ATEÍSMO MODERNO
É comum, na historiografia em geral, apontar o ateísmo moderno como o êxito natural do desenvolvimento da humanidade ou como o fruto desejável da passagem da infância à maturidade do homem. Hans Blumenberg viu na reivindicação de autonomia e na afirmação de si por parte do homem o grande distintivo da modernidade, o que teria levado naturalmente à marginalização de Deus e da religião.
No entanto, o ateísmo moderno, a meu ver, é coisa mais complexa. Ele não é somente uma afirmação, mas também uma reação. Ele é, em grande parte, fruto das guerras de religião que encheram de sangue a Europa na segunda metade do século XVI (com prolongamentos no século XVII). O próprio cogito cartesiano é, em boa medida, uma reação aos libertinos do século XVII, que, por sua vez, eram também uma reação cética aos conflitos religiosos da Europa.
A fé tinha sido elemento de unidade no Império cristão. Entretanto, a partir da Reforma protestante, a Europa se dividiu do ponto de vista religioso, e a fé já não podia ser promotora de unidade, mas, ao contrário, tornou-se causa de guerras.
Como remediar a situação? A solução encontrada foi secularizar e reforçar o poder do Estado moderno. No Iluminismo, a fé eclesiástica foi vista por proeminentes pensadores como indigna do homem. Hegel, no século XIX, sustentará que o único poder capaz de instaurar a eticidade (a sociabilidade justa e ética) é o Estado moderno, unicamente guiado pela razão, sem interferências de credos religiosos. Aliás, para Hegel, esse Estado, que se identificava com o Estado prussiano, era a encarnação do Espírito ou da Cultura.
As guerras fratricidas entre os cristãos provocou a crítica da união entre Trono e Altar, com a consequente retração da fé para o âmbito privado e a entrega do poder absoluto ao Estado laico, fundamentalmente maquiavélico e hobbesiano. A religião, nessas circunstâncias, foi julgada incapaz, por grandes pensadores, de conduzir o homem à liberdade.
Assim, o ateísmo moderno europeu surgiu, em grande medida, como uma reação moral ao grande problema da convivência pacífica num mundo marcado pela divisão religiosa e pelas atitudes sanguinárias dos príncipes religiosos.
Nos Estados Unidos, onde a ideia de tolerância esteve presente desde o início, o ateísmo não tem logrado o êxito que tem tido na Europa. Ali não se precisou reagir para dar remédio a uma situação de conflito insustentável. O Estado americano laico não se mostrou laicista como na Europa. Tocqueville adimirava-se de ver na América a harmonia entre Estado laico e sociedade cristã, entre cristianismo e liberdade.
Se os príncipes cristãos e as autoridades eclesiásticas tivessem bebido mais em fontes como Erasmo de Rotterdam, talvez a trajetória histórica não tivesse conduzido ao surto ateísta moderno com os seus desdobramentos pós-modernos. Erasmo, com seu humanismo, desejava a paz e era favorável à tolerância das seitas protestantes, não porque fosse relativista, mas porque considerava que é somente pelo trabalho do espírito, não da força, que o cristianismo podia firmar-se e encontrar a reconciliação desejada.
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