos falta. Se deseja o que ainda não tem, o amor resulta da falta, mas se é capaz de visualizar o que deseja, o amor resulta também da Plenitude. O amor é uma busca por algo maior, seja no prazer físico, no conhecimento ou na verdade absoluta.

O verdadeiro amor não se contenta com a materialidade.

Ele é um caminho ascendente, que começa no corpo e termina no intelecto e no divino.


2. O Amor Segundo Freud: Desejo e Pulsão Sexual

Freud, ao contrário de Platão, entende o amor de uma perspectiva psicanalítica, associando-o ao desejo e à libido. Em obras como Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade e Além do Princípio do Prazer, ele analisa o amor como um fenômeno profundamente ligado à psique humana.

2.1. O Amor como Pulsão e Libido

Para Freud, o amor é movido pela energia psíquica da libido, que se manifesta de diversas formas:

Amor erótico (Eros): Ligado ao desejo sexual e à atração física.

Amor sublimado: Quando a energia sexual é transformada em atividades criativas ou culturais.

Amor narcísico: Voltado para si mesmo, como na busca por autoestima e reconhecimento.

2.2. O Amor como Conflito entre Vida e Morte

Freud introduz a ideia de que duas forças fundamentais governam o psiquismo humano:

1. Eros (pulsão de vida) → Impulso criador, desejo de união e prazer.

2. Tânatos (pulsão de morte) → Impulso destrutivo, agressão e autodestruição.

O amor, segundo Freud, está sempre em tensão entre esses dois polos:

Ele pode ser construtivo, promovendo laços afetivos e sociais.

Mas também pode ser destrutivo, gerando ciúme, possessividade e ódio.

2.3. O Amor como Repetição do Passado

Freud também sugere que o amor muitas vezes repete padrões infantis. A maneira como fomos amados na infância influencia como amamos na vida adulta.

A busca por um parceiro muitas vezes envolve projeções inconscientes, tentando reviver relações com os pais.

O amor romântico pode esconder conflitos não resolvidos, levando a padrões de apego e sofrimento.


3. O Amor Segundo Bento XVI: Caridade e Comunhão com Deus

O Papa Bento XVI trata do amor na encíclica Deus Caritas Est (2005), onde ele diferencia dois tipos principais de amor:

1. Eros → O amor humano, ligado ao desejo e à atração.

2. Ágape → O amor divino, que é doação total e incondicional.

3.1. A União entre Eros e Ágape

Ao contrário de Platão, que vê o amor como movimento ascendente, e de Freud, que o vê como expressão da libido, Bento XVI afirma que:

O eros e o ágape não são opostos, mas complementares.

O desejo humano (eros) pode ser elevado pelo amor divino (ágape).

O amor verdadeiro não é apenas busca de prazer ou satisfação, mas doação de si ao outro. O primeiro grande Doador é Deus, cuja plenitude se derrama criando e redimindo a criação. 

3.2. Amor como Serviço e Doação

Para Bento XVI, o amor cristão deve ser ativo e concreto, manifestando-se em:

Atenção ao próximo → O amor ao outro é reflexo do amor a Deus.

Serviço → O verdadeiro amor cristão se expressa na ajuda aos necessitados.

União com Deus → O amor é a forma suprema de comunhão entre Deus e os homens.

3.3. O Amor como Imagem da Trindade

Na teologia cristã, o amor é mais do que um sentimento humano: ele é a essência de Deus. As relações entre Pai, Filho e Espírito Santo é um amor absoluto e infinito, que se manifesta no mundo através da criação e da redenção. 


Síntese Final

Para Platão, o amor é uma ascensão da alma rumo ao divino, superando o desejo carnal.

Para Freud, o amor é uma pulsão instintiva, que oscila entre desejo de vida e impulso de morte.

Para Bento XVI, o amor é a síntese entre eros e ágape, unindo desejo humano e amor divino em um só movimento de caridade.

Cada um desses pensadores aborda o amor a partir de uma perspectiva diferente: filosófica (Platão), psicológica (Freud) e teológica (Bento XVI). Apesar das diferenças, todos concordam que o amor é uma força essencial na existência humana, capaz de transformar o indivíduo e o mundo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cinzas: na testa ou na cabeça?

Dom Jerônimo Pereira, osb       Ontem à noite recebi a ligação de um amigo com o qual partilhei que, depois de 18 anos de ordenado presbítero, por causa da minha condição de monge, presidiria o rito das cinzas, nessa quarta-feira, pela segunda vez. Imediatamente ele me lançou a pergunta: “Dom, o sinal das cinzas é colocado na fronte ou na cabeça?” De fato, uma pesquisa rápida no Google, nos mostra ambas as formas. Mas, para se evitar qualquer distorção “ideológica” ou “romântica”, pergunta-se, não ao liturgista, mas ao rito, que tem autoridade máxima em matéria, como ensina a Igreja (cf. SC 48). Um pouco, mas muito pouco, de história      O uso das cinzas para indicar penitência não é puramente cristão. Era muito usado na Antiguidade por pagãos e judeus. Na cultura bíblica ele aparece com uma multiplicidade de significados. As primeiras comunidades cristãs acolheram esse gesto como símbolo da transitoriedade da vida humana e tomaram-no indicador de um ...

“A última palavra”, de Thomas Nagel

Eis aqui um resumo do livro de Thomas Nagel — A última palavra —, publicado no Brasil pela Editora Unesp (São Paulo, 2001).  Nagel defende a objetividade de base da razão e das operações do espírito humano, contestando com bons argumentos toda tendência que queira reduzi-los ao relativismo, ao subjetivismo e ao naturalismo. A razão só pode ser criticada pela própria razão, o que mostra que ela sempre tem a última palavra. Nagel faz ver o que os bons tomistas já sabem há muito: o espírito é constituído por uma relação estrutural com o ser, a verdade e o bem em seu alcance ilimitado, de modo que toda tentativa de negar essa estrutura, pressupõe-na.    1. Introdução  O texto introdutório de A última palavra , de Thomas Nagel, discute a questão da objetividade da razão em oposição ao relativismo e subjetivismo. Nagel argumenta que a razão, se existe, deve ser universal e não depender de perspectivas individuais ou sociais. Ele defende uma posição racionalista contra a...

Inteligência artificial e monopsiquismo

O artigo ( L'Intelligence Artificielle et le monopsychisme : Michel Serres, Averroès et Thomas d'Aquin ) de Fr. David Perrin, O.P. ( leia-o aqui ) examina as semelhanças entre a Inteligência Artificial (IA) e a concepção averroísta de um intelecto único e separado, destacando a questão central: o homem ainda pensa, ou apenas acessa um conhecimento externo, como se conectando a um princípio separado? 1. A metáfora da “cabeça decapitada” e a externalização do pensamento Michel Serres, no ensaio Petite Poucette, sugere que a revolução digital transformou a relação do homem com o saber. Ele compara essa mudança à lenda de São Denis, bispo de Paris, que, após ser decapitado, teria carregado sua própria cabeça. Para Serres, a informatização do conhecimento representa uma decapitação simbólica: o pensamento humano foi deslocado da mente para dispositivos externos (computadores, IA). Esses dispositivos armazenam e processam memória, imaginação e razão de maneira amplificada, criando um...