Pular para o conteúdo principal

Em defesa do Papa Bento XVI

Quero aqui expressar meu descontentamento com certa imprensa, que, ao invés de promover a verdade, fica à cata de notícias espalhafatosas e inverídicas para se promover a si mesma. Não deixo de reconhecer, contudo, que existem grandes e honrados nomes que são a glória do jornalismo sério e competente.

Vou direto ao assunto. Trata-se da vinculação do nome do Santo Padre Bento XVI com as teses negacionistas ou reducionistas do bispo inglês Dom Williamson. Dom Williamson, juntamente com outros três sacerdotes, foi sagrado bispo em 1988 por Dom Marcel Lefebvre, fundador da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX). Como Dom Lefebvre realizou a sagração sem mandato pontifício, ele, o brasileiro Dom Antônio de Castro Mayer, consagrante, e os bispos sagrados, entre os quais Dom Williamson, incorreram em excomunhão latae sententiae. Dois dias após as sagrações, o Papa João Paulo II fez conhecer publicamente a excomunhão pela Carta Apostólica Ecclesia Dei afflicta. O motivo do ato cismático de Dom Lefebvre foi a não-aceitação das mudanças ocorridas na Igreja a partir do Concílio Vaticano II e da reforma litúrgica realizada sob a inspiração do mesmo concílio. Dom Lefevbre acreditava que haviam sido introduzidas novidades na vida da Igreja que não se coadunavam com a legítima tradição católica.

Pois bem. Em janeiro de 2009, o Papa Bento XVI houve por bem retirar a excomunhão declarada outrora por João Paulo II. O levantamento da excomunhão atingiu, evidentemente, os bispos vivos, isto é, os quatro bispos que haviam sido sagrados em 1988, entre eles Dom Williamson, já que para os mortos, como é o caso de Dom Lefebvre e Dom Mayer, cessa a jurisdição canônica da Igreja.

Aconteceu que Dom Williamson havia dado uma entrevista a uma rede de TV sueca em que chegou a negar que tivesse havido câmaras de gás para exterminar os judeus na 2ª Guerra Mundial, e ainda afirmou que o número de judeus mortos na ocasião não passava de 200 ou 300 mil. Isso equivale a negar ou reduzir muito o Holocausto. Dom Williamson cometeu um erro muito grande ao dar tais declarações, provocando uma justa indignação não só de judeus, mas também de vozes do mundo inteiro, inclusive de católicos e de membros da FSSPX. Dom Fellay, Superior da FSSPX, chegou mesmo a proibi-lo de dar entrevistas sobre fatos históricos ou políticos. E o próprio Dom Williamson reconheceu sua imprudência ao pedir perdão ao Papa pelas suas afirmações.

O que me provocou a indignação foi o fato de ter circulado na imprensa a idéia de uma possível condescendência de Sua Santidade o Papa Bento XVI para com as teses negacionistas ou reducionistas de Dom Williamson. Isso pelo fato de Bento XVI ter retirado a excomunhão dos bispos lefebvrianos. O Papa, a bem da verdade, ignorava por completo a entrevista de Dom Williamson, que havia, erradamente, manifestado uma opinião particular sobre uma questão que não lhe dizia respeito como bispo. Não falou em nome da FSSPX e muito menos em nome da Igreja católica, com a qual ainda não está em plena comunhão, mesmo tendo sido retirada a excomunhão que lhe pesava.

O que deseja o Papa com a retirada da excomunhão é coisa bem outra. É uma questão que diz respeito exclusivamente à vida interna da Igreja. Bento XVI quer a plena reintegração dos membros e seguidores da FSSPX à Igreja. O levantamento da excomunhão não significa ainda que haja já essa reintegração, mas é um passo em direção a ela, como o fora, em julho de 2007, a liberação da Missa tradicional, tão prezada pelos lefebvrianos e que jamais fora ab-rogada.

