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“Modelos de Revelação”, de Avery Dulles

 


O livro Models of Revelation, de Avery Dulles, apresenta uma análise detalhada da teologia da revelação, abordando como esse conceito tem sido compreendido ao longo da história cristã e, especialmente, no pensamento teológico moderno. O autor busca organizar e avaliar as principais abordagens sobre a revelação, agrupando-as em cinco modelos distintos. Seu objetivo não é apenas descrever essas perspectivas, mas também compará-las e explorar suas limitações e potenciais convergências.



PARTE I: OS MODELOS DE REVELAÇÃO


Na primeira parte do livro, Dulles apresenta os principais modelos que os teólogos têm utilizado para compreender a revelação de Deus.


1. Modelo da Revelação como Doutrina

A revelação é entendida como um conjunto de verdades proposicionais ensinadas por Deus e transmitidas por meio da Bíblia e/ou da tradição eclesiástica.

Para os protestantes dessa linha, a Bíblia é a fonte exclusiva da revelação, sendo inspirada e inerrante.

Para os católicos, a revelação é preservada tanto na Escritura quanto na tradição da Igreja, que age como guardiã e intérprete infalível.

Esse modelo enfatiza a objetividade da revelação e sua capacidade de fornecer um corpo de doutrinas que orientam a fé e a moral dos cristãos.

Críticas: Tende a ser excessivamente racionalista e autoritário, reduzindo a revelação a proposições dogmáticas e ignorando sua dimensão existencial e histórica.


2. Modelo da Revelação como História

A revelação é vista como a manifestação de Deus em eventos históricos, especialmente os registrados na Bíblia.

A revelação não se restringe a doutrinas, mas ocorre principalmente nos grandes atos de Deus, como a libertação do povo hebreu, a encarnação de Cristo e a ressurreição.

A Bíblia é testemunha dessa revelação histórica, mas não a revelação em si.

Esse modelo enfatiza o dinamismo da revelação e sua ligação com a história da salvação.

Críticas: Pode levar ao historicismo, tratando a revelação apenas como um relato passado e não como uma realidade presente e vivente.


3. Modelo da Revelação como Experiência Interior

A revelação é compreendida como uma experiência direta do divino na consciência humana.

Esse modelo enfatiza a dimensão subjetiva e mística da revelação, vista como a percepção interior da presença de Deus.

Foi influenciado pelo pensamento de Friedrich Schleiermacher e por movimentos como o Modernismo católico.

Destaca a ação do Espírito Santo e a experiência pessoal da graça.

Críticas: Corre o risco de cair no subjetivismo e relativismo, onde a revelação depende apenas da experiência individual e não tem critérios objetivos claros.


4. Modelo da Revelação como Presença Dialética

Defendido por teólogos como Karl Barth e Emil Brunner, esse modelo enfatiza que Deus se revela por meio de sua Palavra, mas de maneira paradoxal: Ele se manifesta e, ao mesmo tempo, permanece oculto.

A revelação ocorre de forma dialética, ou seja, não é um objeto a ser possuído ou analisado racionalmente, mas um evento no qual Deus se faz presente.

Essa abordagem rejeita tanto a revelação como doutrina fixa quanto a experiência subjetiva, insistindo que Deus só pode ser conhecido na medida em que Ele se dá a conhecer.

Críticas: Pode levar a um fideísmo extremo, onde a revelação se torna um evento puramente existencial e perde qualquer base objetiva.


5. Modelo da Revelação como Nova Consciência

Modelo mais recente, enfatiza a revelação como um processo no qual a humanidade desenvolve uma nova percepção de Deus, do mundo e de si mesma.

Está relacionado a teologias progressistas, como a Teologia da Libertação e a Teologia Política, que veem a revelação ocorrendo nos movimentos históricos de transformação social.

Defende que Deus se manifesta através da consciência coletiva da humanidade e da luta por justiça e libertação.

Críticas: Corre o risco de se tornar uma forma de secularismo religioso, dissolvendo a revelação em processos históricos e sociopolíticos.


Comparação dos Modelos (Capítulo VIII)


Dulles compara os cinco modelos e aponta que nenhum deles, isoladamente, é suficiente para expressar toda a complexidade da revelação cristã. Cada um destaca um aspecto legítimo, mas também tem limitações. Ele sugere que um modelo integrador, baseado na mediação simbólica, pode oferecer uma abordagem mais equilibrada.




PARTE II: A REVELAÇÃO EM SEUS CONTEXTOS TEOLÓGICOS


Na segunda parte do livro, Dulles explora como a revelação se relaciona com outros aspectos centrais da fé cristã.


Capítulo IX: Mediação Simbólica

Dulles propõe a “mediação simbólica” como um princípio unificador que pode integrar elementos dos diferentes modelos.

A revelação não se dá apenas em doutrinas, eventos históricos, experiências interiores ou ações sociais, mas através de símbolos que apontam para a realidade transcendente.

Os símbolos religiosos não são meros signos humanos, mas meios pelos quais Deus se comunica.


Capítulo X: Cristo como Cume da Revelação

A revelação atinge seu ápice na pessoa de Jesus Cristo.

Todas as formas de revelação devem ser avaliadas à luz da revelação suprema que ocorre em Cristo.


Capítulo XI: Revelação e as Religiões

Explora como outras religiões podem conter elementos de revelação divina e como o cristianismo pode dialogar com elas sem perder sua identidade.


Capítulo XII: A Bíblia como Documento da Revelação

A Bíblia é fundamental para a fé cristã, mas deve ser lida de maneira dinâmica e interpretada à luz da tradição e da experiência da Igreja.


Capítulo XIII: A Igreja como Portadora da Revelação

A Igreja tem a responsabilidade de transmitir e interpretar a revelação ao longo da história.


Capítulo XIV: Revelação e Escatologia

A revelação não é um evento do passado, mas um processo que continua e será plenamente realizado na consumação escatológica.


Capítulo XV: A Aceitação da Revelação

A fé é a resposta humana à revelação divina, e essa resposta deve envolver tanto o intelecto quanto a experiência e a ação.


Capítulo XVI: Conclusão – O Valor da Revelação Hoje

Dulles revisita as objeções modernas à revelação e defende que a revelação é essencial para a fé cristã, mas precisa ser constantemente reinterpretada em resposta aos desafios do mundo contemporâneo.




Conclusão Geral


O livro de Dulles é uma tentativa abrangente de mapear os principais conceitos da revelação cristã e avaliar suas forças e fraquezas. Ele argumenta que a revelação não pode ser reduzida a um único modelo, mas deve ser compreendida de maneira integrativa. Sua abordagem simbólica oferece um caminho intermediário entre a objetividade dogmática e o subjetivismo radical, sugerindo que a revelação ocorre através de múltiplas formas de mediação.


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