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Mostrando postagens de agosto, 2019

Último lugar

É fácil compreender porque Jesus pediu que se evitasse cobiçar os primeiros lugares e que ninguém os ocupasse sem o convite do dono da festa (cf. Lc 14). A cobiça por cargos no mundo — e até mesmo na Igreja — é a causa principal de desavenças, conluios, puxa-saquismo, fofocas, injustiças e tudo o mais que não presta. A disputa pelos primeiros lugares sempre causa divisão e feridas. Por outro lado, ninguém vai causar nada de mal se buscar o último lugar. O último lugar não é disputado. O discípulo de Jesus o escolherá por amor e por entender que há um modo alternativo de convivência. O cristão é chamado a viver de modo diferente, e, nessa diferença, construir a paz em meio a um mundo que promove a divisão. Só se for chamado por alguém superior ou pelo povo é que o discípulo aceitará um lugar de destaque. Mas tal aceitação se fará por espírito de serviço, não por ambição. Deve-se também parar de elogiar os que ocupam cargos de destaque só porque ocupam esses cargos. Esses elog

Sabedoria e piedade

Enquanto tomo um café, escrevo: Agostinho, logo quando da sua conversão à fé católica em 386 d.C., retira-se com amigos em um sítio de Cassicíaco, que lhe fora cedido pelo amigo Verecúndio, nas proximidades de Milão. Aí escreve diálogos filosóficos. A filosofia, para Agostinho, é instrumento de união com a divindade. A influência do neoplatonismo se faz sentir. A inteligência fulgurante do recém-convertido deseja como nunca a Deus e acredita poder possuí-lo já nesta vida. Procura a Deus na sabedoria ( sapientia ). Mais tarde se dará conta de que a divindade é inapreensível nesta vida e a piedade ( pietas ) é mais profícua do que a sabedoria filosófica para a união com Deus, piedade que se mostra na contemplação do mistério da encarnação e da cruz, “lugares” onde Deus mesmo se humilhou, confundindo a inteligência dos sábios. Com o passar do tempo, o que era próprio do cristianismo se acentua cada vez mais na espiritualidade de Agostinho; na mesma medida, a influência do neoplatonismo

Eucaristia: sacrifício da Igreja?

Elílio de Faria Matos Júnior Como a Eucaristia pode ser entendida como sacrifício da Igreja? Evidentemente, por si só a Igreja não tem nada de valioso a oferecer a Deus. Por si só, pois, a Igreja não pode oferecer a Deus um sacrifício agradável. O sacrifício perfeito, agradável a Deus, que, inclusive, substituiu todos os sacrifícios antigos, levando-os à perfeição, é o sacrifício de Cristo. E o sacrifício de Cristo consistiu na sua autoentrega contínua, que alcançou seu ápice na autoentrega da Cruz. O sacrifício de Cristo foi um sacrifício existencial, de oferecimento da própria vida à vontade do Pai. Jesus, entretanto, deixou um sinal sacramental do seu sacrifício único e perfeito. Na sua última ceia com os discípulos, quando estava para ser entregue, ele tomou o pão e o último cálice e disse que eram o seu corpo doado e o seu sangue derramado. A Igreja guardou no coração os gestos dessa última ceia e entendeu que devia repeti-los para fazer memória ( anamnese ) de Jesu

Sobre os sacramentos - Mystérion, mystéria, sacramentum, sacramenta

Pontos histórico-teológicos importantes  Mystérion, mystéria, sacramentum, sacramenta  - O termo sacramento vem do latim sacramentum , que, por sua vez, é a tradução do grego mystérion . Mystéria é o plural de mystérion , assim como sacramenta é o plural de sacramentum .    - No uso pagão, mystérion é usado para referir-se a ensinamentos filosóficos que elevam o iniciado à suprema realidade ou a práticas cultuais ou representações sagradas que colocam o iniciado no âmbito da divindade (por exemplo, no culto de Ísis, Mitra ou Osiris). A raíz grega do vocábulo mysterion é myein , que significa fechar a boca, calar-se .  --Veja-se que em Elêusis, cidade da Grécia antiga, celebrava-se o culto de Deméter. Coré (grão de trigo), raptada por Plutão, desce ao mundo inferior (semeadura), e sua mãe Deméter, desesperada, corre à procura da filha destruindo tudo por onde passa (inverno). O deus Hélio (sol) sai ao encontro de Deméter para ajudá-la (primavera) e Coré volta

