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Sabedoria e piedade


Enquanto tomo um café, escrevo: Agostinho, logo quando da sua conversão à fé católica em 386 d.C., retira-se com amigos em um sítio de Cassicíaco, que lhe fora cedido pelo amigo Verecúndio, nas proximidades de Milão. Aí escreve diálogos filosóficos. A filosofia, para Agostinho, é instrumento de união com a divindade. A influência do neoplatonismo se faz sentir. A inteligência fulgurante do recém-convertido deseja como nunca a Deus e acredita poder possuí-lo já nesta vida. Procura a Deus na sabedoria (sapientia). Mais tarde se dará conta de que a divindade é inapreensível nesta vida e a piedade (pietas) é mais profícua do que a sabedoria filosófica para a união com Deus, piedade que se mostra na contemplação do mistério da encarnação e da cruz, “lugares” onde Deus mesmo se humilhou, confundindo a inteligência dos sábios. Com o passar do tempo, o que era próprio do cristianismo se acentua cada vez mais na espiritualidade de Agostinho; na mesma medida, a influência do neoplatonismo vai recuando, embora se tenha mantido sempre presente.

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