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Convite ao eclesiocentrismo



O Cardeal Giacomo Biffi, arcebispo emérito de Bologna, faz um convite quase insuportável aos ouvidos que se consideram avançados e atualizados em matéria teológica: trata-se de um convite ao eclesiocentrismo. O quê? Isso mesmo. Um convite ao eclesiocentrismo. É o que podemos ler, estudar e meditar em seu livro sobre eclesiologia - La Sposa chiacchierata: invito all’ecclesiocentrismo -, que ganhou uma tradução portuguesa sob o título Para amar a Igreja. Belo Horizonte: Centro de Cultura e Formação Cristã da Arquidiocese de Belém do Pará / Editora O Lutador, 2009.
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O motivo que leva o arcebispo e cardeal da Igreja Giacomo Biffi a fazer um convite assim tão «desatual» é o seu amor pela verdade revelada em Cristo. A teologia para Biffi não se deve ocupar com discursos divagantes sobre hipóteses humanas, não deve fazer o jogo do «politicamente correto», mas deve, isto sim, contemplar a «res», isto é, a realidade que corresponde ao desígnio do Pai, a sua verdade. E com relação à verdade, tão impugnada por nossa cultura relativista e niilista, Biffi, com a visão e profundidade de um homem que sabe cultivar a interioridade da alma humana, assegura: «A verdade não é um luxo: de algum modo, cada um precisa chegar a ela agora, nestes poucos anos que nos são dados».[1] A caridade, que deve ser o princípio do agir cristão, não é de modo algum alheia à verdade, de modo que podemos dizer que «o grau mínimo do amor é justamente a homenagem incondicional à verdade».[2]

Ora, na perspectiva da teologia que busca compreender e contemplar a verdade sobre o desígnio do Pai, deve-se dizer que «não é exagero considerar que a eclesiologia é a pedra angular mais evidente e mais imediata da ortodoxia cristã e da qualidade de uma teologia: na concepção que se tem da Igreja vem a refletir-se a concepção que se tem de Jesus Cristo, do seu desígnio salvífico, da imagem do homem e, portanto, do próprio método teológico».[3] Poderíamos mesmo afirmar: «Dize-me qual é a tua concepção de Igreja, e eu te direi que tipo de cristão és».

Giacomo Biffi, logo de início, esclarece que rejeita a «eclesiolatria», isto é, a concepção segundo a qual a Igreja seria pensada e «adorada» como sede independente e autônoma da verdade ou como causa primeira de nossa salvação. Tal concepção é manifestamente errônea e, como tal, nunca foi ensinada pelo magistério eclesiástico. A Igreja, na verdade, deve ser comparada à lua, que recebe do Sol, que é Cristo, toda sua luminosidade. «A Igreja – ensina Santo Ambrósio - refulge não pela própria luz, mas pela luz de Cristo, e toma o seu esplendor do Sol da justiça».[4] Se «eclesiocentrismo» significa «eclesiolatria», não há espaço para o eclesiocentrismo numa autêntica teologia cristã, pois que «não existe na Igreja nada de santo, nada de positivo, nada de qualquer forma apreciável que seja autonomamente seu: tudo nela derivou do Senhor Jesus, tudo é reflexo da beleza e da plenitude do único Salvador».[5]

Não haveria, porém, um correto entendimento da palavra «eclesiocentrismo»? O Cardeal Biffi diz que sim, e mostra o porquê. Cristo, na verdade, é quem deve estar no centro, pois que é o único Salvador e Mediador entre Deus e os homens. É o centro da criação, pelo qual e no qual «foram criadas todas as coisas nos céus e na terra» (Cl 1,16) e «reconciliadas» (Cl 1,20). Deve-se, pois, afirmar sem titubeios o «cristocentrismo», no sentido de reconhecer «na humanidade do Filho de Deus encarnado o princípio objetivo (ou melhor, ontológico) da criação inteira, em todos os seus níveis e dimensões».[6] Mas o «Christus totus» é o Cristo acompanhado de seu corpo místico, que é a Igreja. Cristo sem sua Igreja, que é a parcela do mundo atingida pela renovação da graça, é um truncamento pernicioso. Ele é «a cabeça do corpo da Igreja» (Cl 1, 18). Desse modo, se se compreende bem o cristocentrismo, compreende-se também como a Igreja possa e deva ocupar uma «relativa centralidade».[7]