Três papas diversos, uma só fé

Elílio de Faria Matos Júnior Fui criado sob o pontificado de S. João Paulo II. Vejo hoje que fui muito influenciado por ele, conservador “ad intra” e progressista “ad extra”. Sua preocupação maior era salvaguardar a tradição moral - sexual e bioética - da Igreja diante de um mundo que se sentia atraído por novas liberdades. Lutou também contra tendências que considerava destrutivas na Igreja, como uma certa interpretação do Vaticano II e uma certa reinterpretação da fé por novas teologias. Publicou o que se pode chamar de “Magna Charta” sobre o amor que a Igreja nutre pela razão como colaboradora da fé - a encíclica “Fides et Ratio”. A “teologia do corpo” foi cultivada e incentivada por ele. No seu último livro de memórias, ele que vivera o horror do Nazismo e do Comunismo, chamou a atenção para a filosofia de S. Tomás como aquela que nos dá a luz para saber distinguir o bem do mal. No campo social, João Paulo II não deixou de conclamar os governos à justiça, pois a paz depende dela.

Que é analogia?

Elílio de Faria Matos Júnior Tomás de Aquino não elaborou uma doutrina sistemática da analogia, embora esta esteja no centro da sua metafísica. Sabe-se que o termo análogo realiza-se em realidades diversas por essência de uma maneira semelhante e dissemelhante ao mesmo tempo, isto é, o terno análogo se predica de realidades essencialmente diferentes, mas que guardam certa semelhança ou afinidade entre si. Segundo bons tomistas, podemos tirar dos escritos em que o Santo Doutor fala da analogia — e são muitos — a seguinte enumeração dos tipos de analogia (considere-se que a noção mesma de analogia é analógica): 1) Analogia de atribuição , em que há o ‘analogatum princeps’ (o primeiro analogado). A noção análoga em questão realiza-se principal ou perfeitamente só no ‘analogatum princeps’; nas demais essências ou nos demais analogados, a noção se predica imperfeitamente. A analogia de atribuição divide-se em analogia de atribuição intrínseca e analogia de atribuição extrínseca. a)

Arqueologia bíblica

Elílio de Faria Matos Júnior Estudos de arqueologia bíblica mais recentes mostram: - Não terá havido um êxodo do Egito de 600 mil homens hebreus com suas famílias - um total de 2 milhões de pessoas. Um número tão elevado de pessoas não se conteria no deserto do Sinai e sua saída causaria uma verdadeira convulsão social no Egito. Ademais, não consta nenhum registro histórico de uma fuga assim. Ainda: o êxodo, se tivesse acontecido, ter-se-ia dado no século XII/XIII a.C.; mas os relatos só foram colocados por escrito bem mais tarde, no séc. IV/V a.C. Deve-se observar ainda que há várias tradições que se amalgamaram na redação final do texto bíblico: sobre o travessia das águas, por exemplo, há um relato que fala da abertura miraculosa do Mar Vermelho e outra que fala de uma travessia menos portentosa, favorecida pelo vento, no Mar dos Juncos. - A conquista violenta da terra de Canaã com a destruição de cidades seria uma lenda sem fundamento histórico. Por ocasião da presunta chega

De re biblica

Elílio de Faria Matos Júnior Uma das mudanças mais impactantes que o cristianismo católico sofreu no século XX esteve relacionada à aceitação de uma nova maneira de ler e interpretar a Bíblia. Essa mudança do não foi mais evidente porque não chegou ao povo em geral, restringindo-se a especialistas e a quem se tem mostrado mais curioso ou investigativo. O documento que assinala a novidade é a encíclica de Pio XII — Divino Afflante Spiritu , de 1943. Os protestantes liberais, desde o século XVIII, já haviam tomado a Bíblia como um texto antigo aplicando-lhe o instrumental “profano” de análise que era usado para textos antigos similares. Aliás, já Espinosa, no século XVII, voltara sua atenção para o que poderíamos chamar de “aspecto humano” da Bíblia. A Igreja católica, por causa da veneranda doutrina da inspiração e infalibilidade da Bíblia, mostrou-se receosa em relação aos novos modos de abordagem dos textos sagrados. A Bíblia não é Palavra de Deus? Como então aplicar à Palav