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D. Estêvão Bettencourt e Leonardo Boff sobre a Teologia da Libertação

No centro de nova polêmica, a Teologia da Libertação é debatida por Leonardo Boff e Dom Estêvão Bettencourt

 JORNAL DO BRASIL - Domingo, 18 de Fevereiro de 1996 - Caderno B

CELINA CÔRTES

A doutrina conhecida como Teologia da Libertação (TL) sofreu um duro golpe no último dia 5, quando, em sua viagem por países da América Central, o Papa João Paulo II declarou que, com a queda do comunismo, “caiu também a Teologia da Libertação”. Preocupada com uma prática que busque soluções para a injustiça social na América Latina, a corrente progressista chegou a ser vista como uma ameaça de desmembramento dentro da Igreja. Por isso, seu maior defensor no Brasil, o teólogo franciscano catarinense Leonardo Boff, 57 anos, acabou condenado a passar 11 meses em silêncio, em 1985, sob a acusação de duvidar da origem divina da hierarquia católica em seu livro Igreja, carisma e poder (1981). Segundo Boff, que abandonou a batina, o processo que culminou com a punição teve a intensa participação do monge beneditino carioca Estêvão Bettencourt, 76 anos, identificado com o setor mais conservador da Igreja. Agora, com a recente manifestação do papa sobre a Teologia da Libertação, Boff e Dom Estêvão aceitaram com grande entusiasmo a proposta de que fosse realizado um debate sobre o tema, via fax. Na troca de perguntas e respostas, publicadas abaixo e na página 5, Dom Estêvão acusa a TL de ter provocado uma debandada de fiéis. Boff contra-ataca criticando o que chama de Igreja hierárquica. No debate, cada qual defende, a seu modo, a opção da Igreja pelos pobres.

Leonardo Boff pergunta a Dom Estêvão

- O papa escreveu numa carta aos bispos, em 1986, que a Teologia da Libertação (TL) “é não só oportuna mas útil e necessária” e representa uma “nova etapa da reflexão teológica”. Agora, 10 anos depois, segundo os jornais, diz que esta teologia desapareceu com a morte do socialismo. O papa não pode estar contra o papa. Como o senhor entende essas opiniões contrárias?

- A afirmação acima não pode ser desvinculada do seu contexto. Ora, o contexto em foco é o seguinte: após convidar os bispos do Brasil a procurar respostas coerentes com os ensinamentos do Evangelho, da Tradição viva e do perene Magistério da Igreja, diz o papa: “Estamos convictos (…) de que a Teologia da Libertação é não só oportuna, mas útil e necessária. Ela deve constituir uma nova etapa - em estrita conexão com as anteriores - daquela reflexão teológica iniciada com a tradição apostólica e continuada com os grandes padres e doutores, com o Magistério ordinário e extraordinário e, na época mais recente, com o rico patrimônio da Doutrina Social da Igreja (DSI) expressa em documentos que vão da Rerum Novarum à Laborem Exercens”. Poucos meses após tal carta, o papa a mencionava em Bogotá e dizia: “Quis recordar que a Teologia da Libertação deve desenvolver-se em sintonia e sem rupturas com a Tradição teológica da Igreja e de acordo com a sua Doutrina Social”. A prova de que a controvertida TL não atende a essas exigências é a Instrução Libertatis Nuntius (6/8/84), que aponta os aspectos nevrálgicos da TL. Na verdade, há várias modalidades de TL, a começar pela de São Paulo, que é paradigmática e prega a libertação do gênero humano escravizado pelo pecado; esta é a TL autenticamente cristã, sendo a instauração da justa ordem social um corolário de tal doutrina. Por conseguinte, quando o papa afirma que a TL outrora controvertida está extinta, ele não se contradiz.

Dom Estêvão pergunta a Leonardo Boff

- Como justificar o recurso da Teologia da Libertação à análise marxista, que é materialista e atéia? A árvore má não pode dar frutos bons (Mt 7,18). O ateísmo não pode contribuir para elaborar uma síntese de fé.