Os que rejeitam o eclesiocentrismo ou a relativa centralidade da Igreja, explica Biffi, rejeitam-no não para afirmar a centralidade de Cristo, que é sempre inseparável de sua Igreja, mas para sustentar que o «mundo» é que deve ocupar a centralidade e ser posto como realidade primordial em relação à Igreja. A rejeição do eclesiocentrismo baseia-se, no fundo, numa «cosmolatria», numa concepção que exalta o mundo e diminui a Igreja. O princípio teológico clássico, nem sempre bem entendido, segundo o qual «fora da Igreja não há salvação» (Concílio do Latrão IV), é facilmente substituído por um outro, julgado mais moderno e atual, que assim reza: «fora do mundo não há salvação» (E. Schillebeeckx).

Com efeito, o eclesiocentrismo bem entendido é a alternativa ortodoxa a toda e qualquer «cosmolatria», pois que é incompatível com toda «exaltação» do mundo. O eclesiocentrismo é hoje rejeitado porque parece que só se pode falar bem do mundo e mal da Igreja; de outro modo, somos tachados de «pré-conciliares». «E, na realidade, é preciso reconhecer que São João, São Paulo, São Tiago – que fazem do “mundo” destinatário de repetidas condenações – escreveram antes do Concílio Vaticano II».[8] Vigora atualmente na mente de muitos teólogos e pastoralistas, ainda que sem fundamento na Escritura e na Tradição, «a idéia de que pelo “mundo” a Igreja possa ser iluminada, e os discípulos de Jesus possam pelo “mundo” ser guiados à salvação ou ao menos espiritualmente enriquecidos».[9] Ora, o «mundo» pelo qual o Senhor não rezou (cf. Jo 17,9) e que nós somos chamados a não amar (cf. 1Jo 2,15) condensa uma existência afastada de Deus e contrária a seus desígnios. Não podemos ser ingenuamente otimistas com relação ao «mundo», a ponto de não reconhecer que nele atuam real e eficazmente forças obscuras e contrárias a Deus. O livro do Apocalipse fala sobejamente da luta travada na história entre as forças do bem e as do mal. Santo Agostinho diz a mesma coisa com os conceitos de «cidade de Deus» e «cidade terrestre» em constante litígio entre si. A «adoração» do mundo é fruto do otimismo ingênuo que tem vigorado na mentalidade dos católicos nas últimas décadas. Fruto desse mesmo movimento é a relativização ou marginalização da Igreja.

É verdade que a Escritura toma a palavra «mundo» em um sentido positivo. Assim, está dito que «de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3,16). O «mundo» aqui é a humanidade à espera de salvação e amada por Deus. Ora, mesmo tomando o vocábulo «mundo» nesse sentido positivo, como a humanidade a quem está endereçada a salvação, e desde que não se esqueça de que a Igreja é já a humanidade alcançada pela efusão pentecostal, «não se vê como negar à Igreja a importância e a centralidade no desígnio de Deus».[10] O mundo dever tornar-se Igreja, já que na Igreja o mundo alcança o fim para o qual foi criado. A Igreja, por sua vez, como atuação sacramental do Reino de Deus neste mundo, irá consumar-se nesse mesmo Reino por ocasião da manifestação plena e definitiva dos desígnios de Deus.

Destarte, podemos entender estas sábias palavras do Cardeal Biffi: «A Igreja não é chamada a “mundanizar-se”, é o mundo que deve mudar-se no Reino. E uma vez que, como nos ensina o Concílio Vaticano II, a Igreja é já a atuação sacramental do Reino (Lumen Gentium, 3: “Ecclesia seu Regnum Dei iam praesens in mysterio”), ela não pode ser pensada a não ser como a meta última da ação divina e a “forma” definitiva da criação».[11] Já o Pastor de Hermas, que foi escrito em Roma no séc. II, reconhecia que «Deus, que habita nos céus, do nada criou os seres, os multiplicou e os fez crescer em vista da sua santa Igreja».[12]

