Pular para o conteúdo principal

Tomismo transcendental




1. Introdução: Contexto e Origem do Transcendental Thomism


O artigo inicia apresentando o contexto filosófico em que surge o Transcendental Thomism. Ele é uma tentativa de reconciliar a tradição tomista, baseada no realismo metafísico e na primazia do ser, com os desafios trazidos pela filosofia moderna, especialmente pelo idealismo transcendental de Immanuel Kant.


Essa corrente filosófica está associada principalmente ao jesuíta belga Joseph Maréchal (1878-1944), embora tenha influenciado outros pensadores católicos do século XX, como Karl Rahner e Bernard Lonergan.


A motivação central do Transcendental Thomism é responder às críticas da modernidade ao realismo ingênuo e ao dogmatismo metafísico, sem abandonar o compromisso com a objetividade do ser.


2. O Problema Epistemológico Moderno


A filosofia moderna, especialmente em Kant, destaca a função ativa do sujeito no conhecimento. O mundo conhecido não é algo simplesmente dado passivamente, mas é sempre mediado pelas estruturas do intelecto humano.


Por outro lado, a tradição tomista, baseada em Aristóteles, defende que o intelecto humano conhece as coisas como elas são em si mesmas, sendo o ser objetivo o primeiro objeto da inteligência.


O Transcendental Thomism busca unir essas duas perspectivas, reconhecendo a atividade do sujeito cognoscente, mas sem cair no idealismo subjetivo.


3. A Síntese de Joseph Maréchal: O Núcleo do Transcendental Thomism


Joseph Maréchal propõe que a filosofia de Tomás de Aquino já contém, implicitamente, um dinamismo transcendental em seu conceito de intelecto e de ser. Ele desenvolve essa ideia da seguinte forma:

O intelecto humano é dinâmico e orientado para o ser em sua totalidade.

O ato cognitivo é sempre uma síntese entre a experiência sensível e a abertura do intelecto ao ser.

A inteligência não apenas capta os fenômenos, mas transcende a experiência em busca do fundamento último do ser.


Assim, Maréchal defende que o intelecto humano possui uma exigência transcendental: ele busca sempre o ser, a inteligibilidade plena e última da realidade.


Esse dinamismo do intelecto implica que o ser é o horizonte transcendental do conhecimento humano.


4. O Conceito de “Ser como Horizonte Transcendental”


Para o Transcendental Thomism:

Todo ato de conhecimento humano implica, mesmo implicitamente, uma referência ao ser enquanto tal.

O ser é o horizonte transcendental que fundamenta a possibilidade do conhecimento.

Esse horizonte de ser não é construído pelo sujeito (como em Kant), mas é dado à inteligência, sendo o ponto de partida e o objetivo final do ato cognitivo.


Esse aspecto diferencia radicalmente o Transcendental Thomism do idealismo kantiano. Aqui, a atividade do sujeito é reconhecida, mas sempre em relação ao ser objetivo.


5. Abertura ao Absoluto e a Questão de Deus


Como o intelecto humano é ordenado ao ser em sua totalidade, ele se abre inevitavelmente ao Ser Absoluto – Deus.


Esse aspecto metafísico do Transcendental Thomism tem consequências teológicas significativas:

A busca intelectual humana pelo ser culmina, de forma natural, na abertura ao fundamento último do ser, ou seja, Deus.

O conhecimento de Deus é implícito e necessário como horizonte último da inteligência humana.


Isso resulta em uma concepção natural da abertura humana à transcendência, em oposição ao fideísmo ou a uma separação rígida entre razão e fé.


6. Diferenças Essenciais com Kant e o Idealismo


Embora o Transcendental Thomism dialogue com Kant, ele se distancia em pontos cruciais:





Assim, enquanto Kant acredita que conhecemos apenas as aparências moldadas pelas categorias do entendimento, o Transcendental Thomism insiste que o intelecto alcança o ser real e está orientado naturalmente para o absoluto.


7. Contribuições e Originalidade do Transcendental Thomism

Renovação da epistemologia tomista, incorporando as preocupações da modernidade.

Ênfase no dinamismo do intelecto humano e em sua abertura intrínseca ao ser.

Superação da dicotomia entre realismo dogmático e idealismo subjetivo.

Integração entre razão e transcendência, mostrando que a busca pelo ser conduz à ideia de Deus.


Essas contribuições foram particularmente relevantes na teologia do século XX, especialmente no pensamento de Karl Rahner, que desenvolveu a ideia do “ouvinte da palavra” e da experiência transcendental de Deus como estrutura fundamental do ser humano.


