Pular para o conteúdo principal

Concílio Vaticano II - Parte I

João XXIII quis um novo concílio 
O Concílio Vaticano II representou o maior evento da Igreja católica no século XX e talvez o maior evento desde o Concílio de Trento.

O Concílio Vaticano I havia sido interrompido abruptamente pela guerra franco-prussiana em 1870 e não pôde tratar da relação do colégio dos bispos com o Sucessor de Pedro, cuja infalibilidade em matéria de fé e moral (respeitadas certas condições) e jurisdição universal sobre a Igreja acabara de proclamar como verdades reveladas. Por isso, desde então esteve presente a possibilidade de uma sua reconvocação, já que ficara inconcluso e apresentara uma eclesiologia incompleta.

Entretanto, João XXIII não quis reconvocar o Concílio Vaticano I, mas convocar um novo Concílio, que desse tonalidade pastoral a seus documentos e abrisse um clima de diálogo com a modernidade. As mudanças culturais tinham sido tantas nos últimos séculos que a Igreja se assustara e como que se trancara numa num palácio fortificado, longe do mundo moderno, cujas conquistas eram não raro condenadas pelos bispos e papas. Cumpre notar que não faltaram da parte de certos corifeus da modernidade atitudes agressivas contra a Igreja, que por eles era vista como representante de um mundo que devia ruir completamente.

A falta de sintonia entre Igreja e ciências modernas começara com o controvertido “caso Galileu” e aprofundara-se com Darwin e Freud, cujas teorias pareciam negar ao homem, sob todos os aspectos, um lugar especial no mundo biológico e mental, respectivamente, como requeria a velha teologia. Os valores modernos liberais e progressistas assustavam na medida em que queriam destronar toda a tradição. O racionalismo negava a sabedoria da fé. A liberdade de consciência chegou a ser condenada pela Igreja, já que era entendida como liberdade desvinculada da verdade. O ateísmo, os sistemas políticos liberais e, por fim, o comunismo materialista eram frutos da reivindicação moderna de autonomia e do fechamento na imanência do mundo. As questões políticas e econômicas pareciam absorver toda atividade humana, ficando a contemplação fora das margens dos valores modernos. A técnica dava a impressão de que tudo está disponível ao homem, de que tudo é fabricado por suas mãos. Ora, a base da religião é a forte consciência de que o ser nos é doado e de que nem tudo nos é disponível.

A Igreja, guardiã de uma rica tradição espiritual e cultural, achou que devia condenar quase que em bloco o mundo moderno, o que aconteceu de fato nos pontificados de Gregório XVI e do Beato Pio IX. Mas, depois de aberturas já no pontificado de Leão XIII, João XXIII, um sacerdote simples mas inteligente elevado ao trono Pedro, colheu os "sinais dos tempos", isto é, percebeu que os tempos estavam maduros para que a Igreja se apresentasse de maneira nova aos desafios da modernidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O finito apela ao Infinito

  O ponto que trago remete a uma via metafísica negativa, onde a crítica da finitude do ente nos conduz, não apenas à constatação de sua limitação, mas à impossibilidade de que o limite tenha a última palavra sobre o ser. O nada não pode ser o “além do limite”, pois o nada não é. Assim, a própria noção de limite exige um ser sem limite – um ser que seja ser puro, que exclua toda não-existência. Vamos então desenvolver o argumento na forma de um discurso ontológico contínuo, com base nessa intuição: ⸻ A finitude como apelo ao ser ilimitado Começamos pela constatação mais imediata: há seres, mas os seres que encontramos são finitos. Eles não são tudo o que poderiam ser. São marcados pela limitação, pela mutabilidade, pela dependência. São entes que possuem o ser, mas não o são em sua plenitude. Essa constatação, longe de ser trivial, contém uma exigência profunda: se tudo o que existe fosse finito, então o ser mesmo estaria limitado. Haveria uma fronteira que o ser não ultrapassa. O ...

Confissões de um metafísico em tempos de niilismo

Não comecei pela dúvida, mas pela admiração. Não fui lançado à existência como quem acorda em um mundo estranho, mas como quem, ainda sem saber nomear, intui que há algo — e que esse algo brilha. Comecei pela confiança de que o ser tem sentido. E o primeiro a me dar palavras para esse pressentimento foi um frade medieval, Tomás, cuja inteligência parecia ajoelhar-se diante do real. A princípio, maravilhou-me a harmonia entre fé e razão: Deus não era o adversário do pensamento, mas sua origem e fim. Na Suma Teológica, encontrei não apenas respostas, mas um método de humildade intelectual, onde pensar é um ato de justiça ao ser. A filosofia, assim, se tornava oração: buscar o sentido do ente como quem busca o rosto do Pai. ⸻ Mas à medida que crescia em mim a luz da metafísica do esse, aumentava também a consciência das sombras que a modernidade lançou sobre o ser. O mundo que me cercava — um mundo de técnica, de cálculo, de vontades cegas — parecia ter perdido a capacidade de se pergunta...

Ruptura ou transformação? Paradigmas hermenêuticos da modernidade segundo Henrique Cláudio de Lima Vaz

  Resumo Este artigo propõe uma análise sistemática da concepção de modernidade em Henrique Cláudio de Lima Vaz, com base na obra Raízes da Modernidade. O autor situa-se entre duas interpretações hermenêuticas predominantes: a modernidade como ruptura e a modernidade como transformação da tradição medieval. A partir dessa tensão, Lima Vaz articula uma leitura genética da modernidade, que reconhece sua originalidade simbólica sem ignorar suas raízes intelectuais na crise do século XIII. Para isso, o artigo explora as interpretações de Carl Schmitt, Karl Löwith, Eric Voegelin, Marcel Gauchet e Hans Blumenberg, conforme analisadas por Lima Vaz. 1. Introdução A modernidade, em seu surgimento e estrutura simbólica, constitui um dos temas mais debatidos da filosofia contemporânea. Henrique C. de Lima Vaz, em Raízes da Modernidade, propõe uma leitura filosófica da modernidade a partir de sua gênese intelectual na Idade Média, particularmente no século XIII. Longe de reduzir a modernidade ...