O melhor serviço, pois, que como cristãos e católicos podemos prestar ao mundo não consiste certamente em sempre lhe dar aquilo que lhe agrada, mas em proporcionar-lhe com humildade e caridade o conhecimento de Jesus Cristo, até que as fronteiras da Igreja, corpo místico de Cristo, e as do mundo possam coincidir, atingindo, assim, o mundo a finalidade para a qual foi criado. Não sem razão, Sua Santidade o Papa Bento XVI exortou os bispos brasileiros a promover «uma evangelização em que Cristo e a sua Igreja estejam no centro de toda explanação».[13]


[1] “La Scuola Cattolica”, 101 (1973), p.208. [2] Giacomo Biffi. Para amar a Igreja. Belo Horizonte: Centro de Cultura e Formação Cristã da Arquidiocese de Belém do Pará / Editora O Lutador, 2009, p. 29. [3] Inos Biffi. Atualidade de uma eclesiologia “desatual”. Apresentação de Para amar a Igreja, op. cit., p. 17. [4] Hexameron IV, 32. [5] Giacomo Biffi, Para amar a Igreja, op. cit., p. 33. [6]  Giacomo Biffi, Para amar a Igreja, op. cit., p. 38. [7] Giacomo Biffi, Para amar a Igreja, op. cit., p. 37. [8] Giacomo Biffi, Para amar a Igreja, op. cit., p. 34. [9] Giacomo Biffi, Para amar a Igreja, op. cit., p. 35. [10] Giacomo Biffi, Para amar a Igreja, op. cit., p. 35. [11] Giacomo Biffi, Para amar a Igreja, op. cit., p. 35. [12] Primeira Visão, cap. I (grifos nossos)[13] Encontro e celebração das Vésperas com os bispos do Brasil, Catedral da Sé, São Paulo, maio de 2007 (grifos nossos).

Comentários

  1. Olá meus irmãos,

    Gostaria que divulgassem o sorteio de um ícone bizantino.

    Acessem: www.ateliersantacruz.blogspot.com
    e participem!!!

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  2. A paz do Senhor Jesus !!!
    "O mundo dever tornar-se Igreja, já que na Igreja o mundo alcança o fim para o qual foi criado." Por isso ensinou um grande santo "que fora da Igreja Catolica Apostolica Romana nao há salvação" Hoje é rarissimo ver um sacerdote ensinando a doutrina de sempre da santa igreja romana. Muitos padres moderninhos estão mais preocupados em defender a terra a agua preferem os ensinamentos socialistas de karl Max por ai vai... Isso é muito triste! Que a santissima Virgem Maria te cubra com o seu manto e te guarde de todos os perigos. amem.

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  3. Olá Pe. Elílio,
    Entendo que ao enfrentar a cultura relativista e niilista, não se deve alterar (mediante novas interpretações) o sentido tradicional ou autêntico das terminologias (sobretudo quando isso é feito à revelia do sentido que o Magistério dá à determinada terminologia). É o caso, por exemplo, do termo “eclesiosentrismo”. Este termo é usado pelo Magistério para denunciar uma falsa concepção, ou seja, uma concepção segundo à qual a Igreja estaria fechada em si mesma e que a salvação não seria possível fora de sua estrutura visível. Neste sentido autêntico do termo, o Magistério afirma que não podemos acolher o eclesiocentrismo.
    Este termo acaba superexaltando a Igreja que, como disse Paulo VI, não é fim em si própria. O Papa João Paulo II explica isso em sua Encíclica Redemptoris missio nº 19. Contudo, o Cardeal Biffi demonstra saber que a Igreja não é uma realidade voltada sobre si mesma. De fato, como declara o Magistério, “a Igreja não é uma realidade voltada sobre si mesma, mas aberta permanentemente à dinâmica missionária e ecumênica, porque enviada ao mundo para anunciar e testemunhar, atualizar e expandir o mistério de comunhão que a constitui: a fim de reunir a todos e tudo em Cristo; ser para todos sacramento inseparável de unidade” (Papa João Paulo II: Encíclica Ut unun sint nº 5).

    No seu livro “Cruzando o Limiar da Esperança”, o Papa João Paulo II explicou assim : “Desse modo, portanto, o Concílio está longe de proclamar qualquer forma de “eclesiocentrismo”. O magistério conciliar é cristocêntrico em todos os seus aspectos e, por isso, é profundamente radicado no Mistério trinitário. No centro da Igreja se encontra sempre Cristo e o Seu Sacrifício...” (Cruzando o Limiar da Esperança : página 136).

