Pular para o conteúdo principal

Bíblia: noções introdutórias

Bíblia. A palavra vem do grego bíblos, livro. O diminutivo é bíblion, livrinho, que no plural se diz bíblia, livrinhos. O diminutivo perdeu sua força com o passar do tempo, de modo que bíblia ficou sendo sinônimo de livros. A Bíblia é uma coleção de livros: 46 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento.

Quando foi escrita a Bíblia? A Bíblia é formada por uma porção de livros, que foram escritos por diversos autores em diversas ocasiões e épocas. Os mais antigos textos da Bíblia são do século VIII/VII a.C. O Pentateuco não foi escrito antes do Exílio da Babilônia (séc. VI a.C.). Os livros dos Macabeus foram escritos às portas do Novo Testamento, no século II a.C. O Novo Testamento, por sua vez, foi escrito dos anos 50 d.C. até os anos 100 d.C. A 1ª Carta de São Paulo aos Tessalonicenses foi o primeiro escrito do Novo Testamento; os escritos joaninos, os últimos. Os evangelhos foram escritos nesta ordem cronológica (que não é ordem em que se encontram na Bíblia): Marcos (65), Mateus e Lucas (75/80) e João (95).

A Bíblia é inspirada por Deus? Sim, a fé cristã sustenta que a Bíblia é inspirada. Isso quer dizer que cada texto da Bíblia tem dois autores: autor humano e autor divino. Deus é o autor principal e o hagiógrafo é o autor instrumental. Mas é preciso entender bem como os dois autores agem. Deus não faz um milagre ao inspirar a Bíblia nem o cabedal cultural do autor humano é desconsiderado. A inspiração não é um ditado de Deus ao hagiógrafo. Deve-se dizer que Deus se serve do autor humano e dos seus conhecimentos para transmitir uma mensagem de salvação. A mensagem de Deus não tem a pretensão de ensinar noções de ciências naturais (física, biologia, botânica, geologia...) históricas ou humanas. Deus, na verdade, ilumina e move o hagiógrafo para que ele, com a cultura que tem, elabore um texto que transmita a mensagem divina, que é mensagem ordenada à salvação. A cultura profana de que que o autor humano dispõe é empregada como veículo da mensagem salvífica sem ser corrigida naquilo que tem de popular, pré-ciéntífica ou extra-científica. Assim, Deus não corrige nenhuma noção relativa ao conhecimento profano da época. Pensava-se, por exemplo, que era o Sol que girava em torno da Terra, e com essa mentalidade os textos bíblicos foram escritos. Deus não quer ensinar ciências naturais ou históricas, mas verdades religiosas, que em certos casos, porém, apoiam-se em certos acontecimentos ou eventos históricos bem precisos. Em outras palavras: a Bíblia não foi escrita como manual de ciências naturais, históricas ou humanas; a Bíblia é a cristalização, querida por Deus, do sentido religioso percebido e vivido pelo povo de Deus do Antigo e do Novo Testamento. De acordo com a fé de Israel e da Igreja nascente, Deus é o grande protagonista da história; ele intervém com instrução, consolação, admoestação, promessas e gestos de salvação. Ora, os diversos livros bíblicos recolhem a substância do protagonismo (ação do ator principal) de Deus na história, de modo que Deus é o autor principal desses livros.

O Novo Testamento recolhe a fase da grande e singular concentração do protagonismo de Deus através do Filho, Jesus Cristo. Por meio de Jesus, Deus se nos revela de modo mais perfeito. As atitudes, os gestos e os ensinamentos de Jesus nos mostram que Deus é amor e cheio de compaixão. O Antigo Testamento recolhe a fase histórica que prepara a grande manifestação de Deus em Jesus. Com o nosso olhar cristão, podemos ver todo o Antigo Testamento como um caminho para Cristo. Percorrendo esse caminho, as pessoas foram reconhecendo pouco a pouco que Deus é um só, que ele criou e sustenta todas as coisas, que ele age na história, que ele recompensa a quem o procura de coração sincero, que ele prefere a ética (o bom comportamento, a justiça) ao culto meramente exterior... Quando Jesus apareceu na nossa história, nós ficamos admirados com a grandeza de Deus, uma grandeza diferente, que se mostra no rebaixamento e no serviço amoroso. A cruz de Jesus representa esse rebaixamento e esse serviço amoroso. A ressurreição é a resposta de Deus à autoentrega de Jesus. Com a ressurreição de Jesus, Deus diz-nos que o amor que tivermos no coração e nas ações não ficará sem recompensa.

