Revelação histórica como captação do que Deus está sempre dizendo a todos. Uma palavra sobre a teologia de Queiruga
O teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga propõe um entendimento peculiar da revelação divina, que, na sua visão, procura estar em consonância com o estágio atual dos saberes acumulados pela humanidade. Esse entendimento está, evidentemente, sujeito a críticas, principalmente por ser um entendimento novo sob muitos aspectos.
Segundo Queiruga, Deus está se doando e se comunicando totalmente desde o princípio da criação. Acontece que a criatura é finita, e só pode receber de acordo com sua capacidade. O Inteiro de Deus é recebido aos poucos, mas o processo de recepção pode crescer rumo à plenitude.
Assim, todos os povos são objeto da autocomunicação divina, mas o modo de recepção varia de uns para outros. Certamente influencia na capacidade de receber a boa vontade ou a abertura do coração, mas também as contingências e vicissitudes dos povos e indivíduos. A geografia, os acontecimentos históricos, a constituição biofísica e outros mil tipos de contingências… tudo isso entra no jogo.
Sob esta ótica, poder-se-ia dizer que, na antiguidade, o povo hebreu, com suas particularidades, recebeu a autocomunicação de Deus de maneira singular; tão singular que foi capaz de refletir e transmitir uma imagem bastante elevada de Deus — um Deus único, transcendente, cujo culto não deveria envolver somente o ritual, mas também a ética ou a conduta de vida; um Deus que se faz paladino da justiça e se mostra como o amparo dos excluídos — o pobre, a viúva, o estrangeiro, a criança; um Deus que perdoa e suscita recomeços em vista da salvação. É certo que encontramos muitos antropomorfismos no AT, mas quem analisa o livro sagrado com atenção pode perceber que, com o correr do tempo e da história, a imagem de Deus vai se purificando e se elevando cada vez mais. Ademais, o ser humano não pode jamais falar do transcendente com absoluta propriedade por meio de sua linguagem limitada, metafórica e analógica. Deus é a Realidade que deve ser antes de tudo vivida, intuída, fruída.
Poder-se-ia perguntar por que os hebreus alcançaram uma imagem assim tão alta de Deus. Esse pequeno povo passou por grandes dificuldades. Estando entre duas grandes regiões de impérios poderosos — o Egito e a Mesopotâmia —, quase sempre se viu acuado, oprimido e provado. Além disso, reconhecia e experimentava com lágrimas as próprias fragilidades, pecados e infidelidades ao Senhor. Sabe-se que quem passa por grandes provações na vida pode colher a ocasião de burilar a própria vida espiritual, buscando com mais intensidade a Fonte da vida ou abrindo-se com mais largueza ao Fundo que constitui todas as coisas, Fonte ou Fundo que se revela, em última análise, como Espírito, Amor, Paz, Luz e Alegria. Ora, as dificuldades de Israel podem muito bem ter oferecido a ocasião para que o povo prestasse melhor atenção ao nível da Realidade transcendente, e, assim, escutasse de modo peculiar o que Deus está dizendo a todos.
Na visão de Queiruga, o povo hebreu é escolhido porque se deixou escolher. Esse deixar-se escolher, como se notou, não é fruto de mero voluntarismo, pois que passa também pelos diversos tipos de contingências que, em última análise, são acompanhadas por Deus. Assim, por outro ângulo, pode-se dizer que Deus escolhe por meio das contingências. Sobre este ponto, Israel compreendeu bem que a escolha é também para o serviço. Deus se dá a todos, mas cada povo, e mesmo cada indivíduo, tem o seu ritmo para ouvir os seus apelos e lançar-se nos seus braços.
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