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O ser como ato e a essência

O ser como ato ( actus essendi ) traz em si a inteligibilidade (essência) e a efetividade (a enérgeia suprema) numa unidade superior à da mera inteligibilidade (essência). Se a essência é o ato da matéria, o ato de ser é o ato da essência. S. Tomás do que o ato de ser é a perfeição das perfeições, o ato de todos os atos. O ato de ser é outro, mas não é totalmente outro em relação à essência, como se fosse a mera existência em sua diversidade da essência. Ele é um outro (metafísico) em relação à mera inteligibilidade da essência, mas não à inteligibilidade da essência como tal . O ato de ser é o coroamento da essência. Se a essência é a mera inteligibilidade, o ato de ser é a efetividade que suprassume a inteligibilidade ou a inteligibilidade suprassumida pela efetividade. O ser como ato é a essência efetivada ou dotada do ato que a faz ser efetivamente.  Fabro usa o conceito de “emergência” para falar do ato de ser. O ato de ser emerge sobre a inteligibilidade, não a negando, nem se
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Metafísica e metáfora

Suponhamos que exista um filósofo que atingiu um conhecimento insuperável. Ninguém pode ultrapassá-lo. Ele comunica o seu conhecimento aos discípulos, que, por não poderem receber todo o saber do mestre, recebem parte dele.  Ora, ao comunicar o conhecimento, o mestre insuperável não perdeu nada do que tinha, pois o conhecimento não tem partes físicas.  Ao receber o conhecimento, os discípulos não aumentaram em nada a soma do conhecimento total, pois o conhecimento do mestre mais o conhecimento dos discípulos não são mais do que o conhecimento insuperável do mestre.  Cada discípulo recebeu o conhecimento do mestre segundo a sua capacidade.  Esta é uma boa metáfora para falar da metafísica de S. Tomás.  O Ser, que é Deus, não pode receber acréscimo, pois é o Ser em plenitude. Ao criar o mundo, ele comunica o ser aos entes, que, por não poderem receber todo o ser, recebem parte dele. Os entes participam do Ser.  Ora, ao comunicar o ser, o Ser não perde nada se seu ser, pois o Ser não tem

Trindade divina: uma só realidade em três modos de subsistência

 Por sugestão de um amigo, que me pedia uma ilustração sobre o mistério da Trindade em Deus, escrevo o seguinte texto:  O último pensamento de S. Tomás sobre a Trindade em Deus está muito próximo do que foi defendido por K. Rahner no século XX.  Rahner defendeu que em Deus há três modos de subsistência . Alguns o querem acusar de modalismo, mas, a meu ver, sem razão.  O modalismo não defende a subsistência dos modos distintos, mas modos sem subsistência, modos econômicos, por assim dizer temporais, em relação a nós. Deus seria chamado de Pai, Filho e Espírito porque se teria mostrado como Pai, Filho e Espírito na história, para nós, mas em si mesmo seria simplesmente Deus. O modalismo tira a trindade da essência eterna de Deus.   O entendimento de Rahner é bem outro. Os modos em Deus são subsistentes, constitutivos da essência divina. E, assim, existem na eternidade de Deus. Subsistem na sua distinção e mútua relação. São o próprio Deus.  Rahner ressalta sobretudo a unidade e a unicida

Poderão todos ser salvos?

Purgatório: estado de purificação  Acredito na possibilidade de que todos se salvem, e espero por isso. A Igreja reza nesta intenção em seus livros oficiais. A salvação universal não é um dogma, mas uma esperança bem provável. Aliás, a vontade de que todos se salvem é primeiramente de Deus: “Ele deseja que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4).  É certo que a Igreja definiu que quem morre em pecado mortal vai ao inferno. Isso é uma verdade. No entanto, a Igreja não definiu nem pode definir que alguma pessoa concreta tenha morrido ou vá morrer em pecado verdadeiramente mortal ( de internis neque ecclesia ).  Nem sempre um erro grave (ponto de vista objetivo/pecado material) é um pecado mortal (ponto de vista subjetivo/pecado formal), que separa a nossa vida da Vida. Aquilo que entendo por pecado verdadeiramente mortal é uma atitude ou atos pelos quais nos modificamos voluntariamente no núcleo de nossa personalidade no sentido de fecharmo-nos em nós mesmo,

A teologia precisa renovar-se

A teologia: Divinarum rerum notitia   A teologia precisa renovar-se. Se o homem de hoje, ameaçado pelo niilismo, tem sede de algo, podemos dizer que tem sede de algo que vá além da vida simplesmente temporal. Ele não conseguiu satisfazer-se, como desejava, com as liberdades modernas, com o progresso material, com o socialismo, com o capitalismo, com a democracia… O homem prometeu muito a si mesmo e hoje colhe o fruto amargo da insatisfação. O progresso não produziu a justiça esperada para o mundo e a liberdade das antigas prisões não lhe alcançou a maturidade. O homem se sente escravo porque pensa não poder agarrar a felicidade que, desde o fundo da alma, almeja. Tantos desatinos que o homem realiza podem lançar raízes no desejo irrealizado do Absoluto desconhecido. Mesmo no campo religioso, temos fanatismo, mesquinharias, superstições e crendices que não levam a nada.  A teologia não pode isentar-se nesta hora delicada. O seu tema é Deus, o Absoluto. Mas a teologia precisa renovar-se.

Algo existe desde sempre

Se algo existe — e algo existe! —, então Algo  existe desde sempre.  Se notamos a existência de alguma coisa, essa existência não pode ter vindo do nada, pois o nada não existe . Ou ela existe desde sempre (aí então ela seria Algo eterno) ou vem de Algo que existe desde sempre. Mas o que deve existir desde sempre? O temporal, o móvel, o limitado? Digo que não. O temporal, o móvel e o limitado, se existisse desde sempre, seria o absoluto. E assim o absoluto teria de confinar com o nada: pois o temporal um dia era nada e um dia poderá vir a ser nada; o móvel vem do nada de si e volta ao nada de si; e o limitado tem confins com o nada, pois não é tudo. Mas o nada não existe. Não pode existir! Então aquele Algo que deve existir desde sempre é o eterno, o imóvel e o pleno. Só este Algo (que não é um algo qualquer entre os outros) pode ser o absoluto, pois que só ele exorciza o nada, que não existe, nunca existiu e nunca existirá. Só Algo eterno, imóvel e pleno (o Ser ) pode ser o seio

Física, filosofia e teologia

Hoje até físicos estão apontando para uma Realidade irredutível à matéria (partículas e energia). Heinrich Päs, catedrático de física na Alemanha, por exemplo, fala do Uno, uma idea da filosofia antiga que, segundo ele, contém o futuro da física (cf. o seu livro The One: How an Ancient Idea Holds the Future of Physics , 2023). Federico Faggin, cientista italiano de renome internacional em virtude de sua contribuição para a realização dos microprocessadores, defende com vigor a irredutibilidade da consciência ao cérebro (cf. o seu livro Irreducible: Consciousness, Life, Computers, and Human Nature, 2024). Tanto Päs quanto Faggin assumem estas posições em nome das implicações que veem no seu objeto de estudo: a física. Faggin era decididamente materialista, e depois se sentiu forçado a mudar de posição.  Pensava-se até bem pouco tempo atrás que o materialismo impor-se-ia, destronando qualquer tipo de metafísica e religião, qualquer aceno a um “além da matéria”. Mas hoje é o materialismo