Ainda deve ser percorrido um caminho – pequeno ou grande, o futuro o dirá – até a plena comunhão dos lefebvrianos com a Igreja católica. A grande questão a ser tratada é o reconhecimento, por parte da FSSPX, do Concílio Vaticano II e da legitimidade da reforma litúrgica empreendida por Paulo VI. Como e quando esse caminho será percorrido, Deus o sabe, Ele que guia a Igreja.

Pelo que noto, Bento XVI deseja ardentemente a plena reabilitação por ver no movimento suscitado por Dom Lefebvre, apesar das controvérsias sobre o que se deu na vida eclesial a partir do Concílio Vaticano II, uma espiritualidade de muito amor à Igreja. E o coração do Papa sabe ver onde esse amor autêntico existe, ainda que tenha que ser reformulado sob alguns aspectos. E não se pode negar também que certos setores da Igreja, em nome do Concílio Vaticano II, têm defendido idéias absurdamente anticatólicas, o que pode dar a impressão de que o concílio seja a grande causa dessas idéias. O próprio Bento XVI tratou da reta hermenêutica do concílio em um discurso dirigido à Cúria Romana em 2005 por ocasião das felicitações natalinas. O Vaticano II, dizia o Papa, não pode ser visto como algo desvinculado da bimilenar Tradição da Igreja, e deve ser corretamente interpretado como uma renovação na continuidade da Grande Tradição, nunca como ruptura.

De qualquer modo, Bento XVI, injustiçado por essa confusão de idéias, deixou claro de público o que já estava tão claro, tão óbvio, tão ululante: o Papa não apóia teses negacionistas ou reducionistas; o Papa preza o povo judeu e não se compactua com nenhum tipo de anti-semitismo. Aliás, essa confusão de idéias pareceu-me até ter sido orquestrada para desmoralizar o Papa justamente quando ele, com o seu coração de Pastor, queria trabalhar para o bem da Igreja de Cristo.

Nesta hora em que o "doce Cristo na Terra" padece no "Jardim das Oliveiras" da incompreensão e da calúnia, cumpre a mim, como sacerdote da Igreja católica, estar a seu lado como filho amantíssimo.

Deus recompense o Papa Bento XVI pelo seu esforço de trabalhar pela Igreja, que é para todos o sacramento universal da salvação.


Padre Elílio de Faria Matos Júnior
Obs.: A Secretaria de Estado do Vaticano publicou, aos 4 de fevereiro de 2009, uma nota em que se diz expressamente que, para exercer o múnus episcopal na Igreja, o bispo Dom Williamson deverá afastar-se, de modo inequívoco e público, das suas posições a respeito da Shoah, não conhecidas pelo Santo Padre quando do levantamento da excomunhão.


Comentários

  1. Boa tarde Padre Elílio,
    Sábias e prudentes palavras. O seu posicionamento perante os fatos que vivenciamos é extremamente responsável e verdadeiro. Como foi bom ler esse artigo. Oremos pelo Papa, peçamos que Deus envie o Arcanjo Miguel e seu exército em missão de guerra, contra os lobos que tentam ferir a nossa igreja.
    Abraço e sua benção

    ResponderExcluir
  2. Muito prezado e reverendo Padre Elílio,

    Deus lhe pague por seu apoio ao Papa Bento XVI. Gostei da comparação que V. Rev. fez a respeito da do Jardim das Oliveiras, no qual Nosso Senhor suou sangue. Isto me fez lembrar das palavras da pequena beata Jacinta, de Fátima, a respeito de um futuro Papa que muito sofreria.

    Fiquemos ao lado do Santo Padre, e rezemos sempre por ele. Fica aqui minha sincera admiração pelo apoio de V. Rev. para com "Cristo na terra". Deus lhe pague.

    Viva o Papa!
    Carlos Roberto

    ResponderExcluir
  3. Pelo passado de Bento XVI, que enquanto Ratzinger alemão que pertenceu à juventude hitleriana.
    Pelo passado da Igrega no seu comportamento durante a 2aGuerra.
    E porque uma excomunhão não é atribuida ou retirada com um comunicado de imprensa.
    Isto é um caso muito sério.