- Os teólogos da libertação nunca assumiram o marxismo como uma cosmovisão unitária, explicativa do homem, do mundo, de corte declaradamente atéia. Seguiram o Papa Paulo VI na encíclica Octogesima Adveniens de 1971, que acolhe distinções no marxismo, como uma prática de luta de classes, como forma de governo de partido único, como maneira de organização da sociedade de molde socialista e, por fim, como um método de análise social e política. Muitos teólogos da libertação, nem todos, assumiram várias categorias da tradição marxista, seja de Marx (a importância do econômico na compreensão da sociedade, a mercadoria como fetiche, a categoria da alienação etc), seja de Gramsci (a importância do político, do bloco histórico, a função positiva da religião na formação da consciência libertária), seja no marxismo acadêmico francês (Althusser). Estas categorias nos permitiram ver com clareza a irracionalidade e a desumanidade do sistema do capital. Marx deixou-nos evidente que o pobre não é um pobre, mas um empobrecido e um oprimido, lição que os papas recentes e os bispos latino-americanos em Puebla (1979) tardiamente também aprenderam. Lição que não devemos esquecer nos dias de hoje, ofuscados pelo neoliberalismo que, para garantir seu nível de acumulação mundialmente integrado, custa ao grande Sul uma Hiroxima-Nagasaki a cada dois dias. A análise vale pela luz que ela produz, não pelo fato de ser atéia ou teísta. Prefiro mil vezes um médico ateu e bom que me cura do que um médico mui cristão e incompetente que me mata. O Espírito Santo falou por Marx, pois, como disse São Tomás de Aquino, repetindo uma longa tradição: “Qualquer verdade, seja quem for que a diga, provém do Espírito Santo através de quem a fala”. Pobre seria a síntese cristã que não aprendesse nada de Marx nem incorporasse as verdades que por ele o Espírito nos disse. Não assim pensou o Papa Xisto V, que mandou colocar um obelisco egípcio bem no centro da Praça de São Pedro com os seguintes dizeres: “Xisto V, Pontífice Máximo, mandou transportar com muita fadiga até a Sé dos Apóstolos este obelisco vaticano, que outrora fora dedicado ao ímpio culto dos deuses pagãos”.

Impasse entre Boff e Estêvão

Nas perguntas e respostas a seguir, Dom Estêvão Bettencourt e Leonardo Boff discutem uma questão aparentemente velha mas atualíssima: de que forma a Igreja pode contribuir diante do quadro de desigualdade social. Para Dom Estêvão, a Teologia da Libertação (TL), ao filtrar sua teoria à luz do marxismo, distanciou o povo da Igreja. “Só se ouviam discursos de ordem política, provocadores do ódio”, diz o teólogo, para quem não é necessário se filiar à TL para responder à problemática social. “Basta conhecer o Evangelho e proceder de acordo”, resume.

Já Leonardo Boff critica o paternalismo e o assistencialismo da Igreja. “Ela faz muito para os pobres mas muito pouco com os pobres e quase nada a partir dos pobres”. Segundo Boff, o importante é que o povo seja sujeito de sua prática social e, para tanto, a libertação espiritual tem que envolver também uma libertação econômica, cultural e política. E parafraseando Jesus Cristo, sintetiza: “O mais importante é a justiça, depois o pagamento dos dízimos da Lei”.

Leonardo Boff pergunta a D. Estêvão

- Haja ou não Teologia da Libertação, é inegável que os pobres estão aí e aumentam em nível mundial. Pobreza, bem disseram os bispos latino-americanos em Puebla, em 1979, não é uma etapa casual mas o resultado de determinadas estruturas econômicas, sociais e políticas. Isso foi dito por Marx um século antes. Portanto, pobreza é empobrecimento, opressão. É eticamente uma injustiça e teologicamente um pecado social. E se é pecado, tem a ver com Deus e contra Deus. O oposto à opressão é a libertação. Os cristãos, por seu ideário, devem ter uma prática de libertação. E quando criam a teoria desta prática nasce a Teologia da Libertação. O que o senhor pensa disso?

