Padre Elílio de Faria Matos Júnior
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Encontrar o fundamento! |
A situação da filosofia atual, e da cultura de um modo geral, é crítica. De um lado, a subjetividade moderna ainda exerce amplamente seu domínio, estendendo-se sobretudo ao campo científico-técnico, elevando o homem, enquanto sujeito, a critério absoluto do ser e do fazer, o que traz sérias implicações. De outro lado, talvez mesmo em virtude da lei moderna do homo mensura, nosso tempo carece, de modo especial, de uma cosmovisão, seriamente refletida, que dê um sentido e uma direção básica, um fundamento para a existência humana, que, não enxergando, na situação atual, senão sua marca finita em todas as coisas, busca no sentimento ou num vago misticismo aquele suplemento de alma que lhe falta.
Segundo Lima Vaz[1], devemos remontar ao que ele, seguindo a terminologia de Karl Jaspers, chama de tempo-eixo da história para compreender bem a inflexão que a modernidade operou na concepção do ser. Tal tempo-eixo situa-se entre 800 e 200 a.C.: foi nesse período que se desenvolveram grandes civilizações do mundo antigo e formularam-se as grandes mensagens religiosas e filosóficas. Ora, entre as descobertas decisivas desse período, está a descoberta da Transcendência real, isto é, uma realidade metacósmica que seria o fundamento último de todas as coisas. Lima Vaz diz que muitas foram as expressões culturais, do Extremo Oriente ao mundo mediterrâneo, da descoberta da Transcendência. Duas dessas expressões, porém, estariam destinadas a fundar nossa civilização ocidental: de um lado, a revelação bíblica do Deus pessoal e único, Criador e Senhor da história, princípio e fim de todas as coisas; de outro lado, a intuição filosófica da Ideia Absoluta, Princípio Supremo de inteligibilidade e de ordem, conceptualizado como Ser, como Uno, como Bem e como Verdade transcendentes. Nos fins da Antiguidade, o Deus criador da tradição bíblica e a Ideia absoluta da tradição grega, esta já identificada no médio e neoplatonismo com a Inteligência suprema, convergiram, numa síntese de invejável vigor especulativo, para formar a concepção do Deus cristão, concepção esta que em Santo Tomás de Aquino encontraria sua expressão mais rigorosa.
Ora, o que Lima Vaz pretende nos dizer com tudo isso é que tanto o pensamento antigo quanto o medieval perfizeram a experiência da Transcendência real, fundamento e razão última de todas as coisas. Platão celebrou tal Transcendência como Beleza em si, e a tradição cristã, reconhecendo na Transcendência o Deus revelado por Cristo, atribuiu-lhe a Beleza como um de seus divinos nomes[2]. Note-se que, e é bom reafirmá-lo, a experiência da Transcendência real, sistematizada pela filosofia e teologia cristã, nada tem que ver com a experiência de um conceito claro e distinto ao modo cartesiano. É uma experiência do que é inefável, não por escassez de inteligibilidade, mas por excesso.
Ora, o que Lima Vaz pretende nos dizer com tudo isso é que tanto o pensamento antigo quanto o medieval perfizeram a experiência da Transcendência real, fundamento e razão última de todas as coisas. Platão celebrou tal Transcendência como Beleza em si, e a tradição cristã, reconhecendo na Transcendência o Deus revelado por Cristo, atribuiu-lhe a Beleza como um de seus divinos nomes[2]. Note-se que, e é bom reafirmá-lo, a experiência da Transcendência real, sistematizada pela filosofia e teologia cristã, nada tem que ver com a experiência de um conceito claro e distinto ao modo cartesiano. É uma experiência do que é inefável, não por escassez de inteligibilidade, mas por excesso.
O que se verificou na modernidade, segundo Lima Vaz, foi a inflexão da Transcendência real para a transcendência lógica. Tal inflexão se caracteriza pela primazia dada ao sujeito em detrimento do ser. Se antes era a Transcendência o critério último de inteligibilidade, a partir da modernidade assistimos ao desdobramento do afirmar-se, cada vez maior, do sujeito humano como critério. Immanuel Kant, a título de exemplo, proclama de alto e bom tom a "revolução copernicana" levada a cabo nos domínios da filosofia, "revolução" essa segundo a qual já não é o Eu penso que gira em torno do objeto, mas, ao contrário, é o objeto que gira em torno do Eu penso.
A razão humana, privada de um princípio de inteligibilidade radical que lhe desse real fundamento, passou a fundar-se sobre si mesma, encerrando-se no círculo de sua finitude. A contemplação do Ser em sua alteridade e transcendência real cedeu lugar ao domínio sobre os fenômenos e suas relações lógicas segundo a capacidade finita da razão. Não sem razão se diz que o modelo de razão que tem predominado nos tempos modernos é o da "razão instrumental", interessada tão somente em ligar meios a fins, com propósitos eminentemente práticos e utilitários[3]. O ideal da vida contemplativa (bíos theoretikós), predominante da Antiguidade e Idade Média, foi substituído pelo ideal da atividade e produtividade (operari). Foi a partir desse modelo moderno de razão que a civilização ocidental pôde constituir-se "sob a norma da tecnociência regendo todos os campos da nossa atividade: o conhecimento, o agir ético, o agir político, a criação artística, o trabalho"[4].
