Pular para o conteúdo principal

Apocalipse e linguagem apocalíptica



A linguagem apocalíptica está na Bíblia, mas não só. Fora da Bíblia, há escritos judaicos tardios (intertestamentários) que a utilizam (como o “Segundo Livro de Enoque) e também textos cristãos apócrifos (como o “Apocalipse de Pedro”). Na Bíblia, temos a linguagem apocalíptica em trechos veterotestamentários do livro Daniel (que confirma uma tendência de substituição do profetismo pelo apocaliptismo já presente em Ezequiel e no 2º e 3º Isaías), em trechos evangélicos (principalmente Mt 24) e no livro do Apocalipse.

Essa linguagem surgiu no povo judeu nos últimos tempos anteriores a Cristo. Na época de Jesus havia movimentos apocalípticos e Jesus mesmo terá tido uma veia apocalíptica, embora certos estudiosos digam que não fosse um apocalíptico exaltado.
 
O característico do gênero apocalíptico é a revelação (a palavra “apocalipse” quer dizer revelação) do segredo divino sobre a história, a conflagração deste mundo e o advento de um novo mundo de justiça instaurado por Deus. As imagens utilizadas são fortes e suas cores são intensas: fala-se de cataclismos, de desajustes cósmicos, de intervenção drástica da mão divina… Deseja-se incutir a ideia de que Deus está no controle de todas as coisas e de que sua ação final será grandiosa e infalível; de que este mundo de injustiças será destruído e de que uma nova era será inaugurada; a mentalidade apocalíptica está convencida de que, por parte dos homens, o mundo não tem salvação, caminha sempre para o pior, mas Deus não descuida de nada e intervirá em breve.
 
Os estudiosos em geral apontam para as causas sociológicas dos movimentos apocalípticos: sofrimento do povo por causa das injustiças, da opressão, dos privilégios de uns poucos, enfim, da desordem social. Essa realidade social negativa é lida pelo homem apocalíptico à luz da sua fé no Deus de justiça e de bondade. Assim nasce o movimento que espera e tem fé na ação divina.
 
Quando se lê um texto, deve-se levar em consideração o contexto em que foi escrito. Isso vale de modo particular para os textos apocalípticos, quer façam parte do cânon bíblico ou não. As imagens presentes neles não podem ser interpretadas ingenuamente. Antes de tudo, são imagens tiradas da cultura da época. Depois, são maneiras de dizer o indizível, de professar a fé de que o mundo, tão marcado pela prepotência e malfeitos dos homens, não está entregue a si mesmo, e de que há uma Inteligência extracósmica que fará triunfar o bem, a verdade e a justiça. São textos que querem incutir a esperança num mundo que parece inóspito para abrigar qualquer esperança. A intencionalidade profunda destes textos não está na materialidade das imagens empregadas, mas na fé de que o mundo não está sem um Guia sábio e justo e na esperança de sua atuação em favor do seu povo.



Comentários

  1. Pe. Elilio, de minha parte dou-lhe parabéns e agradeço está pertinente dissertação. Excelente e sintética conceituação. Obrigado.

    ResponderExcluir
  2. Paróquia de Nossa Senhora de LOURDES de Pedro Teixeira MG. ARQUIDIOCESE de Juíz de Fora.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Para esclarecer o conceito de “Padre da Igreja”

  Quem é Padre da Igreja?  Ratzinger procura responder através de uma reflexão interessante, que procuro expor abaixo:  A condição “paterna” e a audição da Palavra Para Joseph Ratzinger, seguindo a linha de Jean Daniélou e Michel Benoît, a figura do Padre da Igreja não se define por critérios externos ou sociológicos, mas por uma realidade teológica: o ser “pai” na fé da Igreja. Isso implica ser parte constitutiva do momento em que a Palavra revelada foi ouvida, discernida e configurada na vida da Igreja. A revelação cristã, diz Ratzinger, é uma palavra, mas a palavra só é verdadeiramente palavra quando é ouvida — quando encontra um sujeito que a acolhe, interpreta e a faz viver. Assim, não basta que Deus fale; é necessário que o povo de Deus escute. O tempo dos Padres é o tempo dessa escuta inaugural e configuradora. Essa audição não é apenas uma recepção passiva, mas um evento teológico: a Palavra se manifesta na medida em que é acolhida. Por isso, a Igreja primitiva nã...

Sexualidade e personalismo

  O tema “sexualidade e personalismo” se situa no cruzamento entre a ética e a antropologia filosófica, especialmente a partir da filosofia personalista de autores como Karol Wojtyła (São João Paulo II), Emmanuel Mounier e Gabriel Marcel. Eis uma síntese estruturada: ⸻ 1. Fundamentos antropológicos O personalismo entende o ser humano não como um indivíduo isolado, mas como uma pessoa, ou seja, um ser de natureza espiritual e relacional, dotado de interioridade, liberdade e capacidade de doação. A sexualidade, nesse contexto, não é apenas um dado biológico, mas uma dimensão constitutiva da pessoa, que expressa a abertura ao outro e a vocação ao amor e à comunhão. “O corpo, de fato, e só ele, é capaz de tornar visível o que é invisível: o espiritual e o divino.” — Karol Wojtyła, Teologia do Corpo ⸻ 2. O sentido da sexualidade A sexualidade, segundo o personalismo, tem duplo significado: • Unitivo: expressa o amor de comunhão e doação entre as pessoas; • Procriativo: está orde...

A totalidade do Ser e o acesso filosófico a Deus em Lorenz B. Puntel

1. Introdução: a retomada da metafísica Lorenz B. Puntel insere-se no esforço contemporâneo de reabilitar a metafísica, mas de forma criativa, com um projeto que ele denomina de “nova metafísica”. Em vez de simplesmente repetir modelos do passado ou rejeitar a metafísica sob influência kantiana, positivista ou heideggeriana, Puntel busca um ponto de partida radical: a capacidade estrutural da mente de apreender a totalidade do ser. Esse deslocamento inicial é decisivo. A filosofia moderna muitas vezes concentrou-se na relação sujeito/objeto, nas condições da experiência ou nas linguagens que estruturam o pensamento. Puntel recorda que tudo isso já pressupõe algo mais originário: que sempre nos movemos no horizonte do ser como um todo. É essa totalidade que se torna o objeto próprio da nova metafísica. ⸻ 2. A dimensão epistemológica: o dado originário da razão A primeira tese é epistemológica: a apreensão da totalidade do ser é um fato originário da razão. Quando pensamos, não pensamos ...