Pular para o conteúdo principal

A teologia precisa renovar-se


A teologia: Divinarum rerum notitia 

A teologia precisa renovar-se. Se o homem de hoje, ameaçado pelo niilismo, tem sede de algo, podemos dizer que tem sede de algo que vá além da vida simplesmente temporal. Ele não conseguiu satisfazer-se, como desejava, com as liberdades modernas, com o progresso material, com o socialismo, com o capitalismo, com a democracia… O homem prometeu muito a si mesmo e hoje colhe o fruto amargo da insatisfação. O progresso não produziu a justiça esperada para o mundo e a liberdade das antigas prisões não lhe alcançou a maturidade. O homem se sente escravo porque pensa não poder agarrar a felicidade que, desde o fundo da alma, almeja. Tantos desatinos que o homem realiza podem lançar raízes no desejo irrealizado do Absoluto desconhecido. Mesmo no campo religioso, temos fanatismo, mesquinharias, superstições e crendices que não levam a nada. 

A teologia não pode isentar-se nesta hora delicada. O seu tema é Deus, o Absoluto. Mas a teologia precisa renovar-se. A meu ver, a teologia deve ser sobretudo mística — introdução ou facilitação do caminho místico, que cada homem deverá percorrer de modo intransferível. Trata-se da viagem da alma. Quando me refiro à mística, não quero indicar o seu significado popular, que se confunde com visões, êxtases, psiquismo alterado etc. Mística aqui significa a união inefável e saborosa com o Absoluto. 

A teologia falou demais sobre coisas, entes, situações… A figura de Deus na boca e na escrita de muitos cristãos quase foi reduzida a um ídolo. A Bíblia foi, não raro, tomada como um livro de oráculos, sem que se desse conta de que é sobretudo um livro de testemunho de fé. A teologia falou muito sobre os dogmas, mas quase se esqueceu de que as formulações dogmáticas não apontam para si mesmas, mas para o Mistério que querem indicar. A apologética quase deixou de lembrar que a contemplação e a caridade valem mais do que as disputas. Na modernidade, muitos manuais de teologia moral apresentavam preponderantemente uma moral de corte legalista, individualista e casuística. A renovação da teologia no século XX mudou perspectivas e desenvolveu importantes reflexões, mas continuou priorizando em geral o limitado: o homem, o anúncio, a hermenêutica, a práxis, as teologias “de”… 

Nesse sentido, Heidegger tem sua parcela de razão em sua crítica à onto-teologia. Não obstante, alguns teólogos, como Rahner, insistiram na mística do Absoluto. Rahner dizia que os dons criados de Deus não são a meta, mas deveriam ser lidos como sinais do Dom incriado, este sim a verdadeira meta da vida cristã. 

Não quero de modo algum condenar a teologia em sua história por suas limitações. O caminho percorrido apresentou grandes e memoráveis luzes ao lado de sombras. Devemos também saber que toda expressão humana é limitada de alguma maneira. 

Como quer que seja, vejo que hoje a teologia precisa de mística, no sentido de que há uma abertura infinita no espírito humano que só pode ser preenchida pelo contato experiencial com o Absoluto. É o Absoluto que se nos dá, e nós precisamos achar-nos em uma postura de consciente notícia do Absoluto e da sua graça. Só assim o homem se transforma. A proclamada ressurreição de Cristo, fundamento da fé cristã, é um evento de caráter místico, pois que ultrapassa a vida no tempo e faz a humanidade entrar na Realidade eterna. Jesus em sua vida terrestre nutria-se constantemente de sua união inefável com o Pai. 

Dionísio Areopagita, S. João da Cruz e tantos outros místicos, antigos, modernos e atuais, deveriam ser nossos mestres. À luz da teologia mística como penso, a letra, o ensinamento e o testemunho deles são a escada que nos ajuda a transpor o muro, sendo que o principal é a transposição mesma do muro, que, uma fez feita, dispensará a escada por aceder à planície da Verdade, da Luz e da Bem-aventurança, capaz de transformar radicalmente nossa visão e ação no mundo.

Comentários

  1. Maravilhoso em um tempo em que a verdade destorcida para impor com o poder,os místicos são a verdadeira luz a nos guiar neste mundo conturbado rumo a certeza do poder maior "Deus.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Missas da Novena de Santo Antônio em Ewbank da Câmara

As Missas com a Novena de Santo Antônio de Ewbank da Câmara (MG) começam no dia 4 de junho (sábado), às 19h, na matriz de Santo Antônio. Publicamos, dia por dia, para as equipes de liturgia e o povo em geral, os textos do comentário, as preces e o fato da vida de Santo Antônio com a respectiva oração do dia da novena. MISSA DO 1° DIA DA NOVENA - 4 de junho às 19h COMENTÁRIO INICIAL Com.: Com alegria, acolhemos a todos para esta Santa Missa, na qual celebramos o mistério da Ascensão do Senhor. Ao subir aos céus, Jesus nos mostra que estamos a caminho da casa do Pai. Não temos aqui morada permanente. Mas é certo que devemos viver bem aqui neste mundo, fazendo a vontade de Deus, para passarmos para a Casa do Pai com paz e tranquilidade. Hoje, celebramos também o 1° dia da novena de nosso padroeiro Santo Antônio, cujo tema é a “Vocação de Antônio”. Foi porque ele ouviu a voz de Deus em sua vida que se tornou santo, seguindo os passos de Jesus até o céu. Cantemos para acolher o celeb...

Absoluto real versus pseudo-absolutos

. Padre Elílio de Faria Matos Júnior  "Como pensar o homem pós-metafísico em face da exigência racional do pensamento do Absoluto? A primeira e mais radical resposta a essa questão decisiva, sempre retomada e reinventada nas vicissitudes da modernidade, consiste em considerá-la sem sentido e em exorcisar o espectro do Absoluto de todos os horizontes da cultura. Mas essa solução exige um alto preço filosófico, pois a razão, cuja ordenação constitutiva ao Absoluto se manifesta já na primeira e inevitável afirmação do ser , se não se lança na busca do Absoluto real ou se se vê tolhida no seu exercício metafísico, passa a engendrar necessariamente essa procissão de pseudo-absolutos que povoam o horizonte do homem moderno" (LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de filosofia III. Filosofia e cultura. São Paulo: Loyola, 1997). Padre Vaz, acertadamente, exprime a insustentabilidade do projeto moderno, na medida em que a modernidade quer livrar-se do Absoluto real, fazendo refluir...

Ponderações sobre o modo de dar ou receber a sagrada comunhão eucarística

Ao receber na mão o Corpo de Cristo, deve-se estender a palma da mão, e não pegar o sagrado Corpo com a ponta dos dedos.  1) Há quem acuse de arqueologismo litúrgico a atual praxe eclesial de dar ou receber a comunhão eucarística na mão. Ora, deve-se observar o seguinte: cada época tem suas circunstâncias e sensibilidades. Nos primeiros séculos, a praxe geral era distribuir a Eucaristia na mão. Temos testemunhos, nesse sentido, de Tertuliano, do Papa Cornélio, de S. Cipriano, de S. Cirilo de Jerusalém, de Teodoro de Mopsuéstia, de S. Agostinho, de S. Cesário de Arles (este falava de um véu branco que se devia estender sobre a palma da mão para receber o Corpo de Cristo). A praxe de dar a comunhão na boca passou a vigorar bem mais tarde. Do  concílio de Ruão (França, 878), temos a norma: “A nenhum homem leigo e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre na boca” ( cân . 2).  Certamente uma tendência de restringir a comunhão na mão começa j...