- Quer aceitemos ou não, há um fato inegável: a Teologia da Libertação aproximou muito os bispos, padres, religiosos e leigos do mundo dos pobres. Por causa da prática libertadora, a Igreja latino-americana é a única atualmente que tem mártires, desde arcebispos como Dom Romero até simples leigos que foram seqüestrados, torturados e mortos. Sempre se entendeu o martírio como o grande argumento da veracidade da opção dos cristãos. Parece que as autoridades do Vaticano têm dificuldade em reconhecer esse testemunho. Como interpreta tal hesitação?

- Data venia, contesto a afirmação. Abstração feita de casos particulares, verificamos que a TL provocou divisões no povo cristão. Os respectivos teólogos puseram-se a falar de “Igreja que nasce do povo”, ou “Igreja popular” em oposição à hierarquia. A oposição se verificou nitidamente nos encontros das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Em Canindé, por exemplo, em julho de 1983, os militantes diziam que opção pelos pobres significa povo unido e povo unido sifnifica opção de classes: povo unido indica também uma nova prática que revela o conflito social, que tem como função pedagógica desmascarar ou então revelar a opção de classe. Em Trindade (GO), em 1986, dizia um militante: “CEBs somos nós. Vamos acabar com a hierarquia eclesial”. Ao que outro respondeu: “Não é o caso de acabar com a hierarquia; os bispos e os padres… devem se converter ao povo”. As CEBs nem sempre quiseram romper os laços com a hierarquia, mas fizeram questão de que a hierarquia estivesse do lado delas. Leonardo Boff resumiu seu pensamento numa frase: “O importante não é saber se há povo sem bispos, mas se há bispos sem povo”. Quanto aos mártires, notemos que o conceito bíblico e clássico de martírio é “morte em testemunho da fé” (in odium fidei, por causa do ódio à fé da parte dos algozes). Ora, podemos dizer que os “mártires da América Latina” não morreram por professarem a fé cristã, odiada por seus carrascos; morreram sim por causa de opção sócio-política (compatível com o ateísmo) contrária a outra opção sócio-política (da ordem constitucional vigente).

- O senhor não acha que as idas e vindas do Vaticano com referência à Teologia da Libertação, que dá centralidade às causas dos pobres, e às reticências face à opção preferencial pelos pobres contra a sua pobreza, não acabam por escandalizar os pobres e finalmente confirmam a idéia ou o preconceito de que a Igreja é hierárquica, contra-revolucionária e conservadora, mais perto dos palácios dos Césares do que da barca do pobre Pedro?

- Durante os anos em que se debateu a TL, os pobres debandaram maciçamente da Igreja, apesar da propalada opção preferencial pelos pobres. Estes iam à Igreja sequiosos de ouvir uma palavra sobre Deus e os valores espirituais (dos quais os pobres nãoa são menos famintos que os demais homens), mas só ouviam discursos de ordem política, provocadores do ódio, da desconfiança, da luta… Muitos se escandalizaram com a politização geral do Cristianismo, com os abusos cometidos na Liturgia, com o teor passional dos cantos pastorais, com o conteúdo dos sermões (que jogavam uns contra os outros), com a perda de identidade de quem devia dar a nota religiosa às assembléias de culto… A Igreja não é favorável ao uso da violência para a reforma social, pois violência gera violência. O papa tem representado a Igreja com brio, visto ser o único líder mundial que nos cinco continentes encontra audiência atenta (ver Filipinas em janeiro de 1995, onde três milhões de jovens se reuniram); de maneira simples, sem estilo de pa- lácio dos Césares. Como verdadeiro sucessor de Pedro, mas em tom vigoroso, tem pregado a renovação da sociedade, preconizando, antes do mais, a conversão dos corações sem a qual a reforma das estruturas será sempre vã.

D. Estêvão pergunta a Leonardo Boff

- Como entender um Cristianismo arreligioso, em que “a oração, a missa e os sacramentos não são a parte mais importante… Um Cristianismo que não confere um sentido objetivo e sobrenatural à luta popular, mas é a luta popular que dá sentido à fé?” (Cf. Clodovis Boff, Do político, pp. 102-107).

