Pular para o conteúdo principal

Metafísica hoje? Saturnino Muratore SJ

 

Saturnino Muratore SJ

Resumo  — “Senso e limiti di un pensare metafisico nell’attuale contesto culturale. In dialogo con Saturnino Muratore S.J.” (Entrevista de Antonio Trupiano). Publicado em:

TURPIANO, Antonio (ed.). Metafisica come orizzonte : In dialogo con Saturnino Muratore SJ. Trapani: Pozzo di Giacobbe, 2014. 


Formato e objetivo. A entrevista foi organizada em dez questões estratégicas para apresentar o percurso intelectual de Saturnino Muratore (SJ) e, ao mesmo tempo, discutir o papel formativo da metafísica — sobretudo no contexto das faculdades eclesiásticas.  


O que é “metafísica” para Muratore. Em vez de uma doutrina estática do “fundamento”, Muratore define metafísica como a capacidade do filósofo de “dizer o todo” — um discurso de totalidade que mantém uma instância crítica constante. Falar do todo implica dialogar com as especializações (que tratam fragmentos) e preservar a crítica para não absolutizar partes.  

Relações com Jaspers e Nietzsche; retorno a Tomás. Muratore reconhece, em Jaspers, o apelo ao Transcendente, embora veja nele uma tensão com a via religiosa; ainda assim, concorda que não há filosofia sem implicação metafísica. Diante do impacto de Nietzsche, Muratore não restaura o passado: ele reencena a interrogação metafísica num diálogo com a modernidade, e faz referência privilegiada a Tomás de Aquino: “dizer ‘ser’ é dizer Deus”, e o metafísico é quem lê o empírico sob a ótica da transcendência.  

Fides et Ratio e o lugar da subjetividade. Muratore aprecia a chamada à metafísica da encíclica Fides et Ratio (1998), mas relata decepção com oportunidades perdidas: “subir dos fenômenos ao fundamento” pode ser mal-entendido se vier acompanhado de desconfiança da subjetividade. Para ele, valorizar o sujeito significa tomar como ponto de partida o dinamismo intencional da consciência. 

Fundação crítica da metafísica (“metafísica latente”). Contra a oposição simplista entre metafísica e crítica (de matriz kantiana/positivista), Muratore propõe fundar criticamente a metafísica. O ponto de partida é reconhecer uma “metafísica latente”: nosso perguntar tem alcance ilimitado; essa consciência ajuda a superar tanto o imanentismo empírico quanto a leitura da historicidade como relativismo inevitável.  

“Controposizione” e verdade. Ele introduz a ideia de “controposizione”: não é contradição de conteúdo, mas entre o que alguém afirma e a operação efetiva da mente ao afirmar. Ex.: o empirista não se contradiz na tese, mas cai em “controposição” porque seu próprio conhecer excede a percepção sensível; algo análogo vale para o relativista, cujo ato de afirmar apela a um campo absoluto.  

Relatividade × relativismo. Muratore distingue com vigor relatividade (verdades expressas em quadros de referência) e relativismo (negação do alcance do incondicionado). Para ele, o incondicionado emerge operativamente como horizonte de toda afirmação racional; por isso, historicidade não implica ceticismo. 

Modernidade, “fim da metafísica” e complexidade. Ele rejeita leituras simplistas da “fim da modernidade” ou da “morte da metafísica”. A modernidade é um mosaico de forças ainda não totalmente exploradas; reduzi-la à autorreferencialidade subjetiva ou decretar o fim da metafísica empobrece a análise.  

Tomás, Maréchal e Lonergan: sujeito e reditus. Contra leituras neoescolásticas fixistas, Muratore recupera a descoberta “tomista” do sujeito (em diálogo com Maréchal e Lonergan). A metafísica explícita deve ser precedida pela autoapropriação do dinamismo cognitivo; a objetividade é “fruto que amadurece na árvore da subjetividade autêntica”. Nesse contexto, ele retoma o motivo do reditus (platonizante/agostiniano): retorno a si como autotranscendência que desarma visões estáticas da verdade sem cair no subjetivismo, já que há no sujeito o númeno da verdade, que é o horizonte do absoluto em seu seio. O reditus impede o relativismo (porque mantém a referência ao absoluto como horizonte: a verdade transcendental) e evita o fixismo (porque reconhece a historicidade e o caráter processual da verdade categorial).

Pluralismo cultural e Vaticano II. Muratore contrapõe classicismo (uma cultura normativa) a uma visão empírica e plural de cultura; o classismo parece edificar verdades que, assumidas como tais, não são questinadas, a despeito de experiências que as contradigam; a visão empírica está atenta às experiências que trazem novos conhecimentos; o Vaticano II marca a crise do classicismo, exigindo inculturação real da fé e respeito à diversidade sem relativismo. 

Contribuição central da entrevista. A metafísica, para Muratore, é horizonte crítico que integra sujeitos, ciências e tradição; ela combate tanto a fragmentação dos saberes quanto as simplificações relativistas, mantendo aberto o diálogo com o presente. É um exercício de totalidade crítica, enraizado na autotranscendência do sujeito e voltado ao Transcendente — sem nostalgia e sem dogmatismo.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A noção de ser na metafísica de João Duns Scot

Com base nos três artigos de Hilaire Mac Donagh publicados entre 1928 e 1929 na Revue néo-scolastique de philosophie , é possível compor um resumo contínuo e estruturado da análise feita pelo autor sobre a noção de ser na metafísica de João Duns Scot, com atenção especial às críticas desenvolvidas ao longo do estudo. ⸻ A noção de ser na metafísica de João Duns Scot , segundo Hilaire Mac Donagh 1. A centralidade do conceito de ser Hilaire Mac Donagh inicia sua análise destacando a importância do conceito de ser como núcleo organizador da metafísica de Duns Scot. Tal como em Aristóteles e na tradição escolástica, o objeto próprio da metafísica é o ente enquanto ente (ens inquantum ens), e Scot segue essa orientação, atribuindo à metafísica a tarefa de conhecer o ser e seus atributos transcendentais. No entanto, ao aprofundar a concepção scotista do ser, o autor observa uma particularidade essencial: a insistência de Scot na univocidade do conceito de ser, inclusive quando aplicado a Deus...

O Ser em Tomás de Aquino e Heidegger

O pensamento de Tomás de Aquino e o de Heidegger podem entrar em algum diálogo, na medida em que o Ser de Tomás, embora esteja além do tempo, pode ser visto manifestando-se no tempo.  Note-se desde o início que, embora falem do Ser como núcleo de seu pensamento filosófico, Tomás e Heidegger têm perspectivas e propósitos diferentes. Em ambos, como quer que seja, o Ser não se reduz ao nível dos entes, mas é o que possibilita, faz ou deixa ser os entes. O Ser de Heidegger se manifesta no tempo, mas não se sabe se existe além do tempo. O ponto de intersecção que pode haver entre as duas abordagens é a manifestação no tempo. É verdade que Tomás fala, ainda que de maneira prevalentemente negativa, dos atributos do Ser em termos de eternidade, imobilidade, simplicidade… Mas essa fala não derroga, a meu ver, a manifestação do Ser no tempo em termos de concretude existencial, isto é, a experiência do Ser como experiência humana de sua luz na finitude da existência. Aliás, em Tomás, o reconh...