Étienne Gilson (1884-1978) foi um dos mais importantes historiadores da filosofia medieval e um grande defensor do realismo tomista, especialmente na sua interpretação da metafísica de Santo Tomás de Aquino. Sua contribuição é notável por vários motivos:
1. Redescoberta da Metafísica Tomista
No século XIX e início do século XX, o pensamento de Santo Tomás era muitas vezes reduzido a um essencialismo aristotélico ou a uma teologia sistemática, sem a devida ênfase em sua metafísica do ser (esse). Gilson foi um dos responsáveis por recuperar e enfatizar a originalidade de Tomás, destacando que:
• A metafísica tomista não é apenas um estudo da essência das coisas, mas principalmente uma investigação sobre o ser como ato (actus essendi).
• Tomás de Aquino supera Aristóteles, pois enquanto Aristóteles se concentrava no “ente enwuabro ente” (ens qua ens), Tomás identificava o “ser” (esse) como o princípio mais profundo da realidade.
Essa interpretação levou Gilson a cunhar a expressão “existencialismo tomista”, para diferenciar o pensamento de Tomás do essencialismo medieval e do racionalismo moderno.
2. Defesa do Realismo Filosófico
Gilson foi um forte crítico das filosofias idealistas e racionalistas modernas, como as de Descartes, Kant e Hegel, que ele via como desvios do realismo clássico. Ele argumentava que:
• A metafísica genuína deve começar na realidade do ser, não em construções mentais.
• Contra o cartesianismo, o ser não é apenas um conceito, mas um ato real que fundamenta a existência das coisas.
• Contra Kant, a metafísica não é uma ilusão, mas a ciência do ser real.
Seu realismo filosófico foi crucial para o renascimento do tomismo no século XX, ajudando a combater o subjetivismo da filosofia moderna.
3. Crítica ao “Tomismo Essencialista”
Gilson também criticou algumas escolas neoescolásticas que enfatizavam apenas a essência na metafísica tomista. Para ele, esse tipo de interpretação reduzia Tomás a uma versão aristotélica tardia e ignorava sua maior inovação: a distinção entre ser (esse) e essência (essentia), onde o ser é ato e fundamento da existência.
• Ele rejeitava interpretações que viam o tomismo como um sistema meramente lógico e dedutivo, pois acreditava que a metafísica de Tomás era existencial e dinâmica, focada na realidade concreta do ser.
4. Influência no Pensamento Contemporâneo
A obra de Gilson influenciou profundamente o estudo da metafísica e da filosofia medieval, tanto na tradição católica quanto em círculos acadêmicos mais amplos:
• Seu livro O Ser e a Essência ajudou a redefinir o estudo da metafísica tomista.
• Ele inspirou pensadores como Jacques Maritain, que também defendeu um tomismo existencialista.
• Foi um dos grandes responsáveis pelo ressurgimento da metafísica cristã no século XX, ajudando a resgatar o tomismo da marginalização filosófica.
5. Oposição ao Positivismo e ao Historicismo
Gilson também se posicionou contra a tendência positivista e historicista que via a metafísica como uma etapa superada do pensamento humano. Ele argumentava que:
• A metafísica é inevitável: qualquer investigação sobre a realidade pressupõe uma compreensão do ser.
• O historicismo não pode anular a verdade metafísica: mesmo que as ideias mudem ao longo do tempo, a questão do ser permanece fundamental.
• O positivismo é autocontraditório, pois rejeita a metafísica sem perceber que essa própria rejeição implica uma visão metafísica da realidade.
Conclusão
Étienne Gilson desempenhou um papel essencial na recuperação da metafísica tomista e na defesa do realismo filosófico contra o idealismo moderno. Seu legado reside na ênfase de que a metafísica não é apenas um estudo abstrato das essências, mas uma investigação sobre o ser como ato, tendo Deus como fundamento último da existência. Seu trabalho continua sendo referência fundamental para qualquer estudo sério sobre a metafísica de Santo Tomás e sua relevância na filosofia contemporânea.
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