Pular para o conteúdo principal

Ultrapassar o ego


Se há algo que acomuna todas as grandes religiões, parece ser a necessidade de ultrapassar o ego. O ego, com seus interesses mesquinhos, sua visão míope e sua mentalidade estreita, deve ceder espaço ao divino. São Paulo o experienciou muito bem quando disse já não ser ele que vivia, mas Cristo nele. A consciência pequena deve deixar-se ultrapassar pela consciência grande. O homem deve reconhecer os valores que o ultrapassam como mero indivíduo e o introduzem conscientemente no horizonte do Ser e na comunhão do Todo.
 
No entanto, para que o homem se desapegue do seu ego, é inevitável a crise. Esta tem por função sacudir o ego e feri-lo, de modo que seja reconhecido impotente e frágil, incapaz de salvação. É então que o homem perderá sua identificação com as estreitezas do ego para alojar-se num mais amplo espaço do espírito. Perdido o ego, o homem ganhará o que está para além do ego.
 
O ego é o eterno insatisfeito. É carente, quer atenção, busca destacar-se… Tudo isso porque é essencialmente pobre e frágil. Se o homem vive a partir do ego, nunca encontrará repouso. Desejará sempre; o desejo egóico nunca será saciado, pois o ego é vazio por essência. Em certo sentido, o ego é ilusório; é fruto do que muitas vezes imaginamos ser, não do que somos realmente; é fruto dos que os outros dizem que somos; é fruto do tempo, da cultura, das circunstâncias... O ego muda continuamente porque não tem consistência. É preciso ultrapassá-lo para encontrar o Eu profundo, que, segundo a mensagem cristã, é imagem de Deus
 
Ultrapassando o ego, o homem deixa-se tomar pelo divino. É então que experimentará a plenitude e a paz que são próprias do divino. Ir além do ego é encontrar a Fonte, a Origem e o Fundamento. É cessar a busca. É descansar e alegrar-se sem medida.
 
É preciso, pois, morrer para o ego para nascer para a Plenitude. Trata-se de um verdadeiro renascimento, marcado pela novidade que nos liberta radicalmente. Mas haverá coisa mais árdua para o homem do que morrer para o próprio ego?

Comentários

  1. Saudações amigo! Libertar-se do ego e encontrar a fonte. A vida em toda sua presença e fundamento. Assim, no âmago, o encontro com o Divino.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Marín-Sola e o desenvolvimento da teologia da graça

  Francisco Marín-Sola, um teólogo dominicano do século XX, foi um dos principais responsáveis pela reformulação da tradição bañeziana dentro do tomismo. Ele buscou suavizar alguns aspectos da doutrina da graça e predestinação, especialmente no que diz respeito à relação entre a liberdade humana e a causalidade divina. Sua obra tentou conciliar a soberania absoluta de Deus com uma maior ênfase na cooperação humana, evitando o determinismo implícito no modelo de Bañez e Garrigou-Lagrange. ⸻ 1. Contexto da Reformulação de Marín-Sola • A escola tomista tradicional, especialmente na versão de Domingo Bañez e Reginald Garrigou-Lagrange, defendia a moción física previa, segundo a qual Deus pre-move infalivelmente a vontade humana para o bem ou permite o pecado através de um decreto permissivo infalível. • Essa visão levantava críticas, pois parecia tornar Deus indiretamente responsável pelo pecado, já que Ele escolhia não conceder graça eficaz a alguns. • Francisco Marín-Sola...

Max Scheler: o homem é mais do que um animal racional

 A Visão do Homem em Max Scheler Max Scheler (1874-1928) foi um filósofo alemão ligado à fenomenologia e à antropologia filosófica. Ele desenvolveu uma visão do homem como um ser espiritual e emocional, superando tanto a visão racionalista cartesiana quanto a visão biologicista darwinista. 📌 Ideia central: O homem não pode ser reduzido a um simples animal racional ou a um ser puramente biológico – ele é um ser espiritual que transcende a natureza, mas ainda faz parte dela. 1. O Homem Como Ser Espiritual e Pessoal ✔️ O homem não é apenas um ser racional (como em Descartes) ou um ser biológico evoluído (como em Darwin), mas um ser espiritual. ✔️ Ele possui uma dimensão emocional e afetiva fundamental, que é até mais importante do que a razão. ✔️ O homem é um ser de valores, capaz de perceber e hierarquizar valores que não são meras projeções subjetivas. 💡 Conclusão: O que define o homem não é apenas a razão, mas sua capacidade de captar valores e se orientar por eles. 2. Diferença ...

Se Deus existe, por que o mal?

O artigo ( leia-o aqui ) Si Dieu existe, pourquoi le mal ?,  de Ghislain-Marie Grange, analisa o problema do mal a partir da teologia cristã, com ênfase na abordagem de santo Tomás de Aquino. O autor explora as diversas tentativas de responder à questão do mal, contrastando as explicações filosóficas e teológicas ao longo da história e destacando a visão tomista, que considera o mal uma privação de bem, permitido por Deus dentro da ordem da criação. ⸻ 1. A questão do mal na tradição cristã A presença do mal no mundo é frequentemente usada como argumento contra a existência de um Deus onipotente e benevolente. A tradição cristã tem abordado essa questão de diferentes formas, tentando reconciliar a realidade do mal com a bondade e a onipotência divinas. 1.1. A tentativa de justificar Deus Desde a Escritura, a teologia cristã busca explicar que Deus não é o autor do mal, mas que ele é uma consequência da liberdade das criaturas. No relato da queda do homem (Gn 3), o pecado de Adão e E...