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A metafísica do "esse" e seu declínio epocal segundo Lima Vaz

A metafísica, ciência do puro inteligível, vigorou nos altos esforços especulativos de um Platão, de um Aristótetes, de um Plotino, de um Agostinho, e encontrou, segundo Lima Vaz, grande coerência na metafísica do existir (actus essendi) de Tomás de Aquino. A metafísica é a ciência dos fundamentos e, como tal, é postulada, segundo Lima Vaz, pelo dinamismo da inteligência humana, cuja identificação intencional com o ser em toda sua infinita universalidade (absoluto formal) reclama, em última análise, a posição do Absoluto real (Ipsum Esse Subsistens), fundamento de toda a realidade.[1] Isso equivale a dizer que, de acordo com o pensamento vaziano, a metafísica como ciência do fundamento real está inscrita no âmago da inteligência humana.

No entanto, na modernidade, a metafísica entendida como ciência do ser em sua transcendência real, cedeu lugar a um entendimento do sujeito humano finito como instituidor de toda inteligibilidade. Se o esse em sua transcendência real é que era a razão última de toda inteligibilidade, na modernidade assistimos à afirmação da pretensão do sujeito de possuir a suprema raiz do inteligível.[2] Mas isso, segundo Lima Vaz, implica problemas: o primeiro dos quais está no fato de o sujeito humano finito não poder criar. Ele pode, com certeza, transformar e manipular o que existe, mas certamente não pode dar a existência mesma, e assim sua pretensão de ser a raiz última da inteligibilidade é inviável, pois que só o esse – o ato de existir - pode sê-lo.[3]

Diante dessas considerações, nosso estudo especial tem por objetivo: 1) apresentar uma breve conceituação da metafísica do existir tal como pensada por Lima Vaz, que vê em Tomás de Aquino seu grande mentor; 2) expor as razões histórico-doutrinais pelas quais, segundo Lima Vaz, essa vigorosa metafísica veio a se desmantelar no horizonte filosófico da modernidade com inequívocas conseqüências para a contemporaneidade (ereção de pseudo-absolutos, crise de sentido, niilismo, irracionalismos, exacerbado domínio da técnica...); 3) e tecer considerações de ordem teórica, sempre segundo o pensamento vaziano, sobre esse fenômeno do declínio da metafísica, que, na visão de Lima Vaz, só pode ser epocal, dado que a inteligência humana é metafísica em sua mesma natureza.



[1] Cf. LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de Filosofia III. Filosofia e cultura. São Paulo: Loyola, p. 175.

[2] Cf. Id. Escritos de Filosofia VII. Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, p. 109.

[3] “A razão operacional pode representar, explicar, transformar, modificar, organizar, projetar. Mas não pode criar. O simples existir permanece um enigma para a razão moderna [...] (Ibidem, p. 103).

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