Hoje cresce uma onda de católicos que rejeitam o Concílio Vaticano II ou ao menos lhe torcem o nariz. Qual seria o motivo?
— Penso, antes de tudo, que o concílio é legítimo, não pode ser cancelado nem nunca o será. É o último da série de 21 concílios ecumênicos da Igreja católica. A autoridade que sustentou os 20 concílios que o antecederam é a mesma que sustenta o Vaticano II, ou seja, a autoridade máxima da Igreja, papa e bispos de todo orbe católico em comunhão.
O concílio quis renovar uma Igreja — e isso ficou mais claro com o próprio desenvolver-se do evento — que se tinha encastelado por causa das grandes mudanças operadas na modernidade (revolução científica (séc. XVII), revolução política (séc. XVIII), revolução industrial (séc. XVIII/XIX), revolução social (séc.XX), revolução sexual (séc. XX), questionamento das bases mesmas da civilização ocidental cristã (séc. XIX/XX) etc.). A Igreja entendeu que não podia conservar-se numa atitude reativa, mas precisava dar passos em direção a uma postura propositiva. Compreendeu que seu papel não podia reduzir-se a condenar as novidades, mas era preciso mudar o olhar ou mudar o paradigma de sua visão, tanto quanto o permitia e até o estimulava a essência do evangelho. Se a Igreja desde a queda do Império Romano no Ocidente tinha sido a condutora da civilização e a construtora do futuro, na primeira metade do século XX parecia a muitos uma instituição obsoleta, guardiã de um passado superado. No entanto, a essência da Igreja é sempre nova, pois o evangelho, que é sua razão de ser, é sempre novo! Algo deveria ser feito para que se mostrasse a novidade perene da mensagem cristã.
No concílio a Igreja, pela primeira vez de modo oficial, procurou discernir e distinguir a essência mesma da mensagem divina de que é depositária e a roupagem histórica e cultural com que essa mensagem é apresentada. A Igreja estava tornando-se irrelevante diante de um mundo mudado por causa de certos acessórios históricos e culturais que pareciam estranhos à cultura pós-polirrevolucionária.
O concílio foi o estuário e também o início de movimentos eclesiais renovadores. Bem antes do concílio, fermentos de renovação já estavam atuando em amplos segmentos da Igreja. Como estuário, o concílio recolheu os bons frutos de forças renovadoras já presentes desde pelo menos o século XIX: renovação da eclesiologia, renovação da moral, movimento litúrgico, movimento bíblico, movimento patrístico… Como novo início, o Vaticano II estimulou direta ou indiretamente novas teologias e práticas. Talvez aqui, como novo início, esteja o grande motivo da estranheza de muitos em relação ao concílio.
No pós-concílio houve mudanças necessárias e frutuosas ao lado de experimentos não felizes, como era de se esperar diante do espírito fortemente renovador então presente. Um dos grandes equívocos, a meu ver, foi a rejeição da metafísica em teologia e o obscurecimento do caráter sacral da liturgia.
Hoje, esses dois equívocos, a meu ver, estão sendo reparados, ainda que lentamente, pelo reconhecimento, por parte de grandes homens da Igreja, da importância da metafísica em teologia e da natureza sacral e contemplativa da liturgia. Observe-se que a ausência de boa metafísica na teologia traz não só consequências teóricas inadequadas, mas também espirituais e práticas. A celebração litúrgica, por sua vez, não deve simplesmente replicar o mundo da vida ordinária, mas oferecer um espaço e um tempo de verdadeira transcendência.
Sobre isso, eu gostaria de falar com mais desenvolvimento em outra ocasião.
Aqueles que rejeitam o CVII possuem uma visão bem particular de Deus e mundo, onde Deus não pode agir além dos muros do Vaticano.
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