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Intelecto agente no tomismo transcendental

Dentro da perspectiva do Transcendental Thomism, o conceito do intelecto agente ganha nuances importantes, mas mantém um enraizamento essencial na tradição tomista clássica.


Vamos por partes para esclarecer bem:


1. O Intelecto Agente em Santo Tomás de Aquino


Na filosofia de Santo Tomás de Aquino, inspirada em Aristóteles, o intelecto humano é dividido em duas potências:

Intelecto paciente (ou possível): potência receptiva, que recebe as formas inteligíveis das coisas.

Intelecto agente: potência ativa, que abstrai as formas inteligíveis a partir dos dados sensíveis.


Ou seja, o intelecto agente é responsável por “iluminar” os dados dos sentidos e extrair a inteligibilidade das coisas, permitindo ao intelecto possível apreendê-las como objetos de conhecimento.


Esse processo é objetivo e realista: o intelecto agente não “cria” as formas, mas torna as formas presentes nos objetos acessíveis ao intelecto possível.


2. O Intelecto Agente na Perspectiva do Transcendental Thomism


Joseph Maréchal e os transcendentalistas tomistas não rejeitam essa estrutura clássica do intelecto agente e do intelecto possível. Porém, eles reinterpretam essa atividade intelectual dentro da dinâmica transcendental do conhecimento, enfatizando alguns aspectos:


a) Intelecto Agente como Fundamento da Atividade Dinâmica


Para o Transcendental Thomism, o intelecto agente é visto como a expressão da natureza dinâmica da inteligência humana, que:

Não se contenta com o imediato e o contingente.

Está sempre orientado ao ser em sua totalidade.

Possui um horizonte transcendental: em cada ato particular de conhecimento, o intelecto busca, implícita e inevitavelmente, o ser enquanto ser.


Ou seja, o intelecto agente não apenas abstrai as formas, mas revela o dinamismo transcendental da razão, que projeta o intelecto em direção à inteligibilidade plena do ser.


b) O Intelecto Agente como “Luz do Ser”


O intelecto agente é visto, por Maréchal e seus seguidores, quase como uma “luz interior” que não apenas abstrai, mas também testemunha a orientação constitutiva do intelecto para o ser.


Isso se liga à famosa ideia tomista de que o ser é o primeiro conhecido pelo intelecto humano (ens est primum quod cadit in intellectu). O Transcendental Thomism interpreta essa prioridade do ser como indicativa de que o intelecto agente é o princípio que coloca o intelecto em marcha rumo ao ser absoluto.


Assim, o intelecto agente é entendido não apenas como uma faculdade técnica de abstração, mas como o princípio transcendental da abertura do intelecto ao ser.


3. O Intelecto Agente e a Questão da Objetividade


Aqui se percebe uma tensão e uma contribuição importante:

No tomismo clássico, o intelecto agente garante o acesso objetivo ao ser, extraindo as formas das coisas.

No Transcendental Thomism, ele continua a cumprir essa função, mas é visto também como testemunha da capacidade do intelecto de transcender qualquer dado particular em direção ao horizonte do ser.


Dessa forma, o intelecto agente assegura tanto a objetividade do conhecimento quanto a orientação transcendental da razão para além dos dados sensíveis, rumo ao fundamento último da realidade.


4. Resumo Final: Intelecto Agente no Transcendental Thomism




5. Conclusão: Intelecto Agente como “Ponte” entre Realismo e Transcendentalismo


No Transcendental Thomism, o intelecto agente continua sendo o princípio de abstração das formas, mas ele se torna também o símbolo e a garantia da orientação transcendental do intelecto ao ser. Ele é a testemunha interior de que todo conhecimento particular aponta para o ser absoluto como horizonte último.


Essa leitura valoriza tanto o realismo tomista quanto o dinamismo da razão moderna, mostrando que conhecer não é apenas registrar passivamente, mas buscar ativamente o sentido último do ser.



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