Em certo sentido, essa razão instrumental ou operacional que vimos nascer acabou por tirar do Homem a capacidade de contemplar o Ser e deter-se ante a sua perene novidade, maravilha e beleza. A mentalidade técnico-científica já não se espanta ou se maravilha diante do milagre do ser, pois se interessa apenas pelos fenômenos e a relação lógica entre eles; está como que impossibilitada de fazer a pergunta metafísica radical: Por que existe o ser e não o nada? "A fascinação pelo objeto técnico na sua essencial referência antropocêntrica [...], é o fator verdadeiro e mais eficaz do esquecimento do Ser e do descrédito da metafísica, bem como das consequências niilistas que daí se seguem"[5]. O niilismo é resultado da perda da capacidade de ousar adentrar no mistério do ser; Platão referia-se a essa ousadia como uma luta de gigantes em torno do ser[6]. Num horizonte cultural onde já não se colocam as questões fundamentais da existência, tais como De onde vim? Para onde vou? Por que o mal? Como devo agir?, aí não se pode discernir o verdadeiro do falso, o bem do mal, a beleza da fealdade. Na encíclica Fides et Ratio, João Paulo II insta-nos a passar dos fenômenos para o fundamento[7], na convicção de que a razão humana, embora limitada, pode alcançar a certeza das verdades básicas e fundamentais da existência humana.
Em certo sentido, essa razão instrumental ou operacional que vimos nascer acabou por tirar do Homem a capacidade de contemplar o Ser e deter-se ante a sua perene novidade, maravilha e beleza. A mentalidade técnico-científica já não se espanta ou se maravilha diante do milagre do ser, pois se interessa apenas pelos fenômenos e a relação lógica entre eles; está como que impossibilitada de fazer a pergunta metafísica radical: Por que existe o ser e não o nada? "A fascinação pelo objeto técnico na sua essencial referência antropocêntrica [...], é o fator verdadeiro e mais eficaz do esquecimento do Ser e do descrédito da metafísica, bem como das consequências niilistas que daí se seguem"[5]. O niilismo é resultado da perda da capacidade de ousar adentrar no mistério do ser; Platão referia-se a essa ousadia como uma luta de gigantes em torno do ser[6]. Num horizonte cultural onde já não se colocam as questões fundamentais da existência, tais como De onde vim? Para onde vou? Por que o mal? Como devo agir?, aí não se pode discernir o verdadeiro do falso, o bem do mal, a beleza da fealdade. Na encíclica Fides et Ratio, João Paulo II insta-nos a passar dos fenômenos para o fundamento[7], na convicção de que a razão humana, embora limitada, pode alcançar a certeza das verdades básicas e fundamentais da existência humana.
[1] Cf. LIMA VAZ, Henrique C. Humanismo hoje: tradição e missão. Síntese, Belo horizonte, ano 28, n. 91, p.157-168, 2001.
[2] PSEUDO-DIONÍSIO, o Areopagita. Os nomes divinos. In ______. Obra completa. São Paulo: Paulus, 2004, p. 38ss.
[3] Nesse sentido, lamenta João Paulo II: "...é preciso não esquecer que, na cultura moderna, foi alterada a própria função da filosofia. De sabedoria e saber universal que era, foi-se progressivamente reduzindo a uma das muitas áreas do saber humano; mais, sob alguns de seus aspectos, ficou reduzida a um papel completamente marginal. Entretanto, foram-se consolidando sempre mais outras formas de racionalidade, pondo assim em evidência o caráter marginal do saber filosófico. Em vez de apontarem para a contemplação da verdade e a busca do fim último e do sentido da vida, essas formas de racionalidade são orientadas, ou pelo menos orientáveis, como ‘razão instrumental’ ao serviço de fins utilitaristas, de prazer ou de poder" (JOÃO PAULO II. Encíclica "Fides et Ratio" (14-9-1998). São Paulo: Paulinas, 1998, n.47).
[5] Ibidem, p. 282.
[6] Cf. PLATÃO. Sofista 246 a 4-5, apud LIMA VAZ, Henrique C. de, Escritos de filosofia III, p. 311.
VAMOS REPETIR O QUE DISSE UM DOS SEUS PROFESSORES DO MESTRADO (AS CONDICÕES DAS POSSIBILIDADES DA METAFÍSICA SEGUNDO PADRE VAZ): ADICIONANDO UM PEQUENO " PLUS CHEGARÁ AO DOUTORADO, EM BREVE, SE DEUS QUISER!!!E COM ESTA DISSERTACÃO...APRESENTADA EM BH.FELICIDADES!!!
ResponderExcluir21 de maio de 2011 07:02
Achei esta Oração interessante e deixo aqui o link dela para os interessados:
ResponderExcluirTitulo dela é Oração Poderosa da Santa Cruz
http://www.cientistaherbertalexandre.com/minhas-obras/obras-do-ano-de-2011/ora%C3%A7%C3%A3o%20poderosa%20da%20santa%20cruz/