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Poderão todos ser salvos?

Purgatório: estado de purificação 

Acredito na possibilidade de que todos se salvem, e espero por isso. A Igreja reza nesta intenção em seus livros oficiais. A salvação universal não é um dogma, mas uma esperança bem provável. Aliás, a vontade de que todos se salvem é primeiramente de Deus: “Ele deseja que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4). 

É certo que a Igreja definiu que quem morre em pecado mortal vai ao inferno. Isso é uma verdade. No entanto, a Igreja não definiu nem pode definir que alguma pessoa concreta tenha morrido ou vá morrer em pecado verdadeiramente mortal (de internis neque ecclesia). 

Nem sempre um erro grave (ponto de vista objetivo/pecado material) é um pecado mortal (ponto de vista subjetivo/pecado formal), que separa a nossa vida da Vida. Aquilo que entendo por pecado verdadeiramente mortal é uma atitude ou atos pelos quais nos modificamos voluntariamente no núcleo de nossa personalidade no sentido de fecharmo-nos em nós mesmo, cortando a relação justa e amorosa com a Fonte do nosso ser e com as criaturas das quais somos irmãos. 

Os homens são muito mais condicionados do que muitas vezes pensamos.  Só um fechamento absoluto a Deus poderia levar ao inferno — que não pode ser pensado como um lugar que Deus tenha criado para punir as pessoas (isso faria de Deus um carrasco, o que é absurdo). O inferno só poderia ser pensado como consequência trágica no homem de seu fechamento total a Deus. Mas como os homens são limitados e condicionados, penso que um fechamento total ao Sumo Bem seja difícil de se dar concretamente. E não sabemos o que se passa no momento da morte. Alguns teólogos lançam a hipótese, bastante verosímil, de que Deus oferece uma última chance, com clareza suficiente, para quem morre. 

As passagens bíblicas que usam de linguagem plástica e popular para falar do inferno devem ser tomadas como advertência séria sobre como se pode terminar uma vida: na tragédia da separação de Deus. Os pecados acumulados podem chegar a endurecer o coração e turvar a inteligência. 

De fato, não temos licença para pecar. O pecado sempre diminui a vida, causa sofrimentos e impede o desenvolvimento das potencialidades. Por outro lado, amar intensamente o Sumo Bem nesta vida é fonte de paz, alegria e crescimento humano e espiritual. 

Creio que quem morre parcialmente aberto a Deus tenha a chance de optar por Deus e passar pela purificação necessária (purgatório). A purificação será mais ou menos longa e dolorosa a depender do grau de abertura ou de fechamento, de humildade ou de soberba, de altruísmo ou de egoísmo. 

Só o fechamento total a Deus traria a consequência do inferno, mas vejo que esse fechamento total é difícil de se dar concretamente. O fechamento total é a soberba em seu grau máximo, a vontade firme e resoluta de afastar-se de Deus, que é Amor. 

Abaixo reportamos um texto de Bento XVI em sua Carta encíclica Spe salvi (46), em que o Santo Padre acredita que em geral perdura na maioria dos homens que deixam este mundo uma abertura derradeira, última, através da qual Deus trabalhará para salvá-los. Essa abertura, ainda que mínima, é o sinal de que o homem não está totalmente fechado para Deus e ainda é capaz de salvação. Esta posição é um grande avanço em textos oficiais, pois reconhece que um total fechamento não é o caso normal dos homens. Veja-se: 

“Na maioria dos homens – como podemos supor – perdura no mais profundo da sua essência uma derradeira abertura interior para a verdade, para o amor, para Deus. Nas opções concretas da vida, porém, aquela é sepultada sob repetidos compromissos com o mal: muita sujeira cobre a pureza, da qual, contudo, permanece a sede e que, apesar de tudo, ressurge sempre de toda a abjecção e continua presente na alma. O que acontece a tais indivíduos quando comparecem diante do Juiz? Será que todas as coisas imundas que acumularam na sua vida se tornarão de repente irrelevantes? Ou acontecerá algo de diverso? São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, dá-nos uma ideia da distinta repercussão do juízo de Deus sobre o homem, conforme as suas condições. Fá-lo com imagens que, de alguma forma, querem exprimir o invisível, mas sem as podermos transformar em conceitos, pelo simples motivo de que não nos é possível entrever o mundo além da morte nem possuímos qualquer experiência dele. Acerca da existência cristã, Paulo afirma antes de mais que está construída sobre um fundamento comum: Jesus Cristo. Este fundamento resiste. Se nele permanecermos firmes e sobre ele construirmos a nossa vida, sabemos que este fundamento não nos pode ser tirado, nem mesmo na morte. E Paulo continua: « Se alguém edifica sobre este fundamento com ouro, prata, pedras preciosas, madeiras, feno ou palha, a obra de cada um ficará patente, pois o dia do Senhor a fará conhecer. Pelo fogo será revelada, e o fogo provará o que vale a obra de cada um. Se a obra construída subsistir, o construtor receberá a paga. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá a perda. Ele, porém, será salvo, como que através do fogo » (3,12-15). Seja como for, neste texto torna-se evidente que a salvação dos homens pode acontecer sob distintas formas: algumas coisas edificadas podem queimar completamente; para alcançar a salvação, é preciso atravessar pessoalmente o « fogo » para se tornar definitivamente capaz de Deus e poder sentar-se à mesa do banquete nupcial eterno.”

Comentários

  1. O SENTIDO QUEIMAR AQUI PELO TEXTO E SE EXTINGUIR,OU O FOGO , PURGATORIO LIMPAR DO QUE NECESSARIO PARA SALVAR.

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  2. É algo que não sabemos, mas se Deus tudo sabe é difícil compreender porque Deus criaria um novo ser para ser condenado. Entretanto, o livre arbítrio da a possibilidade de fazer essa escolha e muitas vezes o homem no seu dia a dia faz escolhas que contrariam a vontade de Deus. Mas a esperança é que Deus não permite um mal sem que possa extrair um bem maior.

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  3. Padre, a Igreja não condenou a tese da apocatástase?

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