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Mostrando postagens de março, 2023

A Luz que acende a luz

Agostinho, além de filósofo e teólogo, foi místico.  Deus está na dimensão mais profunda (e mais alta) da alma. Trata-se daquela dimensão pela qual a alma pode ver o que vê.  Se a alma vê (a consciência é um campo de visão espiritual), ela só pode ver porque é iluminada por uma Luz. A alma tem luminosidade com a qual ilumina as coisas, concebendo ideias e palavras. Mas o fundamento desta luminosidade é a Luz inefável pela qual a luminosidade existe. A respeito das ideias transcendentais, a alma não as julga, mas é julgada por elas. Tais são as ideias, por exemplo, de harmonia, perfeição e, em última análise, as ideias de verdade e de ser, de máxima transcendentalidade. Tais ideias decorrem da Luz de que a alma não dispõe, Luz que, ao contrário, dispõe da alma. S. Agostinho se referia a esta Luz que acende a própria luminosidade da alma nestes termos: “Reconhece, portanto, o que é a suprema conveniência: não te dirijas para fora, regressa a ti mesmo; no homem interior habita a verdade;

Criação dinâmica

O homem antigo e medieval tinha uma visão do universo que era, em suma, estática. Atualmente, sabemos que o dinamismo ou a contínua transformação é a grande marca de tudo o que existe. Estrelas estão se formando agora, ao passo que outras estão se apagando. As galáxias se afastam umas das outras, e o universo se expande. Se se expande, era menos extenso no passado, o que permite aos cientistas calcular o tempo do início ou da grande explosão (Big Bang) que teria originado a dança cósmica de que hoje temos conhecimento: há cerca de 13,7 bilhões de anos, tudo o que hoje existe estaria concentrado num pequenino ponto. O próprio tempo tem a sua história, como disse o grande físico Stephen Hawking (1942-2018), pois que só começa a existir com a explosão inicial. O tempo não é sempre o mesmo, mas muda em entrelaçamento visceral com o espaço, que, por sua vez, não é o quadro vazio em que estão as coisas, mas algo que se curva ou se contorce. Por falar em tempo, o velho S. Agostinho já sabia

A prioridade do Sentido radical

  A Palavra é eterna; é Deus (cf. Jo 1,1). Acreditar em Deus significa reconhecer a prioridade do Sentido. A Palavra, que é Deus, é o Sentido ou a Razão originária. É a Luz verdadeira que ilumina todo homem (cf. Jo 1,9). Há quem acredite que o não-sentido seja prioritário ou que as trevas precedam a luz. O mundo teria vindo do caos ou da combinação de fatores meramente aleatórios. No entanto, quem sustenta a prioridade da desordem ou da pura casualidade, deve tirar a consequência de que a razão humana vem do não-racional, e a consciência, da não-consciência. Assim, o sentido que o homem consegue expressar viria do não-sentido radical. A palavra humana viria da absoluta não-palavra. Mas aqui se mostra uma incongruência: o caos, o não-sentido ou a não-razão inicial só podem ser explicados pela força da palavra e da razão, o que equivale a dizer que o não-sentido só se mostra como tal se é colocado no horizonte mais amplo do sentido, o que nos remete para a anterioridade radical do Sentid

E o fim do mundo?

"Porque a figura deste mundo passa" (1Cor 7,31). Que o mundo natural, tal como está hoje configurado, encontrará um fim, é uma verdade para a qual nos aponta a ciência. O nosso sistema solar teve início e terá um fim. Daqui a alguns bilhões de anos, o nosso Sol se transformará em uma gigante vermelha e simplesmente destruirá a Terra. No entanto, quando falamos do fim escatológico ou teológico, não estamos falando do fim segundo critérios meramente naturais ou científicos. Antes, estamos falando de uma meta — a meta do universo criado segundo Deus. O fim escatológico é a meta teológica da criação. Deus cria para salvar e para levar à plenitude a sua obra. Todo o universo receberá uma nova configuração de Deus. Muito já se especulou sobre quando se daria esse fim escatológico. Querer determinar o tempo do fim é pura perda de tempo, pois que o dia e a hora pertencem unicamente à ciência de Deus (cf. Mc 13,12; Mt 24,36; At 1,7). Muitos se fixam numa leitura fundamentalista da Bí

Sentidos da Escritura

A tradição nos ensina que se pode ler o texto bíblico para além do seu sentido imediato. Além do sentido literal ( sensus litteralis ), há o sentido espiritual ( sensus spiritualis ). O sentido espiritual desdobra-se, por sua vez, em sentido alegórico, moral e anagógico. O sentido literal não deve ser confundido com o sentido literalista, próprio das leituras fundamentalistas. O fundamentalismo bíblico não lê o texto no seu contexto, não se vale de boa exegese nem de mediação hermenêutica. Desconhece os gêneros literários e confunde muitas coisas, assumindo, às vezes, como histórico o que de fato não o é. Os onze primeiros capítulos da Bíblia, por exemplo, não tratam de historiografia. Na Bíblia há, sem dúvida, relatos de alcance verdadeiramente histórico, mas é preciso distinguir uma elaboração teológica (que é verdadeira no seu nível próprio) de um relato propriamente histórico. Muitas vezes também o texto bíblico traz um fundo histórico com elaboração teológica por cima. O sentido