Dizer que o título de Corredentora aplicado a Maria não é tradicional, é ambíguo e deve ser evitado não significa diminuir nem obscurecer o singular papel da Mãe de Deus na história da salvação.
Maria foi ativa na obra da salvação, e o foi de maneira única e no tempo único da encarnação do Verbo, de sua paixão, morte e ressurreição. No entanto, a sua atividade é sempre uma resposta — uma resposta ativa — à graça e à absoluta iniciativa de Deus. O único autor da salvação é Deus mesmo. É o Pai, que envia o Filho e o Espírito. É o Filho, que, enviado do Pai, encarna-se por obra do Espírito e se doa até a morte de cruz, ressuscitando em seguida. É o Espírito do Pai e do Filho, que, enviado por ambos, age na Igreja e em cada coração aberto, humilde e sincero. Isso sempre foi claro para todo católico bem formado.
A disputa sobre a conveniência ou não do título Corredentora gira mais em torno de questões semânticas ou linguísticas do que sobre a importância e o lugar inquestionável de Maria na obra da salvação. Ela foi cooperadora singular de Deus. A primeira cooperadora em ordem de importância. Sobre isso, todos os católicos estão de acordo.
Um dos motivos que pesam contra o título é que não é tradicional ou não pertence à linguagem tradicional da Igreja — a meu ver esse é o principal motivo. Só aparece no século XV, substituindo o título de Redentora, que vinha do século XI, e só se dissemina no século XIX e XX. Não pertence ao tempo dos Padres, e o fato de não estar nos Padres pesa muito para a fé e a teologia. Outro motivo é seu caráter semanticamente ambíguo. Ele pode ser usado em sentido ortodoxo, subordinando Maria a Cristo, de modo a enaltecer o seu papel de colaboradora, sem, contudo, equipará-la de algum modo ao único Redentor? Pode. E foi usado assim por santos, teólogos e papas. Mas, dada a ambiguidade, é melhor não usá-lo e substituí-lo por Cooperadora ou socia Christi. Na verdade, o título nunca foi objeto de consenso geral na Igreja, apesar de alguns papas terem-no usado em seu magistério ordinário.
Veja-se o que se encontra no Curso de Mariologia de Dom Estêvão Bettencourt, OSB, em tons praticamente idênticos ao da recente Nota Mater Populi Fidelis:
“Corredentora
No século X aproximadamente, entrou em uso o termo Redemptrix (Redentora) aplicado a Maria Santíssima. No entanto, este termo era impreciso e ambíguo. Por isso, a partir do século XV (ao que parece), os teólogos preferiram dizer “Corredentora”, título este que se foi propagando, embora tenha provocado hesitação e contestação da parte de bons autores, principalmente nos últimos tempos.
Vejamos como se posicionou o Magistério da Igreja frente a esta questão:
Nenhum documento de índole magisterial da Igreja usa a palavra “Corredentora” até nossos dias. Ela aparece, porém, em textos de importância subalterna, provavelmente por influxo de determinadas correntes teológicas. Assim:
a) Em 1908, a Sagrada Congregação dos Ritos respondeu afirmativamente ao pedido do Prior Geral da Ordem dos Servos de Maria, que desejava fosse a festa das Sete Dores de Maria elevada à categoria de festa de segunda classe e que se celebrava no terceiro domingo de setembro, “para que fomentem mais e mais a compaixão para com a misericordiosa Corredentora do gênero humano”. Notemos que a expressão não é da Congregação dos Ritos, mas do prior geral que fez o pedido.
b) Aos 27/03/1913, a Congregação do Santo Ofício concedeu indulgência aos cristãos que se saudassem mutuamente usando o nome de Jesus. Aos 12/08 do mesmo ano, o Ofício concedeu indulgência também àqueles que, por devoção à Bem-aventurada Maria, “nossa Corredentora”, acrescentassem à saudação o nome de Maria, dizendo: “Sejam louvados Jesus e Maria hoje e sempre!”. Note-se ainda que a expressão “Corredentora” foi usada pelos peticionários, e não pela Congregação do Santo Ofício.
c) Em 1914, a mesma Congregação concedeu cem dias de indulgência a quem recitasse uma oração de “Reparação à Bem-aventurada Virgem Maria”, oração que mencionava a “Corredentora do gênero humano”.
O Papa Pio XI usou tal título na oração de encerramento da Redenção em 1933, assim como em três discursos dirigidos a grupos diferentes nos anos de 1933, 1934 e 1935. Já o Papa Pio XII evitou essa expressão, provavelmente para não causar alguma possível controvérsia.
Neste sentido, o teólogo Hauke nos apresenta que:
“Reencontramos de novo o título de corredentora em alguns discursos de João Paulo II, mas nunca em documentos magisteriais (como a Redemptoris Mater). Esta utilização demonstra, entretanto, que não se trata de um termo proibido. Parece interessante citar uma comunicação oficial da Comissão do Concílio Vaticano II (sobre o tema De Beata): ‘Foram omitidas algumas expressões e palavras usadas pelos Sumos Pontífices as quais são veríssimas em si, mas podem ser entendidas com maior dificuldade pelos irmãos separados (especialmente os protestantes). Entre estas palavras suprimidas permanece a expressão: Corredentora do gênero humano (São Pio X, Pio XI) […]’. João Paulo II, evidentemente, considerou que um termo ‘veríssimo em si’ não deve ser suprimido por razões diplomáticas.”
(HAULKE, M., Introdução à Mariologia, p. 275).
Outros bons teólogos foram evidenciando certa ambiguidade entre os títulos de “Corredentora” e “Mediadora”, e os mal-entendidos que podiam suscitar, embora sejam suscetíveis de correta interpretação. O Concílio Vaticano II aplicou a Maria o predicado de Mediatrix (Medianeira) na Constituição Lumen Gentium (LG 62), não, porém, o de “Corredentora”.
Em conclusão, a Teologia hoje prefere não mencionar os dois termos referidos (não porque sejam errôneos, mas porque podem ser passíveis de má interpretação), embora reconheça que Maria foi associada à obra do Redentor e é cooperadora da Redenção.”
(Dom Estêvão Bettencourt. Curso de Mariologia. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2022).
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O artigo abaixo esclarece algumas coisas, embora sua replicação por mim não signifique que eu esteja de acordo com todas as suas afirmações:

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