- Dom Estêvão cita e resume mal a opinião de meu irmão, também teólogo, Clodovis. Permito-me citá-lo e depois entro nos méritos do debate: “Quando lutamos pelos homens, sobretudo pelos oprimidos, lutamos por Ele, Deus, quer saibamos, quer não. Então, não é a presença dos cristãos que confere a um movimento histórico seu caráter sobrenatural. Depende da retidão ética de seus agentes. A presença da salvação na libertação histórica é objetiva… Toda história humana se desenrola dentro da ordem da salvação, ou seja, sob o signo real da salvação oferecida desde sempre e que os homens aceitam ou rejeitam através de suas práticas… Não é a fé que confere um sentido sobrenatural ou divino à luta. É o inverso que ocorre: é esse sentido objetivo e intrínseco que confere à fé sua força” (Da libertação, Vozes 1980, 106-107). Vamos traduzir em palavras simples este dialeto teológico. Deus empapa a história. Está sempre presente e atuante em sua criação e nas práticas humanas. Por aí vai realizando seu desígnio em articulação com os desígnios humanos. Assim, se Fidel Castro ou Mao Tse-Tung por suas revoluções conseguem mais vida e meios de vida para suas populações, como saúde, educação, lazer, justiça e beleza, significa que bens do Reino de Deus, dimensões do desígnio divino se realizaram, quer eles queiram ou não, quer creiam ou não. O conteúdo divino ou “sobrenatural” (não gosto desta palavra porque é ambígua e uma criação da teologia recente, Tomás de Aquino nem conhece esta categoria) está garantido pela retidão de tais práticas políticas. Por isso um confrade do Mosteiro de São Bento, Dom Marcos Barbosa, podia poetar em boa teologia: “Varredor, que varres a rua, tu varres o Reino de Deus”. Mas essa libertação não é integral porque não incorpora a explicitação de sua última origem em Deus. Por isso os teólogos da libertação podem dizer com acerto: o mais importante não é a Teologia da Libertação, mas a libertação concreta dos oprimidos. Mas a integralidade comporta a libertação e a expressão de seu momento também divino ao lado do momento popular, econômico, político, cultural… Não disse outra coisa Jesus quando advertiu os fariseus: o mais importante é a justiça, a misericórdia e a fidelidade, depois o pagamento dos dízimos da Lei. É aquilo que importa fazer sem omitir isso (Mt 23,23).

- Como explicar que, precisamente quando se apregoou a opção preferencial pelos pobres, os pobres começaram a abandonar a Igreja? Um economista comparou o fato à lei da oferta e da procura: se a procura de Deus não encontrava resposta na pregação da Teologia da Libertação, a demanda se voltou para instâncias não católicas.

- A opção preferencial pelos pobres quer superar o clássico paternalismo e assistencialismo eclesiástico. Faz muito para os pobres mas muito pouco com os pobres e quase nada a partir dos pobres. Pela opção pelos pobres se pretende dar centralidade aos pobres. Eles não são apenas aqueles que não têm. Eles têm saber, experiência, sentido de luta e resistência. Muito a Igreja clerical tem a aprender dos pobres. A libertação somente é real se for feita pelos próprios pobres, a partir de sua perspectiva na medida em que se sentem sujeitos de sua prática, ganham consciência, se organizam e estabelecem práticas de transformação. A Igreja, os padres, os teólogos e outros agentes orgânicos entram como aliados dos pobres, contra sua pobreza e a favor de sua justiça. O importante é que o pobre seja e se sinta sujeito de sua prática social e eclesial. E aqui está a grande questão: na Igreja atual, hierárquica e clerical, os pobres não são sujeitos. Com os círculos bíblicos, com a reflexão comunitária e com a Teologia da Libertação descobrem que na Igreja hierárquica que detém o monopólio das decisões e das palavras que contam, eles não são reconhecidos em seus direitos e em suas responsabilidades. Os ministérios leigos não são ministérios leigos, são funções sacerdotais confiadas aos leigos porque há carência de padres. Toda iniciativa tem que ser aprovada de cima. No sindicato contam e valem. Na comunidade cristã não, porque são infantilizados e marginalizados. E ainda têm que engolir a falsificação clerical que é a vontade de Deus e de Jesus, que na Igreja devem existir clérigos e leigos, mas o mando só cabe aos clérigos. Dão-se conta que as mulheres não valem e que os direitos básicos não são respeitados. Saem da Igreja hierárquica porque são bons cristãos conscientes e denunciam o quão ruim é a organização piramidal deste tipo de Igreja. Na verdade não saem da Igreja. Ajudaram a criar outro modelo de Igreja, mais próximo de Jesus e da grande Tradição, a Igreja-comunidade de irmãos e irmãs. Aqui eles encontram a satisfação de suas demandas religiosas. E ainda têm fé de conviver em comunhão com a Igreja hierárquica, na esperança de que ela um dia se converta ao Evangelho e ao povo. O economista citado pode ser um bom economista mas é um analista fraco. As pessoas vão a instâncias não católicas porque a rigidez das igrejas históricas não lhes comunica um Deus vivo, mas demasiadas doutrinas e preceitos humanos.

