Pular para o conteúdo principal

A finitude como apelo ao Ser sem limites

O campo da disciplina filosófica chamada metafísica é o do fundamento último do real ou a visão do Todo. A metafísica é inegável porque sempre temos, implícita ou implicitamente, uma visão do Todo. Até mesmo para negar uma determinada visão do Todo, fazemos apelo a uma outra. Assim, a metafísica é eminentemente necessária e incontornável, e diz respeito à dimensão mais profunda do ser humano — aquela pela qual ele pode transcender o fenômeno e considerar o fundamento. 

Vivemos cercados por realidades finitas. Tudo o que conhecemos é marcado por limites: nasce, muda, depende, termina. Mas essa experiência comum esconde uma exigência ontológica profunda. Pois se tudo fosse finito, o próprio ser em seu todo estaria limitado. O que haveria além desses limites? Nada?

Mas o nada, rigorosamente falando, não é. Ele não pode limitar, não pode conter, não pode sequer se opor ao ser. O nada não existe! Afirmar que o finito está cercado pelo nada é dar ao nada um papel que ele não pode exercer. O limite, para ser real, deve se abrir a algo – e esse algo não pode ser o nada.

Por isso, a estrutura mesma do ente finito clama por algo que o transcenda. A limitação aponta para um Ser que não seja limitado. O finito exige o Infinito, não como mera soma indefinida, mas como Ser pleno – Ser que é inteiramente ser, sem sombra de não-ser, sem lacuna, sem contingência.

Esse Ser ilimitado não é outro ente finito, maior ou mais duradouro. Ele é o fundamento do ser em geral, a razão última pela qual há algo e não o nada. Nele, o nada é impossibilitado pela pura positividade do ser. Ele não é um ente entre outros, mas o próprio Ser – o ipsum Esse subsistens – a plenitude que faz ser tudo o que é.

Assim, a finitude do ente nos conduz, pela via negativa, ao reconhecimento de um Ser que não tem limites, e que, por isso mesmo, é chamado Deus pela linguagem religiosa. 

Tratar de modo consciente das questões que a metafísica levanta é um antídoto ao aprisionamento que o homem do nosso tempo tem-se imposto a si mesmo pela absolutização do finito — a economia, a técnica e os vários tipos de divertissement —, com o que procura, equivocadamente, preencher sua sede do Absoluto. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Nota Mater Populi Fidelis: equilíbrio doutrinal e abertura teológica

A recente Nota doutrinal Mater Populi Fidelis , publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, representa um exemplo luminoso do equilíbrio eclesial característico do magistério autêntico. Ela não é nem maximalista nem minimalista: não pretende exaltar Maria acima do que a Revelação permite, nem reduzir sua missão à de uma simples discípula entre os fiéis. O documento reafirma com clareza a doutrina tradicional da Igreja: Maria cooperou de modo singular e insubstituível (por conveniência da graça) na obra da redenção realizada por Cristo. 1. A reafirmação da doutrina tradicional O texto recorda que a Virgem Santíssima participou de maneira única no mistério redentor — não como causa autônoma, mas como colaboradora totalmente dependente da graça. Sua participação é real e ativa, ainda que subordinada à mediação única de Cristo. Assim, a doutrina da cooperação singular de Maria na redenção e a doutrina da sua intercessão na comunhão dos santos permanecem plenamente válidas e reconhecid...

Maria: tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe

Resumo do texto “Maria, tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe” – Pe. Elílio de Faria Matos Júnior ⸻ 1. Introdução O artigo propõe refletir sobre o mistério de Maria à luz do capítulo VIII da Lumen Gentium , mostrando-a como tipo (figura, exemplar) da Igreja, fundamentada em sua fé e caridade como resposta à graça divina. Nessa condição, Maria é colaboradora singular da salvação e mãe dos discípulos de Cristo e da humanidade. ⸻ 2. Maria, figura da Igreja No Concílio Vaticano II, havia duas tendências:  • Cristotípica: via Maria como figura de Cristo, acima da Igreja.  • Eclesiotípica: via Maria como figura da própria Igreja. Por pequena maioria, o Concílio optou por tratar Maria dentro da constituição sobre a Igreja, mostrando que ela deve ser compreendida a partir da comunidade dos redimidos. Assim, Maria pertence à Igreja como seu membro mais eminente, e não se coloca fora ou acima dela. Antes do Concílio, a mariologia frequentemente fazia paralelos ...

O título de Corredentora. Por que evitá-lo?

Dizer que o título de Corredentora aplicado a Maria não é tradicional, é ambíguo e deve ser evitado não significa diminuir nem obscurecer o singular papel da Mãe de Deus na história da salvação.  Maria foi ativa na obra da salvação, e o foi de maneira única e no tempo único da encarnação do Verbo, de sua paixão, morte e ressurreição. No entanto, a sua atividade é sempre uma resposta — uma resposta ativa — à graça e à absoluta iniciativa de Deus. O único autor da salvação é Deus mesmo. É o Pai, que envia o Filho e o Espírito. É o Filho, que, enviado do Pai, encarna-se por obra do Espírito e se doa até a morte de cruz, ressuscitando em seguida. É o Espírito do Pai e do Filho, que, enviado por ambos, age na Igreja e em cada coração aberto, humilde e sincero. Isso sempre foi claro para todo católico bem formado.  A disputa sobre a conveniência ou não do título Corredentora gira mais em torno de questões semânticas ou linguísticas do que sobre a importância e o lugar inquestionável...