A Bíblia fala também do mal, pois ele é real e nos ameaça. O Povo de Deus e a Igreja sempre estiveram às voltas com o mal. Jesus o enfrentou e o venceu. A existência do mal é, no fundo, um mistério (veja o livro de Jó). Pela fé em Deus podemos superar o mal e vencê-lo definitivamente com a ressurreição. No livro do Apocalipse temos uma mostração, através de muitos símbolos, de como o bem e o mal travam uma luta quase cósmica. Deus, porém, que está no controle de tudo, fará o bem triunfar no final.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Nota Mater Populi Fidelis: equilíbrio doutrinal e abertura teológica

A recente Nota doutrinal Mater Populi Fidelis , publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, representa um exemplo luminoso do equilíbrio eclesial característico do magistério autêntico. Ela não é nem maximalista nem minimalista: não pretende exaltar Maria acima do que a Revelação permite, nem reduzir sua missão à de uma simples discípula entre os fiéis. O documento reafirma com clareza a doutrina tradicional da Igreja: Maria cooperou de modo singular e insubstituível (por conveniência da graça) na obra da redenção realizada por Cristo. 1. A reafirmação da doutrina tradicional O texto recorda que a Virgem Santíssima participou de maneira única no mistério redentor — não como causa autônoma, mas como colaboradora totalmente dependente da graça. Sua participação é real e ativa, ainda que subordinada à mediação única de Cristo. Assim, a doutrina da cooperação singular de Maria na redenção e a doutrina da sua intercessão na comunhão dos santos permanecem plenamente válidas e reconhecid...

O título de Corredentora. Por que evitá-lo?

Dizer que o título de Corredentora aplicado a Maria não é tradicional, é ambíguo e deve ser evitado não significa diminuir nem obscurecer o singular papel da Mãe de Deus na história da salvação.  Maria foi ativa na obra da salvação, e o foi de maneira única e no tempo único da encarnação do Verbo, de sua paixão, morte e ressurreição. No entanto, a sua atividade é sempre uma resposta — uma resposta ativa — à graça e à absoluta iniciativa de Deus. O único autor da salvação é Deus mesmo. É o Pai, que envia o Filho e o Espírito. É o Filho, que, enviado do Pai, encarna-se por obra do Espírito e se doa até a morte de cruz, ressuscitando em seguida. É o Espírito do Pai e do Filho, que, enviado por ambos, age na Igreja e em cada coração aberto, humilde e sincero. Isso sempre foi claro para todo católico bem formado.  A disputa sobre a conveniência ou não do título Corredentora gira mais em torno de questões semânticas ou linguísticas do que sobre a importância e o lugar inquestionável...

Maria: tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe

Resumo do texto “Maria, tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe” – Pe. Elílio de Faria Matos Júnior ⸻ 1. Introdução O artigo propõe refletir sobre o mistério de Maria à luz do capítulo VIII da Lumen Gentium , mostrando-a como tipo (figura, exemplar) da Igreja, fundamentada em sua fé e caridade como resposta à graça divina. Nessa condição, Maria é colaboradora singular da salvação e mãe dos discípulos de Cristo e da humanidade. ⸻ 2. Maria, figura da Igreja No Concílio Vaticano II, havia duas tendências:  • Cristotípica: via Maria como figura de Cristo, acima da Igreja.  • Eclesiotípica: via Maria como figura da própria Igreja. Por pequena maioria, o Concílio optou por tratar Maria dentro da constituição sobre a Igreja, mostrando que ela deve ser compreendida a partir da comunidade dos redimidos. Assim, Maria pertence à Igreja como seu membro mais eminente, e não se coloca fora ou acima dela. Antes do Concílio, a mariologia frequentemente fazia paralelos ...