A Lei Natural na perspectiva de John Finnis e Germain Grisez
Introdução
A lei natural constitui um dos pilares da tradição filosófico-jurídica ocidental, especialmente em Tomás de Aquino. No século XX, após longos períodos de marginalização pelo positivismo jurídico e pelo utilitarismo, ela foi renovada por autores como Germain Grisez e John Finnis. Ambos, em diálogo criativo com a tradição tomista e com a filosofia analítica contemporânea, elaboraram a chamada New Natural Law Theory (NNLT), que busca reconstruir a inteligibilidade da moralidade e do direito a partir dos bens humanos básicos e da razão prática.
1. A retomada contemporânea da lei natural
Grisez, em seu artigo clássico The First Principle of Practical Reason (1965), reinterpretou a doutrina tomista sobre os primeiros princípios da razão prática, mostrando que eles são auto-evidentes, indemonstráveis e diretivos da ação humana. John Finnis, em Natural Law and Natural Rights (1980), consolidou esse programa, articulando a teoria da lei natural como uma proposta filosófica robusta para o pensamento jurídico e moral contemporâneo.
2. Os bens humanos básicos
Para Finnis e Grisez, a lei natural não é um conjunto de normas fixas e imutáveis, mas antes a estrutura racional que emerge dos bens humanos básicos, os quais são fins intrínsecos da ação e não podem ser reduzidos a meros instrumentos. Entre eles se destacam:
• Vida (preservação e saúde);
• Conhecimento e verdade;
• Amizade e sociabilidade;
• Jogo e lazer;
• Experiência estética;
• Trabalho e excelência prática;
• Religião (abertura ao transcendente);
• Razoabilidade prática (capacidade de orientar-se integralmente para o bem).
Estes bens são incomensuráveis e não se deixam reduzir a cálculos utilitaristas. Cada um deles dá razões suficientes para agir, e todos devem ser considerados em sua integralidade.
3. O princípio fundamental da moralidade
Grisez e Finnis afirmam que da orientação da razão prática aos bens humanos deriva o princípio primeiro da moralidade:
É necessário agir sempre em conformidade com a realização integral da pessoa, evitando escolhas que sacrifiquem arbitrariamente algum dos bens básicos.
Esse princípio, que Grisez chama de “first principle of morality” e Finnis formula como a exigência de uma abertura à realização integral, impede tanto o formalismo kantiano (que reduz a moral à coerência lógica) quanto o consequencialismo utilitarista (que subordina os bens a cálculos de soma e subtração).
4. Lei natural, direito e política
A lei natural, nessa perspectiva, tem uma dupla função:
1. Crítica: serve de critério para avaliar a justiça das leis positivas. Uma lei injusta continua sendo “lei” em certo sentido, mas perde sua força obrigatória moral.
2. Construtiva: orienta a criação e interpretação do direito, assegurando que ele promova o bem comum entendido como a rede de condições que favorecem o florescimento de todos os bens humanos.
Para Finnis, a autoridade política é legítima na medida em que ordena racionalmente ao bem comum. Essa posição refuta tanto o voluntarismo positivista (lei como pura vontade) quanto o individualismo liberal que pretende excluir razões morais abrangentes da esfera pública.
5. A dimensão transcendente
Embora formulada em linguagem filosófica, a lei natural em Grisez e Finnis aponta para uma abertura ao transcendente. O bem da religião, que integra os bens básicos, consiste na busca por sentido último e por relação com o fundamento da realidade. Assim, a lei natural não se fecha em um horizonte imanente, mas abre caminho para o diálogo com a teologia e para o reconhecimento de uma ordem transcendente que fundamenta a dignidade da pessoa.
Conclusão
A releitura da lei natural por Germain Grisez e John Finnis oferece uma proposta filosófica atualizada, capaz de dialogar com as exigências da modernidade sem romper com a tradição clássica. Ao fundamentar a moralidade e o direito nos bens humanos básicos e no princípio da realização integral, sua teoria evita tanto o formalismo vazio quanto o relativismo consequencialista. A lei natural, assim compreendida, mantém sua função crítica e construtiva: fundamenta a moralidade, orienta a prática jurídica e política, e abre à dimensão última da existência humana.
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