Nas raízes do Ano Santo ou Jubileu celebrado pela Igreja, está o Antigo Testamento, isto é, a antiga sociedade judaica. Os judeus celebravam, de 50 em 50 anos, o ano do yobel (carneiro, cabra), pois tinha início com o anúncio feito por chifres de carneiro ou de cabra. Era um ano santo e de graça, em que as propriedades da terra deveriam voltar para seus antigos donos e os escravos deveriam ser liberados. A Septuaginta traduz yobel (jubileu) por áphesis (remissão, libertação), sugerindo a ideia central do evento: uma dispensação especial de graça.
A ideia de base era a de que Deus originariamente tinha dividido a terra por famílias, de modo que, se alguém a tivesse vendido por alguma necessidade, ela deveria voltar ao proprietário original estabelecido por Deus ou aos seus descendentes no ano do jubileu (yobel). Servia para evitar o acúmulo de terras nas mãos de poucos e mostrava a soberania de Deus sobre a sociedade. Se essa regra ou ideal, presente na Bíblia no livro do Levítico, foi implantada realmente é outra história. Os escravos judeus também deveriam ser liberdados por ocasião do ano santo, sendo restituídos ao seu lugar de origem e à sua condição original de criatura, submetida somente a Deus. Tudo isso fazia do evento um tempo de justiça, misericórdia e graça.
Jesus, na versão de Lucas, veio para proclamar a áphesis, um ano de graça do Senhor:
“Jesus foi à cidade de Nazaré, onde se havia criado. Conforme seu costume, no sábado entrou na sinagoga, e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor’” (Lc 4,16-19).
Foi o Papa Bonifácio VIII quem proclamou e convocou o povo cristão para o primeiro Ano Santo da Cristandade, o Jubileu do ano de 1300. Na ocasião, uma massa imensa de peregrinos visitou Roma para obter as indulgências proclamadas pela Igreja. Foi uma grande manifestação de fé como nunca se vira antes, conforme testemunhos da época. A indulgência é uma graça que a Igreja, como administradora dos bens da salvação, concede ao fiel que realiza as condições e os atos de piedade previstos. A graça da indulgência não perdoa os pecados quanto à culpa (estes são perdoados pelo arrependimento sincero no sacramento da confissão), mas é uma remissão da pena temporal devida ao pecado já perdoado quando à culpa. É que o pecado, principalmente quando é grave, embora seja perdoado, deixa uma “ferrugem” na alma e no mundo (a pena temporal), que pode ser tirada pelos méritos de Cristo e dos Santos, méritos esses que a Igreja aplica aos fiéis indulgenciados.
Bonifácio VIII previu que os jubileus cristãos devessem ser realizados de 100 em 100 anos, mas já seu sucessor Clemente VI mudou a disposição para que fossem celebrados de 50 em 50 anos, conforme se fazia com o jubileu bíblico do Antigo Testamento. Hoje a celebração ocorre ordinariamente de 25 em 25 anos, podendo o papa convocar também jubileus extraordinários.
O Papa Francisco inaugura o Jubileu de 2025 no dia 24 de dezembro de 2024, em Roma. A Porta Santa, que é aberta, simboliza a passagem para a graça divina. O jubileu é um acontecimento de graça, em que os fiéis são convidados a experimentar a extraordinária bondade de Deus numa profunda atitude de fé e vivência espiritual. “Peregrinos de esperança” é o lema escolhido pelo papa. A esperança é o motor que nos faz dar novos passos, pequenos e grandes, na certeza de que Deus está presente e é a grande meta para a qual todos juntos caminhamos. A esperança não decepciona (Spes non confundit, Rm 5,5), pois Deus está no início, no meio e no fim do processo. Que a esperança nos leve, com o coração cheio de amor, a criar novas estruturas no mundo para que todos tenham vida (cf. Jo 10, 10).
Peregrinantes in spem — assim figura o lema em latim. A preposição in mais o acusativo (spem) dão a ideia de movimento para, movimento dentro de, movimento junto a, movimento em razão de ou ainda movimento através de. A riqueza semântica desta construção latina é variegada. A ideia de movimento é fundamental.
Assim, o tema do Jubileu faz pensar que nós — e o mundo com o nosso testemunho — peregrinamos ou nos movimentamos nesta vida para a esperança, o que se dá quando criamos razões e condições existenciais que nos levam a ter esperança(s) sempre nova(s); os muitos desafios nos levam a construir a esperança, para nela nos alojar. Peregrinamos também dentro da esperança, isto é, só quem é abraçado pela esperança têm fôlego para caminhar; se não caminhamos dentro da casa da esperança, nossos passos se tornam pesados. Caminhamos ainda junto da esperança, isto é, com a esperança diante de nossos olhos e de nossos corações; se não vemos a esperança e não a experimentamos, não podemos peregrinar como convém. Nosso peregrinar se dá em razão da esperança: aqui está o ponto fulcral, pois que de esperança em esperança somos atraídos para o futuro, e o que move como primeiro desejável ou como causa final todo o percurso é a esperança maior, que não decepciona, aquela fundada no futuro absoluto de Deus. Por fim, peregrinamos através da esperança, pois é no caudal dessa virtude ou disposição de espírito que encontramos saídas e vias para o dinamismo da vida; se a vida é essencialmente movimento, ela sempre precisa percorrer um caminho através do qual possa afirmar-se como vida. Esse caminho é feito de esperança.
As indulgências do Ano Santo poderão ser obtidas para os vivos e mortos (um vivo pode obter para si ou para os mortos, não para outro vivo) a partir da atitude de coração requerida e das práticas estabelecidas pela Igreja.
Que este tempo de graça seja de profunda renovação espiritual para toda a Igreja e para o mundo!
🙌🏻 A "esperança."que nos move e mantém a perseverança 🙏🏻
ResponderExcluirOnde há fé a esperança......
ResponderExcluirA esperança é Deus, certeza de vida eterna!
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