Note-se desde o início que, embora falem do Ser como núcleo de seu pensamento filosófico, Tomás e Heidegger têm perspectivas e propósitos diferentes. Em ambos, como quer que seja, o Ser não se reduz ao nível dos entes, mas é o que possibilita, faz ou deixa ser os entes.
O Ser de Heidegger se manifesta no tempo, mas não se sabe se existe além do tempo. O ponto de intersecção que pode haver entre as duas abordagens é a manifestação no tempo. É verdade que Tomás fala, ainda que de maneira prevalentemente negativa, dos atributos do Ser em termos de eternidade, imobilidade, simplicidade… Mas essa fala não derroga, a meu ver, a manifestação do Ser no tempo em termos de concretude existencial, isto é, a experiência do Ser como experiência humana de sua luz na finitude da existência. Aliás, em Tomás, o reconhecimento do Eterno só se dá a partir da finitude do temporal, de onde tem início o filosofar.
De outro lado, acho que falta a Heidegger uma perspectiva além do tempo, que, por força do seu finitismo, é totalmente desconsiderada. Vejo que a inteligência humana tem um caráter supratemporal, para o que Heidegger parece não querer ter olhos.
O Ser de Tomás é considerado sobretudo como a causa eterna dos entes temporais, mas, justamente por ser a Causa primeira ou transcendental, o Ser é reconhecido em sua transcendência sobre o tempo, o que bem mostra a capacidade da inteligência humana alcançar, ainda de que esguio, o Eterno. Falo aqui de reconhecimento da eternidade do Ser, não de visão, pois o Ser, para Tomás, não é objeto de visão ou intuição como o são os entes finitos da experiência. Se se quer, se pode falar de uma visão de esguio, pois que o Ser tomásico só é visto indiretamente como Fonte dos entes temporais.
Tanto o Ser de Heidegger quanto o Ser de Tomás atuam como luz no homem. Heidegger fala da luz do Ser como clareira (Lichtung). O Ser possibilita a visão dos entes. Os entes se manifestam na luz do Ser. Mas em Heidegger, como se notou, essa luz nunca ultrapassa a finitude temporal, ao passo que em Tomás podemos ver que a luz do Ser, que brilha no intellectus agens do homem, ao mesmo tempo que possibilita a visão da finitude, possibilita também, por um movimento de reflexão total (redditio completa), o reconhecimento do infinito, isto é, o reconhecimento de que a luz no homem que ilumina o finito é, em certo sentido, infinita, fazendo referência ao Ser em sua eternidade.
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