Por muito tempo, durante toda a modernidade, a teologia moral social privilegiou a consideração da justiça comutativa, que é a justiça que trata da igualdade ou proporcionalidade entre bens que se trocam, se vendem e se compram, ou entre contratos que se fazem, de pessoas para pessoas, físicas ou jurídicas. O objetivo da justiça comutativa é que as pessoas não sejam lesadas em seus direitos particulares. As relações de pessoas para pessoas são relações particulares.
No entanto, no século XIX, veio à tona um outro tipo de justiça, mais fundamental e determinante. Trata-se da justiça social. Esta não está confinada a relações meramente particulares, mas tem em vista a sociedade como um todo. Percebeu-se que há uma estrutura social, amparada por leis ou costumes, que condiciona universalmente a vida das pessoas antes de determinar as relações particulares entre elas. Essa estrutura pode ser justa ou injusta. Será injusta se não garantir a alguns membros da sociedade (minorias ou a ampla maioria) aquilo que lhes é devido por direito natural. Simplesmente pelo fato de existir como humano, cada pessoa e todas as pessoas têm direitos inalienáveis. Se há pessoas marginalizadas, não por culpa própria, mas por causa da dinâmica ou da estrutura da vida social, então temos um problema estrutural de injustiça. A justiça nas relações particulares fica afetada pela injustiça na estrutura geral.
A proclamação dos direitos humanos foi um marco decisivo na consciência da urgência da justiça social. Se todos e cada um têm direitos, todos e cada um têm deveres, pois o direito estabelece também o dever. A tarefa do bem comum cabe, de modo especial, ao poder político. A política é — ou deveria ser — a ética no âmbito da estrutura da vida social. Numa democracia todos os cidadãos têm o direito de participar da política e de dar sua contribuição para o bem comum e a reforma estrutural de uma sociedade na medida das necessidades e possibilidades.
A teologia moral e a Doutrina Social da Igreja, que se estrutura justamente a partir do século XIX, passaram, então, a considerar o tema da justiça social. Isso, na verdade, representa uma superação do particularismo moderno (ênfase na justiça comutativa) e também uma revalorização dos Padres e grandes escolásticos, como S. Tomás, que tinham em consideração, mesmo antes dos complexos problemas econômicos surgidos no século XIX, o universal como determinante do particular. Olhavam o todo para nele entender o sentido autêntico do particular. O grande princípio que estabeleceram como expressão da vontade de Deus e da lei natural é a destinação universal dos bens da criação, que garante, antes mesmo de se determinar a propriedade privada, o direito de todos e de cada um de fazer uso dos bens para a sobrevivência e o desenvolvimento digno da vida. É a partir dessa universalidade da destinação e do direito que a vida social pode encontrar o caminho frutífero das relações particulares.
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