    Assim, como afirmei, para se combater o relativismo não é necessário e nem conveniente alterar o sentido dos termos. A Igreja não é e nem pode ser “eclesiocêntrica”, mas sim “cristocêntrica”. A verdade não nasce da Igreja, mas de Cristo que a transmite através da Igreja. Cristo sim é o centro de tudo e isso é que a Igreja proclama e que devemos seguir.


    Luís Eugênio Sanábio e Souza em 03 de janeiro de 2010

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  4. Prezado Cristiano,
    Cristo sem sua Igreja é uma falsificação. A Declaração Dominus Iesus (2000) sustenta que mesmo aqueles que se salvam fora dos quadros visíveis da Igreja - porque é possível haver salvação fora das fronteiras visíveis da Igreja -, salvam-se por uma misteriosa relação com a Igreja, à qual Cristo uniu-se de modo irrevogável: “A Igreja é 'sacramento universal da salvação', porque, sempre unida de modo misterioso e subordinada a Jesus Cristo Salvador, sua Cabeça, tem no plano de Deus uma relação imprescindível com a salvação de cada homem” (n. 20). Continuemos a lutar para que Cristo e sua Igreja estejam no centro da obra evangelizadora, como quer o Papa Bento XVI.

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  5. Caro Pe. Elilio
    Ave Maria Sanctissima!

    Enviei um e-mail para o sr no endereço eletrônico pelilio@yahoo.com.br
    Estou aguardando sua resposta.

    Um forte abraço
    Lucas Lima

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  6. Prezado Lucas,
    Infelizmente não pude ver seu e-mail. Talvez o tenha apagado sem querer. Envie-mo de novo por favor.

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  7. Considerações complementares



    Caro Pe. Elílio,

    Dando continuidade aos meus comentários sobre as explicações do Eminentíssimo Cardeal Biffi, devo reafirmar que entendi perfeitamente o novo sentido que ele quis dar ao termo “eclesiocentrismo”. Trata-se apenas de uma questão "terminológica". O que eu quis destacar é que certas alterações terminológicas podem gerar confusão. Na realidade, na expressão “cristocentrismo” já está subentendido o fato de que Cristo é sempre inseparável da Igreja. Afinal, Cristo é a cabeça do corpo que é a Igreja (Cl 1,18). Sto. Tomás explicou assim: “Caput et membra sunt quasi una persona mystica” = “Cabeça e membros são como uma só pessoa mística” (S. Th. III,48,2, ad 1).

    É claro que mesmo quando se alcança a salvação fora da estrutura visível da Igreja, esta salvação está ligada à Igreja de maneira misteriosa, sobrenatural (como reafirmou a Declaração Dominus Iesus). Mas isso não equivale a nenhum “eclesiocentrismo” (no sentido tradicional do termo) porque esta expressão nos leva a entender que a Igreja seria o centro de tudo. Não é assim. Contra esta tentação, o Catecismo afirma : “No Símbolo dos Apóstolos, fazemos profissão de crer em uma Igreja Santa, e não na Igreja, para não confundir Deus com suas obras e para atribuir claramente à bondade de Deus todos os dons que ele pôs em sua Igreja” (Catecismo da Igreja Católica nº 750).

    Portanto, parece-me justo dizer que o “eclesiocentrismo” (no seu sentido autêntico) é uma tentação que surge neste necessário processo de combate ao relativismo. Combater o relativismo religioso e moral por meios lícitos é algo sempre necessário. Mas este combate não é isento de riscos. De fato, pode surgir esta tentação de “centralização” e de “fechamento” da Igreja e isso prejudica a sua dimensão ecumênica e missionária. De fato, é uma tentação que surge como errôneo meio de reação ao relativismo. Não seria o caso, por exemplo, do presidente da Associação Cultural Monfort (Sr. Orlando Fedeli) que permanece reacionário diante da abertura do Concílio Vaticano II ?

    Então eu entendo que devemos combater o relativismo com sabedoria e sem medo da abertura ao diálogo. Um exemplo desta coragem nos dará (mais uma vez) Bento XVI ao visitar a Sinagoga de Roma durante este mês. Sua abertura nada tem a ver com o relativismo, embora não agrade os reacionários.

