Pular para o conteúdo principal

A parábola do pobre Lázaro e do rico epulão: um chamado à mudança de vida


O Evangelho deste domingo nos apresenta uma cena dramática e profundamente atual: à porta de um homem rico, que todos os dias se vestia de púrpura e linho e banqueteava esplendidamente, jazia um pobre chamado Lázaro, coberto de feridas, que desejava apenas as migalhas que caíam da mesa. Quando a morte chega para ambos, os papéis se invertem: o pobre é consolado no seio de Abraão, enquanto o rico se vê em tormento.

Esta parábola pode ser contemplada a partir de dois pontos fundamentais para nossa vida cristã e comunitária.

1. Relativizar sucessos e insucessos deste mundo

A primeira lição do Evangelho é clara: nada neste mundo é definitivo. Os sucessos humanos — saúde, riqueza, fama, reconhecimento — são passageiros. Da mesma forma, os insucessos — pobreza, doença, sofrimento, abandono — não têm a última palavra.

O rico epulão parecia vitorioso: rodeado de bens, de abundância e conforto. O pobre Lázaro, por sua vez, parecia derrotado: relegado à miséria, sem consolo humano. Mas a morte revela a verdade última: o critério de uma vida bem-sucedida não está nas aparências temporais, mas na fidelidade a Deus e na caridade.

O Evangelho nos convida, portanto, a não absolutizar os ganhos e as perdas desta vida. Tudo aqui é provisório. O que permanece é o amor com que vivemos, é a confiança em Deus que sustenta os humildes e transforma sua sorte em vida plena.

2. A responsabilidade que temos neste mundo

A segunda grande mensagem é a responsabilidade. O rico da parábola não aparece como alguém cruel ou violento contra Lázaro. Ele não o enxotava da porta. Mas também não o ajudava. Era indiferente.

E é justamente essa indiferença que o condena. O Evangelho nos recorda que a essência da vida cristã é o amor. “Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho único” (Jo 3,16). E quem ama não pode ser indiferente.

Hoje também corremos o risco de viver como o rico epulão: cercados de nossos interesses, fechados em nossas conquistas, sem nos importar com os que estão à nossa porta — pessoas concretas, rostos marcados pela pobreza, pela dor, pela exclusão. Podemos ser indiferentes a um vizinho solitário, a uma família em dificuldade, a uma comunidade sem recursos, a um povo inteiro que sofre.

A indiferença é o contrário do amor. Por isso, a parábola é um forte apelo contra a indiferença social, política e religiosa.

3. O chamado à justiça social

Na realidade brasileira, esta parábola tem uma força ainda maior. Vivemos em um dos países mais injustos do mundo, onde poucos acumulam muito e muitos não têm o mínimo para viver com dignidade. O Evangelho ilumina também essa realidade.

A Doutrina Social da Igreja nos recorda o princípio da destinação universal dos bens: tudo o que existe foi criado por Deus para todos, e não para poucos. Isso significa que a organização da sociedade, das leis e da economia deve garantir que todos tenham acesso a bens fundamentais: alimento, moradia, saúde, educação, trabalho.

Quando as leis permitem que uns acumulem em excesso e outros fiquem sem nada, é sinal de que não servem ao bem comum e precisam ser transformadas. Lutar por justiça social, por políticas públicas justas, por oportunidades dignas para todos, é expressão concreta do amor cristão. Não é apenas questão mundana: é questão evangélica.

Conclusão

A parábola do rico epulão e do pobre Lázaro nos chama, portanto, a duas atitudes fundamentais:

 1. Relativizar os sucessos e insucessos temporais, lembrando que o que vale diante de Deus é o amor com que vivemos.

 2. Assumir responsabilidade pelo próximo e pela sociedade, combatendo a indiferença e trabalhando pela justiça.

Não nos deixemos enganar pela aparência de uma vida bem-sucedida segundo os critérios do mundo. A verdadeira felicidade está em viver na caridade, atentos às necessidades do outro. Que o Senhor nos dê olhos para ver o Lázaro que está à nossa porta e coração para servir com amor.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Teologia da libertação como parte, não como o todo da teologia

A teologia da libertação, surgida em solo latino-americano e desenvolvida em diálogo com a realidade concreta de nossos povos, apresenta diferentes correntes e matizes. Não se trata de um bloco único, mas de uma pluralidade de vozes que buscam responder à mesma interrogação: como anunciar o Evangelho em contextos marcados por graves injustiças sociais? Em linha de princípio, uma reflexão teológica voltada para a libertação é não apenas legítima, mas necessária e oportuna. Em países como os da América Latina, onde a desigualdade social é gritante, a fé cristã não pode se manter indiferente diante do sofrimento dos pobres e da exclusão das maiorias. A teologia da libertação, nesse sentido, cumpre uma função crítica: questiona as causas estruturais da injustiça, examina os mecanismos de opressão, avalia os meios adequados para a superação dessas situações e defende o direito dos povos a uma libertação não apenas espiritual, mas também econômica, social e política. Nessa linha, o Papa S. J...

Do mundo do devir ao ser absolutamente absoluto: um itinerário do pensamento

A filosofia ocidental nasce da exigência de compreender o ser. Platão, diante do mundo sensível, marcado pelo devir, pela transformação incessante e pela imperfeição, percebeu os limites da realidade material. Para ele, o mundo visível não pode explicar-se por si mesmo: sua contingência só se torna inteligível à luz de um mundo superior, estável e perfeito — o mundo das Ideias. Assim, o imperfeito remete necessariamente ao perfeito. Aristóteles, discípulo de Platão, volta-se de modo mais atencioso para o mundo sensível. Não nega sua inteligibilidade, mas a fundamenta em princípios racionais: a substância, a forma, a matéria, as causas. O cosmos é compreensível porque é ordenado. Contudo, esse movimento ordenado exige um fundamento último que não se move: o motor imóvel. Aristóteles não o descreve como criador, mas como ato puro, causa final de toda realidade em movimento. Com o cristianismo, essa intuição filosófica se eleva a um plano novo. Antes de tudo, o cristianismo não é uma filo...

Nietzsche, Agostinho e a Felicidade: um debate inesperado

 O tema da felicidade percorre toda a história da filosofia, mas ganha contornos singulares quando aproximamos duas figuras aparentemente inconciliáveis: Santo Agostinho e Friedrich Nietzsche. Um, bispo do século IV, pensador cristão que marcou profundamente a teologia ocidental; o outro, filósofo do século XIX, crítico mordaz do cristianismo e da tradição metafísica. A relação entre eles pode parecer improvável, mas, como mostra Matthew Rose em seu artigo Nietzsche on Augustine on Happiness , o embate entre os dois lança luz sobre questões fundamentais da ética e da existência humana. Segundo Rose, Nietzsche leu Agostinho com uma mistura de hostilidade e fascínio. Para o filósofo alemão, Agostinho teria transformado a busca humana pela felicidade em uma experiência de negação da vida. Em vez de enxergar a felicidade como expansão da existência, Agostinho a teria concebido como repouso, quietude e passividade, um “sábado eterno” em que o ser humano já não deseja nem age. Nesse sent...