Que o Evangelho seja uma mensagem e um poder de salvação para todos, especialmente para os pobres, está claro pra mim.
Chamo a atenção para o “especialmente para os pobres”.
As bem-aventuranças em Lucas, provavelmente a versão mais próxima ou mesmo idêntica ao posicionamento histórico de Jesus, têm como destinatários os pobres (em sentido literal), os que choram, os que passam fome… Maria é apresentada por Lucas entoando o seu belíssimo Magnificat, hino inspirado no cântico de Ana, em que louva a Deus porque “enche de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias”.
Jesus, tal como nos chegou pelo Novo Testamento, é taxativo ao dizer ou se serve a Deus ou se serve ao dinheiro. Diz que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino. Faz questão de identificar-se com os últimos da comunidade, considerando feito a ele o que se faz aos desvalidos. Em sua prática, sempre se posicionou pelos últimos, sem excluir, no entanto, os demais.
E. Bloch acusou a Igreja de alargar o buraco da agulha até fazer passar por ele os maiores ricaços, sem grandes dificuldades. A questão que fica é: até que medida nós podemos “adocicar” as palavras fortes da Escritura sobre a pobreza e a riqueza? Sobre o bens materiais e o Reino? Sobre a injustiça e o amor fraterno?
Os primeiros cristãos descritos (talvez idealmente) por Lucas viviam partilhando os seus bens. Os monges, quando a Igreja se uniu ao Império, compreenderam que deviam fugir do espetáculo mundano. Em todas as épocas, na Igreja houve serviço aos pobres. Mas assistência aos pobres nem sempre coincide com a libertação dos pobres para a qual o núcleo do Evangelho parece apontar.
A pobreza evangélica foi vista por certa tradição exegética como destinada a apenas uma elite espiritual (os religiosos). Mas o fato é que Jesus fala pra todos. Que significa ser pobre de espírito (bem-aventurança de Mateus)? Que é a pobreza evangélica? Não seria o testemunho de que os bens podem ser melhor partilhados a fim de que todos possam ter dignidade?
O fato é que hoje a Igreja repensa o que recebeu e os contornos da sua própria história. Realça a implicação social do Evangelho, que é sobretudo para os pobres. A pobreza evangélica não é certamente o mero desapego dos bens.
A cada cristão cabe a pergunta: a quem estou servindo? Até onde posso levar a posse de bens? Como os pobres são evangelizados? Como uma sociedade injusta, do ponto de vista da economia e da distribuição de bens, pode receber o Evangelho?
Atenção! Há de se distinguir a vida pessoal e particular e a vida empresarial. Hoje uma empresa precisa de capital e é capaz de gerar empregos e benefícios sociais. O que devemos pensar é como as empresas contribuem para o bem comum, não simplesmente para o bem de uma elite, às vezes muito restrita. E até quanto cada um em particular, fora da vida empresarial, precisa possuir? Qual é o limite além do qual estaria ferindo o Evangelho, que pede a todos o serviço de Deus, não o do dinheiro? Cada um use o discernimento, a luz da razão e a da fé!
Observação: Está claro pra mim também que o Evangelho não se reduz a uma mensagem ou um poder social, pois que diz respeito ao destino eterno do homem. No entanto, querer desvinculá-lo do compromisso social é mutilá-lo.
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