Pular para o conteúdo principal

A transcendência do Ser e o mistério do homem


A grande tentação do pensamento humano foi e é a de captar e apresentar o Ser num sistema perfeitamente delineado pelo conceito. Mas é preciso reconhecer os limites dos conceitos humanos e a transcendência do Ser. O Ser é o mistério originário. É o Tudo e o Fundamento. É, como viu Parmênides, o que existe desde sempre e para sempre. Para as religiões, é Deus ou o divino. O cristianismo ensina que só Deus (infinito) existe por si, ao passo que os entes finitos existem por Deus. Agostinho, um dos maiores luminares da filosofia cristã, diz que só Deus merece o nome de Ser porque ele é o único que não muda. Tomás de Aquino, o maior pensador cristão da Idade Média, ensina que o nome Ser é apropriado a Deus porque só ele reúne todas as perfeições puras em grau infinito; ele é Ato puro, pura perfeição não restrita por nenhum limite, ao passo que os entes (criados) são limitados por sua essência; assim, só Deus é em sentido pleno, porque é pura atualidade. Deus é o Ser, e os entes têm ser. 

Existem passagens de grandes filósofos que atinam para a transcendência do Ser e os limites do nosdo oensamenri e linguagem. Platão dizia que o Bem está “além da essência”. Para Plotino, o Uno é inominável. Agostinho ensinava que, se aquilo em que estamos pensando é alguma coisa de definido, então não estamos pensando em Deus. Tomás de Aquino não se cansava de repetir que de Deus sabemos mais o que ele não é do que o que ele é. Descartes viu na liberdade a grande imagem de Deus no homem porque, assim como Deus, a liberdade é infinita, e o pensamento só pensa coisas finitas. Kant escreveu que o que conhecemos é uma ilha envolta por um oceano desconhecido. Karl Jaspers via niilismo na anulação do mistério do Ser. 

Em suma, devemos pensar com seriedade; jamais deixar de fazê-lo. Mas sobretudo devemos deixar que o Ser seja ele mesmo; deixar que ele nos surpreenda sempre! O pensamento é uma luz. Nós iluminamos a vida com ele. Mas é preciso ir além do pensamento, esbarrar na sua Fonte, atinar para o Fogo originário que acende a própria luz do pensamento. 

O ser humano é este mistério: com o seu pensamento ilumina as coisas, mas, na raiz mesma do pensamento, vê-se iluminado por uma Luz mais potente. Poder transcender todas as luzes finitas e voltar-se para a Luz infinita, eis a grande prerrogativa deste espírito no mundo que é o ser humano. Somos reis que, muitas vezes, acreditam ser mendigos. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Nota Mater Populi Fidelis: equilíbrio doutrinal e abertura teológica

A recente Nota doutrinal Mater Populi Fidelis , publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, representa um exemplo luminoso do equilíbrio eclesial característico do magistério autêntico. Ela não é nem maximalista nem minimalista: não pretende exaltar Maria acima do que a Revelação permite, nem reduzir sua missão à de uma simples discípula entre os fiéis. O documento reafirma com clareza a doutrina tradicional da Igreja: Maria cooperou de modo singular e insubstituível (por conveniência da graça) na obra da redenção realizada por Cristo. 1. A reafirmação da doutrina tradicional O texto recorda que a Virgem Santíssima participou de maneira única no mistério redentor — não como causa autônoma, mas como colaboradora totalmente dependente da graça. Sua participação é real e ativa, ainda que subordinada à mediação única de Cristo. Assim, a doutrina da cooperação singular de Maria na redenção e a doutrina da sua intercessão na comunhão dos santos permanecem plenamente válidas e reconhecid...

Maria: tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe

Resumo do texto “Maria, tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe” – Pe. Elílio de Faria Matos Júnior ⸻ 1. Introdução O artigo propõe refletir sobre o mistério de Maria à luz do capítulo VIII da Lumen Gentium , mostrando-a como tipo (figura, exemplar) da Igreja, fundamentada em sua fé e caridade como resposta à graça divina. Nessa condição, Maria é colaboradora singular da salvação e mãe dos discípulos de Cristo e da humanidade. ⸻ 2. Maria, figura da Igreja No Concílio Vaticano II, havia duas tendências:  • Cristotípica: via Maria como figura de Cristo, acima da Igreja.  • Eclesiotípica: via Maria como figura da própria Igreja. Por pequena maioria, o Concílio optou por tratar Maria dentro da constituição sobre a Igreja, mostrando que ela deve ser compreendida a partir da comunidade dos redimidos. Assim, Maria pertence à Igreja como seu membro mais eminente, e não se coloca fora ou acima dela. Antes do Concílio, a mariologia frequentemente fazia paralelos ...

O título de Corredentora. Por que evitá-lo?

Dizer que o título de Corredentora aplicado a Maria não é tradicional, é ambíguo e deve ser evitado não significa diminuir nem obscurecer o singular papel da Mãe de Deus na história da salvação.  Maria foi ativa na obra da salvação, e o foi de maneira única e no tempo único da encarnação do Verbo, de sua paixão, morte e ressurreição. No entanto, a sua atividade é sempre uma resposta — uma resposta ativa — à graça e à absoluta iniciativa de Deus. O único autor da salvação é Deus mesmo. É o Pai, que envia o Filho e o Espírito. É o Filho, que, enviado do Pai, encarna-se por obra do Espírito e se doa até a morte de cruz, ressuscitando em seguida. É o Espírito do Pai e do Filho, que, enviado por ambos, age na Igreja e em cada coração aberto, humilde e sincero. Isso sempre foi claro para todo católico bem formado.  A disputa sobre a conveniência ou não do título Corredentora gira mais em torno de questões semânticas ou linguísticas do que sobre a importância e o lugar inquestionável...