Pular para o conteúdo principal

Moral da razão e do discernimento


A teologia moral de corte nominalista é voluntarista. Deus é visto como totalmente incompreensível a ponto de não haver analogia entre sua Razão e a razão humana. Assim, o que prevalece é a Vontade divina ou sua Liberdade; no nominalismo radical a substância da lei moral acaba sendo o resultado de uma pura e simples determinação dessa Vontade, isto é, uma ação é má ou pecaminosa não porque seja ruim em si mesma, mas simplesmente porque Deus a proíbe. Nesse sentido, se Deus não tivesse proibido o adultério, mas, ao contrário, o tivesse ordenado, o ato de trair o cônjuge seria virtuoso. Aqui temos uma moral da lei e da obediência. 

Bem outra é a visão tomista: Razão e Vontade não se separam no único Espírito incriado, e entre a Razão divina e a razão humana há analogia, de modo que a razão humana se torna o meio para conhecer a Razão divina. A lei moral não se reduz à lei positiva, mas é alcançada pela razão prática: seu princípio é intuitivo (Bonum faciendum atque malum vitandum) e os seus desdobramento são alcançados pela reflexão, dedução e discernimento (prudentia). O bem e o mal moral são tais, não porque simplesmente um é ordenado e outro é proibido pela Vontade divina, mas porque são bem e mal na ordem do ser, que é querida pela Vontade divina precisamente por ser a ordem da Razão. Nessa perspectiva, o adultério é proibido por Deus porque é contrário à ordem do ser, já que a corrompe; é irracional. Aqui temos uma moral da razão e do discernimento. A lei positiva tem o seu lugar, mas tira o seu vigor e a sua justificação da lei natural alcançada pela razão. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lima Vaz lê Teilhard de Chardin

 O artigo “Teilhard de Chardin e a Questão de Deus”, de Henrique Cláudio de Lima Vaz, publicado na Revista Portuguesa de Filosofia, é uma profunda análise filosófico-teológica da obra de Pierre Teilhard de Chardin. A seguir, um resumo detalhado: ⸻ 1. Objetivo do artigo Lima Vaz pretende demonstrar a atualidade e o valor permanente do pensamento de Teilhard de Chardin. A chave de leitura é a centralidade da questão de Deus, que constitui o eixo estruturador de toda a sua obra. Para Teilhard, trata-se de responder à pergunta fundamental: é possível crer e agir à luz de Deus num mundo pós-teísta? ⸻ 2. Contexto histórico Teilhard, jesuíta, paleontólogo e filósofo, viveu as tensões entre fé e ciência no século XX. Apesar de suas intuições filosófico-teológicas audaciosas, foi marginalizado institucionalmente: não pôde publicar suas principais obras (O Fenômeno Humano, O Meio Divino) em vida. Seu pensamento ganhou grande repercussão no pós-guerra, tornando-se fenômeno editorial mundial. ...

Existir é ter recebido. Ulrich relê Tomás em chave personalista

 Seguindo pela linha de Tomás de Aquino, Ferdinand Ulrich se coloca dentro da tradição metafísica tomista, mas com uma sensibilidade profundamente renovada pela filosofia do século XX — especialmente pela fenomenologia e pelo personalismo. Vamos explorar como Ulrich lê e reinterpreta Tomás de Aquino em relação à questão do ser: ⸻ 1. O ser como actus essendi (ato de ser) Para Tomás de Aquino, a realidade mais profunda de um ente não é sua essência, mas seu esse — o ato de ser. Ulrich retoma esse princípio com força, insistindo que:  • O ser ( esse ) é mais fundamental que qualquer determinação formal ( essentia ).  • Todo ente é composto de essência e ato de ser, mas esse ato de ser não é algo que ele possua por si: é recebido.  • Daí, a criatura é “ser por participação”, em contraste com Deus, que é “ser por essência” — o ipsum esse subsistens . Para Ulrich, essa estrutura é a chave da relação: o homem, enquanto ente criado, está ontologicamente voltado para além de...

A Igreja é abrigo para os seguidores de Cristo

  O abrigo contra os extremismos? A Igreja, que sabe que a virtude é uma mediania entre extremos viciosos. O abrigo contra o relativismo? A Igreja, que ensina que há um Lógos  eterno do qual o lógos humano participa e no qual encontra fundamento. O abrigo contra o absolutismo? A Igreja, que ensina que só Deus é o Absoluto , e toda palavra nossa não tem fim em si mesma nem faz o Absoluto presente como tal, mas aponta para Ele, a única e inesgotável Verdade.  O abrigo contra o fundamentalismo? A Igreja, que ensina que a Bíblia é Palavra de Deus na palavra humana , e, como tal, sujeita a limitações históricas.  O abrigo contra a tristeza? A Igreja, que anuncia a grande alegria do Evangelho, do perdão, da reconciliação e da vida sem fim.   O abrigo contra a falta de motivação e o desespero? A Igreja, que anuncia a esperança que não decepciona.  O abrigo contra a confusão de doutrinas? A Igreja, que interpreta autenticamente a Palavra de Deus.  O abrigo con...