Pular para o conteúdo principal

Qual o maior mandamento?


Ao responder ao fariseu sobre qual era o maior mandamento da Lei (cf. Mt 22, 34-40), Jesus uniu duas passagens da Escritura, de dois livros distintos: Dt 6,6 e Lv 19,18. A primeira fala do amor a Deus com todas as forças e o entendimento; a segunda, do amor ao próximo como cada um ama a si mesmo. 

Era comum entre os mestres de Israel procurar a chave de interpretação de toda a Lei. Nesse sentido, o Rabi Akiva, pouco depois de Jesus, dirá que o princípio da Torah é o amor ao próximo. Advertia-se a urgência de encontrar essa chave que, ao mesmo tempo, pudesse ser a própria Lei em compêndio. 

Afinal, em torno da Lei se tinha criado uma “cerca” de inúmeros preceitos com o intuito de a proteger e não permitir jamais a sua violação. No entanto, a multiplicação de preceitos acabou por empalidecer a própria Lei em seu frescor. No seu sentido originário, mais do que norma a Lei (Torah) é a “instrução” para que o povo de Deus percorra o justo caminho. É via de vida e felicidade. 

Quem foi enviado a indagar o mestre de Nazaré era certamente um entendido da Lei, do partido dos fariseus, e, por isso, capaz de desmontar qualquer possível resposta insuficiente de Jesus. Queriam desacreditá-lo. O texto diz que queriam “experimentá-lo”. Todavia, Jesus faz brilhar a sua invejável sabedoria, que deixou frustrada a tentativa de desmoralizá-lo. A resposta de Jesus mostra que ele estava bem enraizado na sua tradição religiosa e sabia tratar com perícia e sabedoria das questões religiosas de seu tempo. Querer tirar de Jesus a moldura profundamente religiosa da sua vida e missão para fazer dele um filósofo humanista dos nossos tempos é descaracterizá-lo. 

Ao unir as duas passagens citadas, mostrando seu conhecimento da Escritura, Jesus ofereceu a chave para a interpretação da Lei e o seu compêndio. O amor a Deus é fundamental: é o primeiro e o mais importante mandamento. Mas o amor a Deus seria estéril se não se pudesse traduzir no amor ao próximo. Daí a “semelhança” do segundo mandamento em relação ao primeiro. Em outras palavras: amor a Deus e amor ao próximo constituem uma unidade inseparável. O amor a Deus é fundamento, motivação e esteio do amor ao próximo. O amor ao próximo é a concretização neste mundo do amor a Deus. Os dois mandamentos já eram conhecidos dos judeus, mas uni-los em uma unidade incindível foi a originalidade de Jesus. 

Quem é o próximo a ser amado? Em linha de princípio, são todos. Mas o amor deve ser concreto. O meu próximo é especialmente o que mais precisa de mim, aquele de quem me aproximo como bom samaritano, para além de todas as fronteiras culturais e sociais, a fim de portar-lhe alguma boa notícia ou boa ajuda, aliviando, assim, a sua dor e a dor do mundo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ponderações sobre o modo de dar ou receber a sagrada comunhão eucarística

Ao receber na mão o Corpo de Cristo, deve-se estender a palma da mão, e não pegar o sagrado Corpo com a ponta dos dedos.  1) Há quem acuse de arqueologismo litúrgico a atual praxe eclesial de dar ou receber a comunhão eucarística na mão. Ora, deve-se observar o seguinte: cada época tem suas circunstâncias e sensibilidades. Nos primeiros séculos, a praxe geral era distribuir a Eucaristia na mão. Temos testemunhos, nesse sentido, de Tertuliano, do Papa Cornélio, de S. Cipriano, de S. Cirilo de Jerusalém, de Teodoro de Mopsuéstia, de S. Agostinho, de S. Cesário de Arles (este falava de um véu branco que se devia estender sobre a palma da mão para receber o Corpo de Cristo). A praxe de dar a comunhão na boca passou a vigorar bem mais tarde. Do  concílio de Ruão (França, 878), temos a norma: “A nenhum homem leigo e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre na boca” ( cân . 2).  Certamente uma tendência de restringir a comunhão na mão começa já em tempos pa

Considerações em torno da Declaração "Fiducia supplicans"

Papa Francisco e o Cardeal Víctor Manuel Fernández, Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé Este texto não visa a entrar em polêmicas, mas é uma reflexão sobre as razões de diferentes perspectivas a respeito da Declaração Fiducia supplicans (FS), do Dicastério para a Doutrina da Fé, que, publicada aos 18 de dezembro de 2023, permite uma benção espontânea a casais em situações irregulares diante do ordenamento doutrinal e canônico da Igreja, inclusive a casais homossexuais. O teor do documento indica uma possibilidade, sem codificar.  Trata-se de uma benção espontânea,  isto é, sem caráter litúrgico ou ritual oficial, evitando-se qualquer semelhança com uma benção ou celebração de casamento e qualquer perigo de escândalo para os fiéis.  Alguns católicos se manifestaram contrários à disposição do documento. A razão principal seria a de que a Igreja não poderia abençoar uniões irregulares, pois estas configuram um pecado objetivo na medida em que contrariam o plano divino para a sex

Absoluto real versus pseudo-absolutos

. Padre Elílio de Faria Matos Júnior  "Como pensar o homem pós-metafísico em face da exigência racional do pensamento do Absoluto? A primeira e mais radical resposta a essa questão decisiva, sempre retomada e reinventada nas vicissitudes da modernidade, consiste em considerá-la sem sentido e em exorcisar o espectro do Absoluto de todos os horizontes da cultura. Mas essa solução exige um alto preço filosófico, pois a razão, cuja ordenação constitutiva ao Absoluto se manifesta já na primeira e inevitável afirmação do ser , se não se lança na busca do Absoluto real ou se se vê tolhida no seu exercício metafísico, passa a engendrar necessariamente essa procissão de pseudo-absolutos que povoam o horizonte do homem moderno" (LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de filosofia III. Filosofia e cultura. São Paulo: Loyola, 1997). Padre Vaz, acertadamente, exprime a insustentabilidade do projeto moderno, na medida em que a modernidade quer livrar-se do Absoluto real, fazendo refluir