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Escritura e Tradição

A Revelação divina não coincide com a Escritura nem pode coincidir. A Revelação é uma atividade (viva) da parte de Deus, que é sua fonte, e da parte da Igreja, que é seu receptáculo. Sem a ação de Deus e sem a fé da Igreja não há Revelação. Um simples texto não pode substituir essa atividade ou essa vida. 

No entanto, a Escritura é a cristalização canônica dessa atividade em sua fase fundacional; é o seu testemunho autorizado. Ela é o fruto do processo da Revelação em sua fase constitutiva, que podemos chamar Tradição (já que Deus age e o povo de Deus escuta e transmite, gerando a Tradição), e é o critério de desenvolvimento da desse processo que prossegue a sua vida, já que a Tradição, que começa no tempo fundacional ou constitutivo com os Patriarcas e Profetas para o AT e com Jesus e os Apóstolos para o NT, deve continuar viva e mostrar-se como o horizonte no qual a Igreja transmite e recebe a fé. Sem a ação do Espírito, que atualiza a autocomunicação de Deus em todo o tempo e lugar, fazendo desenvolver a sua compreensão e a sua vivência, não há Revelação. Sem a fé ou o movimento vivo por parte do povo de Deus, que se abre à ação do Espírito, não há Revelação. A ação de Deus e a resposta ativa de seu povo podem entender-se como constitutivos da Tradição viva. 

A Escritura exerce a sua função de regular o desenvolvimento da compreensão e da vivência da fé, pois que é o documento canônico da Tradição primeva, que é critério da Tradição vivente ao longo do tempo da Igreja. 

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