O livro Dialéctica de la secularización. Sobre la razón y la religión, fruto do diálogo entre Joseph Ratzinger e Jürgen Habermas, representa um marco no esforço de aproximar fé e razão em um mundo secularizado. Trata-se de um encontro singular, pois reúne dois pensadores que muitos consideravam intelectualmente opostos: de um lado, o teólogo então cardeal Ratzinger, defensor da centralidade da fé cristã; de outro, Habermas, expoente do pensamento laico iluminista. O tema discutido — se o Estado liberal e secularizado pode sustentar-se sem fundamentos éticos prévios — toca o coração das tensões atuais entre democracia, religião e racionalidade moderna.
Habermas sustenta que o Estado democrático pode fundamentar-se a partir de uma razão autônoma e pós-metafísica, sem necessidade de recorrer diretamente às tradições religiosas. Contudo, ele reconhece que a democracia enfrenta um déficit motivacional: para existir, não basta que as normas sejam juridicamente válidas, é preciso que os cidadãos estejam dispostos a agir solidariamente, a se engajar em favor do bem comum. Nesse ponto, Habermas admite que as tradições religiosas, longe de desaparecerem, permanecem vivas nas sociedades pós-seculares e carregam consigo um patrimônio moral de grande valor. Daí sua proposta de que a secularização seja entendida como um processo de aprendizado recíproco: a razão laica deve esforçar-se por compreender as convicções religiosas, e as religiões devem traduzir seus conteúdos normativos em uma linguagem acessível a todos. Assim, seria possível que crentes e não crentes convivessem em pé de igualdade no espaço público.
Mas é Ratzinger quem sublinha com vigor a necessidade de valores que não estejam sujeitos ao jogo das maiorias. O direito, afirma ele, não pode ser simples expressão da vontade dos mais fortes, nem pode depender apenas de maiorias circunstanciais, já que também estas podem ser cegas ou injustas. É preciso que haja algo que esteja além das decisões políticas, algo irrenunciável e inegociável, que todos devam reconhecer como fundamento da convivência humana. Esses valores não derivam de convenções históricas, mas da própria natureza do homem: a dignidade intrínseca de cada pessoa, o direito à vida, a liberdade vinculada à justiça, os direitos humanos fundamentais e a própria busca da verdade. Trata-se de pressupostos pré-políticos, sem os quais o Estado democrático perderia sua base ética e se reduziria a mera técnica de poder.
Ratzinger insiste que esses valores podem e devem ser reconhecidos pela razão, independentemente da fé. Ao mesmo tempo, ele alerta que a razão, quando isolada, pode cair em patologias destrutivas — basta pensar na bomba atômica ou nas manipulações genéticas que tratam o ser humano como produto. Do outro lado, também existem patologias da religião, quando esta se desvia em direção ao fanatismo e à violência. Por isso, Ratzinger propõe uma relação de purificação recíproca: a fé precisa da crítica da razão para não se deformar, mas a razão também precisa da fé para não se perder em seu próprio poder cego. É justamente nesse diálogo, tenso e fecundo, que se encontra a possibilidade de uma ética comum capaz de sustentar a convivência mundial.
O consenso em torno desses valores irrenunciáveis não pode ser simplesmente imposto, mas deve nascer do reconhecimento partilhado de que sem eles não há futuro para a liberdade nem para a dignidade humanas. É nesse horizonte que o diálogo entre Habermas e Ratzinger revela sua relevância: ambos apontam para a necessidade de um encontro entre perspectivas seculares e religiosas, mas Ratzinger lembra que há uma base que precede toda política, um núcleo ético derivado da natureza humana, que simplesmente não pode ser negociado. Em torno dele, razão e tradição religiosa são chamadas a cooperar e a se purificar mutuamente, oferecendo ao mundo uma via de esperança diante das crises de nosso tempo.

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