No início do comentário ao Evangelho de João, S. Tomás de Aquino apresenta uma densa meditação sobre a contemplação de João Evangelista e sua relação com a teologia cristã, especialmente no que diz respeito à existência e natureza de Deus.
Resumo articulado do trecho sobre a existência de Deus
A existência de Deus é apresentada com base em quatro vias contemplativas, cada uma delas refletindo um aspecto da divindade e inspirando-se em diferentes tradições filosóficas:
1. A via da autoridade e do governo divino
• São Tomás argumenta que a ordem e a finalidade observáveis na natureza exigem um princípio diretor. Como os seres irracionais não podem se orientar por si mesmos para um fim, deve haver uma inteligência suprema que os governa.
• Essa soberania divina é expressa no termo Dominus (Senhor), e o salmista afirma: “Tu dominaris potestati maris” (Sl 88,10), ressaltando que Deus conduz toda a criação.
• João, ao escrever que “Veio para o que era seu” (Jo 1,11), confirma que toda a criação pertence a Deus, reforçando a concepção de um Criador e Governador supremo.
2. A via da eternidade e imutabilidade de Deus
• Observando o mundo, percebe-se que tudo o que existe é mutável. No entanto, quanto mais nobre algo é, menos mutável se torna:
• Os corpos inferiores mudam substancial e localmente.
• Os corpos celestes mudam apenas localmente. Obs.: este expediente argumentativo de S. Tomás caducou com a física aristotélica. No entanto, a argumentação pode valer-se de dados mais “espirituais”, como a relativa imutabilidade do fundo da alma e mesmo da matemática como aproximação da absoluta imutabilidade divina.
• O primeiro princípio de todas as coisas, sendo o mais elevado, deve ser imutável e eterno.
• A eternidade do Verbo é enfatizada em João 1,1: “In principio erat Verbum” (No princípio era o Verbo), e em Hebreus 13,8: “Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo para sempre.”
• O profeta Isaías, ao dizer “Vidi Dominum sedentem” (Vi o Senhor sentado), ressalta essa imutabilidade, pois “sentar-se” simboliza estabilidade e permanência.
3. A via da dignidade e da essência divina (inspirada nos platônicos)
• A tradição platônica ensina que aquilo que possui algo por participação deve se referir a algo que o possui essencialmente.
• Tudo o que existe participa do ser (esse), mas só Deus é ipsum esse per essentiam (o próprio Ser por sua essência).
• Por isso, Ele é a causa plena, digníssima e perfeitíssima de todo ser, e essa dignidade é simbolizada pelo “solium excelsum” (trono elevado), um conceito presente no pensamento de Dionísio Areopagita.
• João confirma essa verdade ao dizer: “Et Deus erat Verbum” (Jo 1,1), ou seja, o Verbo não apenas estava com Deus, mas era Deus em sua própria substância.
4. A via da incompreensibilidade da verdade divina
• O intelecto humano pode compreender verdades finitas, mas Deus, sendo a Verdade suprema, é infinito e, portanto, incompreensível.
• Santo Agostinho observa que tudo o que se sabe está delimitado pela compreensão do conhecedor, e se é delimitado, não é infinito. Logo, Deus, como verdade suprema, transcende toda inteligência criada.
• Essa incompreensibilidade é simbolizada pela frase “et elevatum” (e elevado), indicando que Deus está acima de toda capacidade cognitiva criada.
• João expressa essa realidade ao afirmar: “Deum nemo vidit unquam” (Jo 1,18 – Ninguém jamais viu a Deus), enfatizando a transcendência absoluta da divindade.
Conclusão
São Tomás estrutura sua argumentação sobre a existência de Deus associando a contemplação de João às grandes vias filosóficas e teológicas. João não apenas vê Deus, mas O contempla em Sua autoridade, eternidade, dignidade e mistério incompreensível. Ele nos transmite essa visão em seu Evangelho, onde afirma que:
• Deus governa todas as coisas.
• Deus é eterno e imutável.
• Deus é o próprio Ser absoluto.
• Deus é infinitamente superior à compreensão humana.
Assim, o Evangelho de João não só confirma a divindade de Cristo, mas também refuta heresias que negavam sua natureza divina. Por isso, seu Evangelho é considerado o mais elevado, amplo e perfeito entre os relatos evangélicos, pois conduz o leitor à mais sublime contemplação da divindade.
João revela a face de Deus "São Tomás confirmando na contemplação 🎑🙌🏻🙌🏻
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