A relação entre conflito ético e Bem é uma das articulações centrais da ética em Henrique Cláudio de Lima Vaz. Para aprofundar essa relação, podemos organizá-la em cinco momentos interligados:
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1. O Bem como origem e fim da ética
Para Lima Vaz, o Bem (agathon) é o princípio formal da ética. Não se trata de um bem particular, mas de um horizonte transcendental que orienta a ação moral:
“Toda ação ética é, por essência, ordenada ao Bem. É na relação com o Bem que a ação se qualifica como moral.”
Esse Bem, em sua forma última, é sempre mais do que qualquer bem particular ou norma determinada. Por isso, a ética é sempre uma tensão entre o ideal do Bem e sua realização histórica nas atitudes e ações boas.
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2. O ethos como estrutura imperfeita do Bem
O ethos (conjunto de normas, costumes, valores de uma cultura) é a configuração histórica do Bem, mas não o esgota. Por isso, o ethos é:
• necessário: pois oferece diretrizes concretas de ação;
• limitado: pois nunca contém o Bem em sua plenitude.
Essa limitação do ethos abre espaço para o conflito ético, que se dá quando:
• valores entram em choque (ex.: justiça vs. misericórdia);
• normas tornam-se insuficientes para realizar as exigências percebidas do Bem;
• o Bem se apresenta em múltiplas formas concorrentes.
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3. O conflito como desvelamento do Bem
O conflito ético não é apenas obstáculo: é revelação do Bem como exigência transcendente.
Henrique Lima Vaz, em diálogo com Platão, insiste que o Bem está epékeina tês ousías — além do ser, além da totalidade do que é dado. Assim:
• o conflito nasce quando o sujeito se vê impelido por uma exigência do Bem que excede o instituído;
• nele, o sujeito se confronta com o limite do costume e a exigência de fidelidade àquilo que ainda não se realizou plenamente.
Ou seja, no conflito ético, o Bem se apresenta como convocação, como apelo que exige discernimento, coragem e liberdade.
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4. A liberdade como resposta ao Bem no conflito
O Bem não se impõe de fora. Ele se oferece como apelo à liberdade do sujeito. No conflito ético:
• o sujeito é chamado a deliberar entre bens concorrentes;
• essa deliberação não é neutra: ela exige abertura ao que há de mais alto;
• trata-se de uma experiência existencial, em que o sujeito se constrói, não apenas como agente moral, mas como ser em direção ao Bem.
O conflito, portanto, é o lugar onde a liberdade moral é chamada a “responder à altura” do Bem.
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5. Conflito ético como tensão escatológica
Para Lima Vaz, influenciado por Platão, Tomás e Hegel, o Bem não está plenamente dado no mundo histórico. Ele é:
• presente como apelo,
• ausente como plenitude.
O conflito ético, portanto, manifesta:
• a finitude do mundo e das instituições,
• a inquietação do espírito humano que busca o Bem mais alto,
• e a esperança de uma superação escatológica, onde o Bem possa ser plenamente vivido.
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Conclusão
O conflito ético é o lugar privilegiado da manifestação do Bem como transcendência. Ele revela:
• que a ética não é mero conformismo normativo,
• que a liberdade humana está ordenada ao Bem como um horizonte infinito,
• que a ação moral exige discernimento e coragem frente à ambiguidade do real.
Como diria Lima Vaz, o Bem se dá no tempo como convocação e promessa, e o conflito ético é a experiência decisiva dessa convocação, onde a liberdade se realiza e se julga.
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