Resumo do capítulo Truth and Objectivity, do livro Nietzsche’s Ontology, de Laird Addis (Ontos Verlag, 2012).
O autor argumenta que Nietzsche não rejeitava a verdade e a objetividade, como muitos intérpretes sugerem, mas sim reformulava sua compreensão de ambos. O texto desenvolve essa tese ao longo de três eixos principais: (1) a concepção de verdade em Nietzsche, (2) sua visão sobre objetividade e método, e (3) as implicações disso para sua ontologia.
1. Verdade como Correspondência
O autor critica a ideia de que Nietzsche era um opositor da verdade e sustenta que, ao contrário, Nietzsche aderia a uma concepção de verdade como correspondência. A verdade, nesse sentido, consiste na adequação entre um pensamento ou enunciado e a realidade objetiva. O autor argumenta que essa é a concepção comum de verdade em qualquer linguagem natural e que até mesmo Nietzsche, em sua prática filosófica, opera dentro desse entendimento.
Entretanto, Nietzsche problematiza a noção tradicional de verdade ao introduzir três aspectos distintos:
• A natureza da verdade: O que é a verdade? Para Nietzsche, a verdade se baseia na correspondência entre pensamento e realidade.
• Os critérios de verdade: Como podemos saber se algo é verdadeiro? Nietzsche explora a coerência e a utilidade como critérios auxiliares para avaliar afirmações.
• O valor da verdade: Por que devemos buscar a verdade? Aqui Nietzsche introduz sua crítica mais radical, questionando se a verdade é sempre desejável ou benéfica para a vida humana.
O autor argumenta que Nietzsche não nega a existência da verdade, mas questiona a suposição de que a busca pela verdade deve ser sempre privilegiada. Essa é uma das suas contribuições mais originais, pois ele sugere que, em algumas circunstâncias, a ilusão pode ser mais favorável à vida do que a verdade.
2. Objetividade e Método
Um dos principais equívocos na interpretação de Nietzsche, segundo o autor, é a ideia de que ele rejeitava a objetividade. O autor esclarece que Nietzsche distingue entre uma visão ingênua de objetividade (como um “olhar neutro e desinteressado sobre o mundo”) e uma concepção mais sofisticada, na qual a objetividade é entendida como um método rigoroso de investigação.
Nietzsche valoriza a objetividade como um ideal a ser alcançado através da disciplina intelectual. Isso envolve:
• Autocontrole e disciplina: O pensador objetivo deve evitar ser influenciado por suas paixões e desejos pessoais.
• Múltiplas perspectivas: A busca pela objetividade não significa a ausência de perspectiva, mas sim a capacidade de considerar diferentes pontos de vista para alcançar uma visão mais abrangente da realidade.
• Método rigoroso: Nietzsche admira historiadores e cientistas que seguem métodos objetivos, como Thucydides e Michelson-Morley, cujo trabalho demonstra como a objetividade pode ser alcançada na prática.
Assim, Nietzsche não rejeita a objetividade, mas a redefine como um esforço metódico para minimizar distorções pessoais e alcançar uma compreensão mais precisa do mundo.
3. Perspectivismo e Conhecimento
Nietzsche é frequentemente associado ao perspectivismo, a ideia de que todo conhecimento é condicionado pela perspectiva do observador. No entanto, o autor argumenta que isso não implica a negação da objetividade ou da verdade, mas sim uma forma de enriquecê-las.
Nietzsche identifica cinco tipos principais de perspectivismo:
1. Localização social e cultural: Nossa visão de mundo é moldada pelo tempo e lugar em que vivemos.
2. Abordagem cognitiva: Diferentes formas de investigação (como generalizações versus análises individuais) afetam a maneira como percebemos a realidade.
3. Categorias conceituais: Diferentes sistemas de pensamento estruturam a experiência de formas distintas.
4. Limitações sensoriais: Os seres humanos percebem o mundo através de um aparato sensorial específico, diferente do de outros animais.
5. Necessidade humana de crença: Algumas crenças são indispensáveis para a sobrevivência e podem não ser verdadeiras no sentido estrito.
O autor argumenta que, longe de ser um obstáculo à objetividade, o perspectivismo pode ser incorporado como um método para melhorar a compreensão do mundo, tornando-a mais abrangente.
4. Nietzsche e a Possibilidade de uma Ontologia
Dado que Nietzsche admite a objetividade e a possibilidade de conhecimento, o autor conclui que ele possui uma ontologia, ou seja, uma concepção sobre a estrutura fundamental da realidade. Nietzsche reconhece um mundo independente da mente humana e propõe certas teses ontológicas, como:
• A realidade é marcada pela mudança e pelo devir, sem essências fixas.
• A causalidade é mais complexa do que uma simples relação linear entre causa e efeito.
• A “vontade de poder” é um princípio fundamental da realidade.
O autor enfatiza que, mesmo que Nietzsche critique certas noções metafísicas tradicionais, sua filosofia pressupõe uma ontologia implícita, baseada em uma visão dinâmica da realidade.
Conclusão
Nietzsche não rejeita a verdade nem a objetividade, mas reformula ambas dentro de um quadro mais complexo. Ele adere a uma concepção de verdade como correspondência, valoriza a objetividade como um método rigoroso de investigação e integra o perspectivismo como uma ferramenta para enriquecer o conhecimento. Assim, sua filosofia não nega a possibilidade de conhecer a realidade, mas busca um caminho mais realista e crítico para alcançá-la. Dessa forma, Nietzsche tem, sim, uma ontologia, que pode ser explorada sem contradição com suas reflexões epistemológicas.
Observação pessoal
Julgo que a filosofia de Nietzsche se apoie num ponto que ele considerava uma verdade básica: o devir contínuo de todas as coisas. A partir dessa ontologia de base (o ser é devir), Nietzsche julgará que a perspectiva na consideração da verdade é imprescindível, já que a “correspondência” da inteligência com o devir, na medida em que isto é possível, seria sempre correspondência de uma inteligência singular em mudança com um ponto da realidade também em mudança, e a vida e sua autoafirmação seriam valores que se sobrepõem ao valor da verdade, sendo este sempre relativo à afirmação vital.
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