    Este tipo de abertura é sem dúvida um progresso que o Concílio Vaticano II incentivou. Salvo engano, Bento XVI é o segundo Papa a entrar numa Sinagoga. Isso é fruto da graça de Deus !

    Um abração do Luís Eugênio Sanábio e Souza

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  8. Prezado Sanábio,
    A expressão "eclesiocentrismo" não é tradicional. Foi recentemente forjada por teólogos para condenar ou caricaturar o que ensinava o Magistério Eclesiástico anterior ao Vaticano II. No pensamento desses teólogos, o Vaticano II é que teria superado o que chamavam de eclesiocentrismo. Assim, a expressão nasceu sob o signo da negatividade e da impugnação, e muitos ficaram com medo de usá-lo. O Cardeal Biffi mostra, seguindo a Tradição, que a Igreja ocupa uma "relativa centralidade" no Plano de Deus. E mostra também que o Vaticano II não pretendeu mudar essa doutrina. Nesse sentido, a palavra "eclesiocentrismo" tem o seu lugar na teologia. Creio que o artigo que escrevi e as ideias do Cardeal Biffi de modo algum defendam uma Igreja voltada para si mesma. Ela é dinâmica, pois tem a missão de fazer com que as suas fronteiras coincidam com as do mundo. E assim como a lua recebe a luz do Sol, ela recebe de Cristo o que comunica. O artigo apenas relembra a Tradição: a Igreja não é um mero acessório no Plano de Deus, e assim, exerce o papel de uma "relativa centralidade" no desígnio salvífico. O mundo foi criado em vista da Igreja, que é o "fim final" da criação.

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  9. Prezado Pe. Elílio,
    É valida a discussão em torno da terminologia. Eu sustento minha posição porque indubitavelmente (ao contrário do sentido dado pelo Cardeal Biffi) o Magistério Supremo da Igreja tem usado a expressão "eclesiocentrismo" neste sentido negativo que se opõe ao Cristocentrismo. Prova disso, são as palavras de João Paulo II, segundo às quais "o Concílio está longe de proclamar qualquer forma de “eclesiocentrismo”. O magistério conciliar é cristocêntrico em todos os seus aspectos e, por isso, é profundamente radicado no Mistério trinitário" (Papa João Paulo II: Livro Cruzando o limiar da esperança, pg 136). João Paulo II também usou a expressão "eclesiocentrismo" na sua Encíclica Redemptoris missio neste mesmo sentido negativo da expressão : "Mais ainda, o Reino, tal como o entendem eles, acaba por marginalizar ou desvalorizar a Igreja, como reação a um suposto eclesiocentrismo do passado, por considerarem a Igreja apenas um sinal, aliás passível de ambiguidade" (nº 17). Depois, no nº 19 da mesma encíclica, ao comentar sobre alguns aspectos da missão da Igreja, João Paulo II diz : "Isto não nos deve fazer recear que se possa cair numa forma de eclesiocentrismo" (nº 19).
    Em todas estas passagens, João Paulo II fala do aspecto negativo que a expressão eclesiocentrismo representa. A Dominus Iesus também cita a expressão usada na Redemptoris missio (Dominus Iesus nº 19). No site da Santa Sé também encontramos a expressão eclesiocentrismo usada no seu sentido negativo. Foi usada num simpósio teológico-pastoral pelo Cardeal canadense Marc Oullet: "Es importante insistir sobre este hecho, ya que se cae hoy fácilmente en un eclesiocentrismo que pierde de vista la referencia constitutiva que tiene la Iglesia en Cristo como su fuente perenne y fundadora" (http://www.vatican.va/roman_curia/pont_committees/eucharist-congr/documents/rc_committ_euchar_doc_20041006_symposium-ouellet_sp.html.).
    Diante desses exemplos, fica difícil aceitar que a palavra eclesiocentrismo tenha o seu lugar na teologia.
    Contudo, caro Elílio, não coloco em dúvida a sua intenção e mesmo a intenção do Cardeal Biffi. Trata-se apenas de uma questão terminológica, como eu disse.
    Abraço,
    Sanábio

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