    ResponderExcluir
  4. Sua Bênção, padre!
    Sou fiel católico e assisto às missas da FSSPX. Há muitos anos tenho amizade com esses excelentes padres.
    O que realmente não entendo, padre, é como o sr. não enxerga a IMENSA ruptura desse concílio com a Tradição da Igreja. Este concílio satânico é o anti-sylabus (nas palavras do então cardeal Ratzinger) e o anti-Igreja.
    Sábias palavras de Dom Antônio: ninguém pode ao mesmo tempo assinar em baixo de tudo o que diz o vaticano II e ser ainda católico.
    A Roma modernista é que é um cisma. A CNBB é cismática, os modernistas que imperam nos autos postos da Igreja é que são excomungados.
    Oremus pro Pontifice nostro... Oremus invicem.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ponderações sobre o modo de dar ou receber a sagrada comunhão eucarística

Ao receber na mão o Corpo de Cristo, deve-se estender a palma da mão, e não pegar o sagrado Corpo com a ponta dos dedos.  1) Há quem acuse de arqueologismo litúrgico a atual praxe eclesial de dar ou receber a comunhão eucarística na mão. Ora, deve-se observar o seguinte: cada época tem suas circunstâncias e sensibilidades. Nos primeiros séculos, a praxe geral era distribuir a Eucaristia na mão. Temos testemunhos, nesse sentido, de Tertuliano, do Papa Cornélio, de S. Cipriano, de S. Cirilo de Jerusalém, de Teodoro de Mopsuéstia, de S. Agostinho, de S. Cesário de Arles (este falava de um véu branco que se devia estender sobre a palma da mão para receber o Corpo de Cristo). A praxe de dar a comunhão na boca passou a vigorar bem mais tarde. Do  concílio de Ruão (França, 878), temos a norma: “A nenhum homem leigo e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre na boca” ( cân . 2).  Certamente uma tendência de restringir a comunhão na mão começa já em tempos pa

Considerações em torno da Declaração "Fiducia supplicans"

Papa Francisco e o Cardeal Víctor Manuel Fernández, Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé Este texto não visa a entrar em polêmicas, mas é uma reflexão sobre as razões de diferentes perspectivas a respeito da Declaração Fiducia supplicans (FS), do Dicastério para a Doutrina da Fé, que, publicada aos 18 de dezembro de 2023, permite uma benção espontânea a casais em situações irregulares diante do ordenamento doutrinal e canônico da Igreja, inclusive a casais homossexuais. O teor do documento indica uma possibilidade, sem codificar.  Trata-se de uma benção espontânea,  isto é, sem caráter litúrgico ou ritual oficial, evitando-se qualquer semelhança com uma benção ou celebração de casamento e qualquer perigo de escândalo para os fiéis.  Alguns católicos se manifestaram contrários à disposição do documento. A razão principal seria a de que a Igreja não poderia abençoar uniões irregulares, pois estas configuram um pecado objetivo na medida em que contrariam o plano divino para a sex

Absoluto real versus pseudo-absolutos

. Padre Elílio de Faria Matos Júnior  "Como pensar o homem pós-metafísico em face da exigência racional do pensamento do Absoluto? A primeira e mais radical resposta a essa questão decisiva, sempre retomada e reinventada nas vicissitudes da modernidade, consiste em considerá-la sem sentido e em exorcisar o espectro do Absoluto de todos os horizontes da cultura. Mas essa solução exige um alto preço filosófico, pois a razão, cuja ordenação constitutiva ao Absoluto se manifesta já na primeira e inevitável afirmação do ser , se não se lança na busca do Absoluto real ou se se vê tolhida no seu exercício metafísico, passa a engendrar necessariamente essa procissão de pseudo-absolutos que povoam o horizonte do homem moderno" (LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de filosofia III. Filosofia e cultura. São Paulo: Loyola, 1997). Padre Vaz, acertadamente, exprime a insustentabilidade do projeto moderno, na medida em que a modernidade quer livrar-se do Absoluto real, fazendo refluir