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Metafísica essencial

Cornelio Fabro foi quem realçou a centralidade do ser como ato intensivo na metafísica de S. Tomás 


Metafísica essencial: 


1. Ipsum Esse

É a perfeição máxima formal e real. Ato puro. Intensidade máxima. É participável pelas criaturas através de essências limitadas e da doação de ser como ato a tais essências.

 • O ipsum Esse subsistens é a plenitude formal e atual do ser. Não é apenas a perfeição máxima “formal” no sentido lógico, mas o ato mesmo da atualidade infinita.

 • Fabro enfatiza que o Esse divino é incomunicável em si mesmo (ninguém nem nada pode possuir ou receber a infinitude divina), mas é participável secundum quid, na medida em que Deus doa o ser finito às essências criadas.

 • Aqui está a raiz da analogia entis: há continuidade (participação) e descontinuidade (infinitude divina versus finitude criada).



2. Essência (esse ut participabile)

É o ser enquanto participável, receptivo, em potência. Em si não é atual, mas uma capacidade de atualizar-se pela recepção do ato de ser. Como tal, está na mente de Deus ou na mente que a concebe. Só tem lugar aí em virtude do esse (ato) da mente que a concebe.

 • A essência é um modo possível de ser, uma potência receptiva que só adquire atualidade ao receber o ato de ser.

 • Fabro insiste: a essência criada não é nada em si mesma sem o ser; só subsiste como essência atualizada pelo ser.

 • Como essência possível, pode existir:

 • na mente divina, como exemplar (ideia participável).

 • na mente humana, como conceito (mas aí só existe porque participa do esse da mente cognoscente).

 • A essência, portanto, não é contrária ao ser, mas um limite modal dele.



3. Ser participado (esse ut participatum)

É o ser enquanto participado realmente, já limitado. É o ato de ser doado segundo a capacidade receptiva da essência. Entra em composição com a essência como ato para com a potência para que o ente real seja. Sua intensidade varia de acordo com a capacidade receptiva da essência com a qual entra em composição para constituir o ente. 

 • O ser participado é o ato real de ser, mas limitado pela essência.

 • Essa relação é de ato-potência: o ser é ato, a essência é potência receptiva.

 • A composição ser + essência = a estrutura ontológica do ente finito.

 • Aqui se distingue radicalmente o tomismo do essencialismo aviceniano: não há essência “existindo” em si, mas só na medida em que recebe o ser.



4. Ente (ens per participationem)

É o ser participado em uma essência que o limita. Diz respeito a tudo aquilo que é real, mas não é o Ipsum Esse. Nele há distinção real entre ato de ser e essência. Esta limita o ato de ser recebido do Ipsum Esse e aquele atualiza a essência, dando-lhe efetividade, o que resulta na sua existência in rerum natura

 • O ente criado é realidade finita (ens finitum), distinta realmente entre essência e ser.

 • A essência é limite do ser recebido.

 • O ser é atualização da essência.

 • Só assim a criatura existe in rerum natura.

 • Essa é a tese central de Fabro: todo ente criado é participação limitada do ato de ser divino.



5. Ajuste final de síntese (em fórmula)

 • Deus: ipsum Esse subsistens (ato puro, perfeição formal e atual infinita).

 • Essência: esse ut participabile (modo possível, potência receptiva, limitação).

 • Ser participado: esse ut participatum (ato real, mas limitado pela essência).

 • Ente: ens per participationem (síntese atual de essência + ser, existência finita).


Ou seja:

A essência é o ser enquanto participável; o ser participado é o ser enquanto já recebido; e o ente é a unidade real de ambos.

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