8. Críticas e Limitações


Apesar de suas inovações, o Transcendental Thomism recebeu críticas:

Excesso de idealismo: Alguns acusam Maréchal e seus seguidores de aproximarem-se demais do idealismo kantiano e hegeliano, comprometendo o realismo tomista.

Abstração excessiva: Há quem veja o enfoque transcendental como excessivamente abstrato e distante da experiência concreta.

Ambiguidade sobre o ser: Alguns críticos apontam que o conceito de “ser como horizonte” pode oscilar entre uma visão realista e uma interpretação idealista.


Essas críticas geraram debates que continuam influenciando a filosofia e a teologia contemporâneas.


9. Conclusão


O Transcendental Thomism representa uma tentativa inovadora e complexa de dialogar com a modernidade filosófica sem renunciar ao núcleo da metafísica tomista. Ele afirma que o intelecto humano, em todo ato de conhecer, está dinamicamente orientado para o ser e, em última instância, para Deus.


Essa abordagem:

Mantém o realismo metafísico de Tomás de Aquino.

Reconhece a atividade do sujeito no processo do conhecimento.

Reafirma a abertura intrínseca da razão humana ao absoluto.


Assim, o Transcendental Thomism permanece como um esforço significativo para atualizar e aprofundar a tradição tomista frente aos desafios da filosofia moderna.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Nota Mater Populi Fidelis: equilíbrio doutrinal e abertura teológica

A recente Nota doutrinal Mater Populi Fidelis , publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, representa um exemplo luminoso do equilíbrio eclesial característico do magistério autêntico. Ela não é nem maximalista nem minimalista: não pretende exaltar Maria acima do que a Revelação permite, nem reduzir sua missão à de uma simples discípula entre os fiéis. O documento reafirma com clareza a doutrina tradicional da Igreja: Maria cooperou de modo singular e insubstituível (por conveniência da graça) na obra da redenção realizada por Cristo. 1. A reafirmação da doutrina tradicional O texto recorda que a Virgem Santíssima participou de maneira única no mistério redentor — não como causa autônoma, mas como colaboradora totalmente dependente da graça. Sua participação é real e ativa, ainda que subordinada à mediação única de Cristo. Assim, a doutrina da cooperação singular de Maria na redenção e a doutrina da sua intercessão na comunhão dos santos permanecem plenamente válidas e reconhecid...

O título de Corredentora. Por que evitá-lo?

Dizer que o título de Corredentora aplicado a Maria não é tradicional, é ambíguo e deve ser evitado não significa diminuir nem obscurecer o singular papel da Mãe de Deus na história da salvação.  Maria foi ativa na obra da salvação, e o foi de maneira única e no tempo único da encarnação do Verbo, de sua paixão, morte e ressurreição. No entanto, a sua atividade é sempre uma resposta — uma resposta ativa — à graça e à absoluta iniciativa de Deus. O único autor da salvação é Deus mesmo. É o Pai, que envia o Filho e o Espírito. É o Filho, que, enviado do Pai, encarna-se por obra do Espírito e se doa até a morte de cruz, ressuscitando em seguida. É o Espírito do Pai e do Filho, que, enviado por ambos, age na Igreja e em cada coração aberto, humilde e sincero. Isso sempre foi claro para todo católico bem formado.  A disputa sobre a conveniência ou não do título Corredentora gira mais em torno de questões semânticas ou linguísticas do que sobre a importância e o lugar inquestionável...

Maria: tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe

Resumo do texto “Maria, tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe” – Pe. Elílio de Faria Matos Júnior ⸻ 1. Introdução O artigo propõe refletir sobre o mistério de Maria à luz do capítulo VIII da Lumen Gentium , mostrando-a como tipo (figura, exemplar) da Igreja, fundamentada em sua fé e caridade como resposta à graça divina. Nessa condição, Maria é colaboradora singular da salvação e mãe dos discípulos de Cristo e da humanidade. ⸻ 2. Maria, figura da Igreja No Concílio Vaticano II, havia duas tendências:  • Cristotípica: via Maria como figura de Cristo, acima da Igreja.  • Eclesiotípica: via Maria como figura da própria Igreja. Por pequena maioria, o Concílio optou por tratar Maria dentro da constituição sobre a Igreja, mostrando que ela deve ser compreendida a partir da comunidade dos redimidos. Assim, Maria pertence à Igreja como seu membro mais eminente, e não se coloca fora ou acima dela. Antes do Concílio, a mariologia frequentemente fazia paralelos ...