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Natal, celebração de um evento

Dezembro, que se aproxima, é o mês do Natal, quando os cristãos celebramos um grande acontecimento: a encarnação do Filho de Deus.

A história é feita de processos e de eventos. Os processos são relativamente longos, feitos de continuidade e de gradualidade. Já os eventos são curtos espaços de tempo em que ocorre uma ruptura, e dá-se a irrupção de uma novidade. Tomemos, como analogia, a reprodução humana. A fertilização de um gameta feminino por um gameta masculino é um evento. Algo novo — uma vida nova — inicia-se em um curtíssimo espaço de tempo. Já o desenvolvimento da nova vida surgida pelo evento da fertilização é um processo, pois que se faz em um tempo maior e por mudanças graduais.

Na história tivemos vários eventos e processos. É indubitável que o nascimento de Jesus, há mais de dois mil anos, foi um evento. Aos olhos do historiador, em Jesus teve início um novo ciclo cultural, que irrompeu com força pelo movimento suscitato pelo Mestre de Nazaré no solo da religião de Israel. Tal movimento se encontraria logo com a cultura grega e romana e, mais tarde, com a germânica. Jesus e o Cristianismo que dele provém marcaram o mundo e concorreram para a formação da civilização ocidental. Pelo seu significado diante da história, Jesus foi um evento, isto é, a irrupção de uma novidade. O que representa a vida de Jesus como um todo — evento —, nós o atribuímos ao seu nascimento. Por isso dizemos que o Natal é a celebração de um evento.

Há ainda mais. Aos olhos da fé, Jesus é mais do que simplesmente alguém que influenciou de modo decisivo a história humana. A sua identidade nos leva para além do tempo e da história. O Evangelho de João diz que no início era o Verbo. Ora, o “início” não é o início temporal, mas o Princípio eterno ou a Origem não espácio-temporal do nosso universo feito de tempo e de espaço. O Verbo, com o Pai e o Amor, é esse Princípio e Origem. O Verbo é a Inteligência de Deus, pela qual tudo foi criado. A fé nos diz que o Verbo se encarnou, isto é, assumiu a natureza humana, vindo morar entre nós. Jesus de Nazaré é o Verbo encarnado!

O Natal quer celebrar sobretudo esse evento da encarnação do Verbo divino. Tal acontecimento é de tal maneira importante, que Deus faz todo seu projeto salvífico e toda a história humana girar em torno dele. Como pode o Deus infinitamente grande tornar-se admiravelmente pequeno, a ponto de assumir, com exceção do pecado, todas as nossas limitações e fragilidades? São Paulo diz que ele se esvaziou de si mesmo, fez-se pobre para nos enriquecer.

A boa palavra ilumina o ser, aquece o coração, e orienta o caminho. A boa palavra é fonte de admiração, de vida interior e de enriquecimento do espírito. Ora, Jesus é o Verbo, isto é, a Palavra viva de Deus. Não pode haver melhor palavra! É por isso que a história e os homens têm sido iluminados, aquecidos e orientados na medida em que se aproximam da poderosa luz que emana de Jesus. Cada um de nós em particular pode experimentar a graça dessa luz na medida de nossa abertura de espírito e de nossa busca de comunhão com Aquele que traz o selo do Pai e a força do Espírito.

Como Palavra, Jesus veio para comunicar e para ser escutado. Por isto, Maria, irmã de Marta, escolheu a melhor parte. Quem veio para falar, quer ser ouvido! E quem o escuta, é agraciado. Nossa vida, tão marcada pela correria e pelo risco de perda da interioridade, muito ganharia se nos dispuséssemos a ouvir a Palavra que vem de Deus. O Pai pronuncia continuamente a sua única Palavra, não fazendo ruído, mas no silêncio cheio do sentido e da riqueza de sua presença. Deus, por sua Palavra, oferece-se à contemplação. Admirando a sua superabundante riqueza, unificamos o nosso ser e conquistamos a paz! Ao contrário, o movimento do mundo faz barulho, inquieta e dispersa.

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