- Como sustentar, aos olhos da razão, que o critério da verdade é a praxis ou a eficácia transformadora da sociedade? Não equivale isto a esvaziar a própria noção de verdade? A verdade tem características de perenidade e não é contingente.

- Os teólogos da libertação não elaboraram uma teoria específica da verdade. O que eles querem dizer é algo profundamente tradicional e pertencente à dogmática da Igreja: não basta ter verdades e proclamar “Senhor, Senhor” e com isso construir uma bela teologia. O que salva é o amor ou como diz um Concílio Ecumênico: veritas sicut opportet ad salutem consequendam, veritas caritate informata, verdade como é necessária para conseguir a salvação, vale dizer, a verdade imbuída de amor. Caso contrário o diabo (caso exista) estaria salvo. Ele conhece as verdades mais que os papas e todos os teólogos. Mas não tem amor. Por isso está onde está, no mundo do sem-amor que é o inferno. Esta visão supera todo o intelectualismo e obriga o Cristianismo a ser não uma ideologia ou cosmovisão, mas uma prática transformadora do anti-Reino em Reino, de pecado em graça. Então a verdade se veri-fica, quer dizer, fica verdadeira. Mas quero entrar num aspecto teórico acenado por D. Estêvão, ao dizer que a verdade não é contingente, mas perene. Suspeito que esteja preso a um tipo de compreensão da verdade que não colhe dimensões importantes dela. Suspeito que para ele verdade seja a reta conformidade da representação com a coisa. Este aspecto é importante, caso contrário estamos no mundo da mentira. Mas verdade é mais que este aspecto epistemológico. Há uma dimensão ontológica, bem vista pelos gregos com sua noção de desvelamento (a-létheia) e pela Bíblia com seu conceito de revelação. Segundo isso, a verdade é o processo de desvelamento e de revelação do ser, melhor, da presença do ser. Esta presença irradia e o ser humano vai captando historicamente o que consegue captar e o que esta presença entrega de si mesma. De mais a mais, a ontologia contemporânea é baseada na historicidade de todas as coisas (o tempo é intrínseco aos seres e não extrínseco) e na constatação da moderna cosmologia, segundo a qual nos confrontamos sempre com sistemas abertos, inseridos na seta do tempo (Prigogine) de sorte que tudo está em gênese (cosmogênese, antropogênese, cristogênese) e nada está acabado para sempre, mas continua cheio de virtualidades e nos sugere entender a verdade como um processo sempre de novo retomado de sintonia, conformidade e abertura ao que vai se revelando e emergindo. Só no termo do processo temos a verdade em sua plenitude. Teologicamente podemos dizer: a verdade de alguma coisa é sua conformidade com o desígnio de Deus sobre esta coisa. Ora, este desígnio não se revelou totalmente. Só no termo do processo de criação é verdade: “E Deus viu que tudo era bom”.

Fonte: JORNAL DO BRASIL - Domingo, 18 de Fevereiro de 1996 - Caderno B

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