Pular para o conteúdo principal

Lima Vaz e o tomismo transcendental



O tomismo transcendental de Lima Vaz, na linha de seu correligionário Joseph Maréchal, leva em consideração Kant e procura ultrapassá-lo. Leva em consideração Kant porque atribui valor especulativo à forma do conhecimento que está no sujeito ou no espírito cognoscente. Tal forma é o ser formal. O espírito só conhece assumindo todo e qualquer conteúdo na forma do ser. Tomás dizia que o que primeiramente cai sob a consideração do intelecto é o “ens”, sem o qual o intelecto não pode apreender nada. 

Lima Vaz ressalta que o espírito finito do homem assume o conteúdo do conhecimento sob a forma do ser, de modo especial no juízo, quando declara ita est. O est do juízo assume aqui um papel decisivo, pois que ele revela que o espírito confere ao conteúdo do conhecimento uma forma necessária e absoluta - absolutamente necessária e necessariamente absoluta

De onde vem ao espírito a capacidade de instituir o absoluto da forma senão do Absoluto real? Quando o espírito humano finito institui o absoluto formal, ele se eleva para além das flutuações contingentes da imaginação e da species e agarra-se à absoluta necessidade do ser, arrancando o conhecimento do tempo e elevando-o para a eternidade. De onde lhe vem essa capacidade de ultrapassar a mobilidade, a contingência e o tempo? É preciso encontrar uma razão a quo do caminho do espírito até o absoluto da forma, que só pode ser o Absoluto de existência. 

Uma vez que o espírito humano é dinâmico, não estático, porque nele inteligência e vontade estão imbricados, e aquilo que é visto é também desejado, o absoluto da forma abre-lhe a visão (indireta, analógica) do Absoluto de existência, do Absoluto tout court, e assim o coloca em movimento de desejo do Absoluto real. Desse modo, o Absoluto real é não só o termo a quo do caminho do espírito, mas também o seu termo ad quem, o seu télos sempre almejado. Tomás dizia mesmo que conhecemos a Deus, implicitamente, em cada objeto conhecido, e que há em nosso espírito um desejo natural de ver a Deus. 

Lima Vaz parte com Kant porque valoriza a forma do pensamento enquanto tal. Vai além de Kant porque reconhece que a forma do ser só se explica pelo Ser em ato, em sua absoluta realidade e transcendência.

Comentários

  1. Elílio, você é realmente muito inteligente. Você tem me ajudado a ser alguém melhor para mim é para as relações interpessoais.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ponderações sobre o modo de dar ou receber a sagrada comunhão eucarística

Ao receber na mão o Corpo de Cristo, deve-se estender a palma da mão, e não pegar o sagrado Corpo com a ponta dos dedos.  1) Há quem acuse de arqueologismo litúrgico a atual praxe eclesial de dar ou receber a comunhão eucarística na mão. Ora, deve-se observar o seguinte: cada época tem suas circunstâncias e sensibilidades. Nos primeiros séculos, a praxe geral era distribuir a Eucaristia na mão. Temos testemunhos, nesse sentido, de Tertuliano, do Papa Cornélio, de S. Cipriano, de S. Cirilo de Jerusalém, de Teodoro de Mopsuéstia, de S. Agostinho, de S. Cesário de Arles (este falava de um véu branco que se devia estender sobre a palma da mão para receber o Corpo de Cristo). A praxe de dar a comunhão na boca passou a vigorar bem mais tarde. Do  concílio de Ruão (França, 878), temos a norma: “A nenhum homem leigo e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre na boca” ( cân . 2).  Certamente uma tendência de restringir a comunhão na mão começa já em tempos pa

Considerações em torno da Declaração "Fiducia supplicans"

Papa Francisco e o Cardeal Víctor Manuel Fernández, Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé Este texto não visa a entrar em polêmicas, mas é uma reflexão sobre as razões de diferentes perspectivas a respeito da Declaração Fiducia supplicans (FS), do Dicastério para a Doutrina da Fé, que, publicada aos 18 de dezembro de 2023, permite uma benção espontânea a casais em situações irregulares diante do ordenamento doutrinal e canônico da Igreja, inclusive a casais homossexuais. O teor do documento indica uma possibilidade, sem codificar.  Trata-se de uma benção espontânea,  isto é, sem caráter litúrgico ou ritual oficial, evitando-se qualquer semelhança com uma benção ou celebração de casamento e qualquer perigo de escândalo para os fiéis.  Alguns católicos se manifestaram contrários à disposição do documento. A razão principal seria a de que a Igreja não poderia abençoar uniões irregulares, pois estas configuram um pecado objetivo na medida em que contrariam o plano divino para a sex

Absoluto real versus pseudo-absolutos

. Padre Elílio de Faria Matos Júnior  "Como pensar o homem pós-metafísico em face da exigência racional do pensamento do Absoluto? A primeira e mais radical resposta a essa questão decisiva, sempre retomada e reinventada nas vicissitudes da modernidade, consiste em considerá-la sem sentido e em exorcisar o espectro do Absoluto de todos os horizontes da cultura. Mas essa solução exige um alto preço filosófico, pois a razão, cuja ordenação constitutiva ao Absoluto se manifesta já na primeira e inevitável afirmação do ser , se não se lança na busca do Absoluto real ou se se vê tolhida no seu exercício metafísico, passa a engendrar necessariamente essa procissão de pseudo-absolutos que povoam o horizonte do homem moderno" (LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de filosofia III. Filosofia e cultura. São Paulo: Loyola, 1997). Padre Vaz, acertadamente, exprime a insustentabilidade do projeto moderno, na medida em que a modernidade quer livrar-se do Absoluto real, fazendo refluir