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O jovem Hegel e Jesus

Hegel escreveu uma Vida de Jesus , que foi publicada só depois de sua morte. A visão aí apresentada sobre Jesus é típica do Iluminismo.  Hegel, nos anos de estudo em Tubinga, criticava o que ele considerava ser o “formalismo” kantiano. Via na filosofia prática de Kant uma importância excessiva dada à lei em detrimento das motivações sensíveis e estéticas. Hegel queria instaurar uma “religião popular”, em que houvesse convergência entre experiência subjetiva e comunidade ética. Ele via o cristianismo de sua época como estéril, como uma religião meramente “positiva”, isto é, referendada pelas leis e tradições, objetivada em normas e dogmas, mas incapaz de calar dentro dos indivíduos e os mover para a liberdade. A liberdade, para Hegel, era algo entre a espontaneidade individual e a vida ética em comum. Livre é um povo cujos membros praticam espontaneamente - isto é, motivados por si mesmos, razão e sensibilidade unidas - o que convém a cada um e a todos em conjunto. Depois de Tubinga, He
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Mito, narrativas históricas e mística

Marco Vannini, grande estudioso italiano de mística, sustenta que o cristianismo ainda teria algo a dizer a um mundo que já perdeu a inocência do mito se deixasse suas narrativas históricas (que para Vannini seriam mitológicas e não sustentáveis racionalmente) e se concentrasse no seu conteúdo místico baseado na metafísica neoplatônica, tal como o Agostinho dos textos filosóficos delineou. Ou seja, o cristianismo dever-se-ia reduzir à essência mais consistente do seu conteúdo: a essência filosófica de corte neoplatônico.  Um outro grande teólogo italiano, Vito Mancuso, segue linha semelhante ao reconhecer filosoficamente que Deus é o Bem, realidade realíssima a sustentar todo o universo dos entes, percebida pelo profundo do espírito humano como único sustentáculo da atitude religiosa.  Mancuso, como Vannini, relativiza o conteúdo histórico do cristianismo como mito, necessário talvez para um público menos afeito à reflexão filosófica, mas que deveria ser visto sempre e apenas como ilus

Os graus do amor

São Bernardo de Claraval, Doutor da Igreja Sobre os graus do amor ( De gradibus amoris ) Texto inspirado em S. Bernardo  1. O amor de si. O homem ama a si mesmo, quer conservar e engrandecer a própria existência.  2. O homem vê que não se basta. Então começa a amar a Deus como fonte de benefícios. O homem ama a Deus por causa do que Deus pode proporcionar-lhe. Aqui estão todos os que usam Deus ou se servem de Deus. O centro ainda é o ego.  3. O homem começa a ver que Deus é digno de ser amado por si mesmo. A grandeza de Deus é fascinante. Sua beleza é arrebatadora. Ele é a Fonte de todo ser. Mas  aqui a Fonte começa a ser vista em sua própria grandeza. Deus é amável por aquilo que ele é, não por aquilo que faz. No segundo grau, o homem amava a Deus com a medida humana. Não podia receber Deus como Deus. Aqui no terceiro grau, a medida se alarga, e o homem se torna capaz de receber Deus como Deus, e de se transformar nele. Quem recebe Deus à medida divina é inevitavelmente assimilado a e

Por que rejeitam o Vaticano II?

Hoje cresce uma onda de católicos que rejeitam o Concílio Vaticano II ou ao menos lhe torcem o nariz. Qual seria o motivo?  — Penso, antes de tudo, que o concílio é legítimo, não pode ser cancelado nem nunca o será. É o último da série de 21 concílios ecumênicos da Igreja católica. A autoridade que sustentou os 20 concílios que o antecederam é a mesma que sustenta o Vaticano II, ou seja, a autoridade máxima da Igreja, papa e bispos de todo orbe católico em comunhão.  O concílio quis renovar uma Igreja — e isso ficou mais claro com o próprio desenvolver-se do evento — que se tinha encastelado por causa das grandes mudanças operadas na modernidade (revolução científica (séc. XVII), revolução política (séc. XVIII), revolução industrial (séc. XVIII/XIX), revolução social (séc.XX),  revolução sexual (séc. XX), questionamento das bases mesmas da civilização ocidental cristã (séc. XIX/XX) etc.). A Igreja entendeu que não podia conservar-se numa atitude reativa, mas precisava dar passos em dir

A Bíblia, a ciência e a espiritualidade

O criacionismo que postula que o mundo tenha sido criado há cerca de 6 mil anos e num período de 6 dias é burro. Toma a Bíblia ao pé da letra, sem mediação hermenêutica alguma. Ora, tomar a Bíblia ao pé da letra é uma afronta à própria Bíblia. Os textos sagrados foram escritos numa cultura diversa, com propósitos bem específicos para seu tempo e para seus leitores, em geral usando gêneros literários bem diversos dos gêneros com os quais estamos acostumados. A doutrina da criação é uma verdade de fé e de razão, mas ela não precisa assumir os traços fundamentalistas que excluem as evidências de que o planeta Terra existe já há 4,5 bilhões de anos e a vida nele, há cerca de 3,5 bilhões de anos. A criação é uma realidade metafísica de dependência radical do ser dos entes criados para com o Ser puro ( Ipsum Esse subsistens ), que chamamos de Deus.  Outra coisa: querer refutar a teoria da evolução com base na Bíblia é também burrice, pois a Bíblia não pretende ensinar nem desautorizar teoria

Ser e pensar são um

Transcendentalmente falando, ser e pensar são uma coisa só. Não pode haver o ser sem o pensar nem o pensar sem o ser. Parmênides viu esta verdade neste nível transcendental, que é o nível do pensamento em si e do ser em si. Ser e pensar são o mesmo ! Aqui tanto o realismo quanto o idealismo têm a sua parte de razão, mas, para dizer com Hegel, ambos são suprassumidos, isto é, são afirmados (no que têm de verdadeiro) e negados (no que têm de falso) numa síntese superior, absoluta. Tomás de Aquino reconhece que Deus, absolutamente simples, é identidade pura e sempre atual de ser e pensar. O Absoluto, em Hegel, é Idea que sabe de si, Ser consciente de si. Karl Rahner dizia que ser é ser-junto-de-si . O ser sabe-se junto de si na claridade daquele “espaço” em que o ser mesmo se mostra. É um absurdo, em nível absoluto ou transcendental, falar de ser e, ao mesmo tempo, não reconhecer o pensar, que é o aparecer do ser.  No nível categorial, que é o nosso humano, as coisas mudam de figura. São

Somos uma restrição do ser de Deus

Nossa essência é somente “parte” metafísica da essência de Deus. Se nossa essência fosse a dele, seríamos o Ipsum Esse subsistens . A mesma coisa: nosso ser é somente “parte” metafísica do ser de Deus: se nosso ato de ser fosse o dele, seríamos o Ipsum Esse Subsistens .  Por isso, fora de Deus, todo ente é composto de inteligibilidade (essência) e ato de ser (ato da essência ou efetividade). Uma inteligibilidade limitada não pode existir por si e em virtude de si. Só a inteligibilidade absoluta existe por si e em virtude de si. Um ato de ser limitado não pode existir por si e em virtude de si. Só o ato de ser puro existe por si e em virtude de si.  Assim, nós criaturas precisamos, para ser, derivar nossa inteligibilidade parcial da inteligibilidade absoluta de Deus, e precisamos ainda de que essa inteligibilidade parcial, que de per si não pode existir, receba a efetividade ou o ato de ser, que a faz ser inteligível em ato e existir. Somos uma restrição de Deus.  O que nele é uma coi