A primeira via de São Tomás de Aquino para provar a existência de Deus é a chamada prova do motor imóvel, que parte do movimento observado no mundo para concluir a existência de um Primeiro Motor imóvel, identificado como Deus. Ela é formulada assim:
1. Há movimento no mundo.
2. Tudo o que se move é movido por outro.
3. Não se pode seguir ao infinito na série de motores (causas de movimento).
4. Logo, é necessário chegar a um Primeiro Motor imóvel, que move sem ser movido.
5. Esse Primeiro Motor é o que todos chamam de Deus.
Essa prova se fundamenta em princípios metafísicos clássicos, especialmente da tradição aristotélica, como:
• A distinção entre ato e potência.
• O princípio de que o que está em potência só passa ao ato por algo que já está em ato.
• A impossibilidade de regressão ao infinito em causas atuais e simultâneas.
Agora, sobre a validade perene dessa via, podemos considerar a questão sob dois ângulos:
1. Validade Ontológica e Metafísica: Sim, perene
A estrutura metafísica subjacente à primeira via é considerada por muitos filósofos perene, ou seja, válida em todos os tempos, pois:
• Ela não depende de modelos físicos específicos, mas de uma análise do ser e do movimento enquanto tal.
• Mesmo que se alterem as explicações científicas sobre como ocorre o movimento (mecânica clássica, relatividade, física quântica), a questão metafísica permanece:
Por que há atualização de potências? Por que há de fato movimento e mudança?
• A primeira via não é uma explicação física do movimento, mas uma explicação última e causal do fato de haver mudança.
O filósofo e tomista contemporâneo Étienne Gilson dizia que a via do movimento é uma “via eterna”, porque o fato do movimento é algo sempre evidente, e sempre exigirá uma explicação última.
O próprio Josef Pieper considerava que a primeira via e a prova a partir da contingência são as mais fundamentais e inabaláveis.
2. Objeções Modernas e Científicas: Não Invalidam a Primeira Via
a) Física Moderna
Algumas pessoas pensam que a física moderna invalidou a primeira via, porque:
• A mecânica moderna descreve o movimento de modo inercial, e não como algo que sempre precisa de um motor imediato.
• Na física quântica, certas mudanças ocorrem aparentemente sem causas visíveis.
Contudo, essas objeções confundem a primeira via com uma causa física específica.
São Tomás não está falando de forças físicas; ele está tratando do ato de ser, da passagem da potência ao ato, e isso é válido mesmo em sistemas quânticos ou inerciais, pois:
• O que está em potência para ser precisa ser atualizado por algo em ato.
• Mesmo um sistema quântico ou leis da física pressupõem um fundamento ontológico e não explicam por que há ser e mudança em vez de nada.
b) Causalidade e Indeterminismo
• Kant, Hume e outros criticaram a ideia de causalidade necessária.
Mas a primeira via não parte de uma causalidade puramente empírica, mas da experiência universal da mudança e da exigência racional de uma explicação última.
• Mesmo o indeterminismo quântico não escapa:
A mudança do estado quântico é mudança; logo, pressupõe a passagem de potência a ato, e a primeira via segue válida.
3. A Regra do “Não ao Infinito” Continua Necessária?
Uma crítica comum é a seguinte:
• E se a série de movimentos ou causas não tiver começo e for infinita no tempo?
São Tomás não está falando de uma série temporal infinita de movimentos passados, mas de uma série atual e simultânea de causas que operam aqui e agora.
Exemplo:
• Uma mão move uma vara, que move uma pedra.
Aqui, o movimento da vara e da pedra depende da mão no momento presente.
Não importa se o universo tem 13 bilhões de anos ou é eterno: o problema é que, no momento presente, a série de motores exige uma causa primeira em ato.
Esse raciocínio continua sólido e respeitado na metafísica contemporânea, por autores como:
• David Braine (em diálogo com Tomás e Wittgenstein),
• Edward Feser (em defesa das Cinco Vias),
• John Haldane (tomista analítico),
• Lawrence Dewan (defensor da metafísica tomista clássica).
4. Conclusão: A Primeira Via é Perenemente Válida
A primeira via de São Tomás é considerada por muitos filósofos perenemente válida porque:
• Ela não depende de hipóteses científicas específicas, mas de uma inteligência metafísica sobre o ser e o movimento.
• O princípio do ato e da potência continua sendo um dos fundamentos mais sólidos da metafísica.
• A exigência de um Primeiro Motor imóvel se mantém mesmo frente à ciência contemporânea, pois a mudança exige sempre uma explicação ontológica última.
Portanto, a primeira via é perene precisamente porque se fundamenta na experiência universal e constante do movimento e na exigência racional de um fundamento último do ser e da mudança.
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